sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

As contradições das três faces do Estado Brasileiro

Semana de 16 a 22 de janeiro de 2012

Tatiana Losano de Abreu [i]

Até a otimista Organização das Nações Unidas (ONU) já reduziu a projeção da economia global para 2012. A estimativa, na melhor das hipóteses, é de crescimento de apenas 2,6%. O problema está na persistência do desemprego elevado, na crise da dívida na zona do euro e na adoção prematura de medidas de austeridade fiscal. Apesar deste diagnóstico, as medidas continuam. Espanha, França e Itália, seguindo a sugestão de Portugal, apostam na flexibilização do mercado de trabalho, na esperança de que a taxa de desemprego diminua, mesmo que seja através de contratações temporárias e da redução dos direitos trabalhistas.

Em nossas análises, insistimos em mostrar as tentativas dos governos de garantir os interesses do capital industrial e, principalmente, do capital financeiro em detrimento da classe trabalhadora. Esta realidade não existe apenas em momentos de crise, mas se torna evidente diante da necessidade de salvar os bancos e manter a lucratividade do mercado financeiro e das empresas. Ao comparar as políticas dos países europeus, ou até dos Estados Unidos, com a política econômica brasileira, o leitor poderá perceber grandes diferenças.

Estas diferenças vão além da conjuntura atual e encontram fundamento no diferente modelo de política econômica colocado em prática inicialmente pelo Governo Lula e mantido pelo governo Dilma: o projeto neodesenvolvimentista ou pós-consenso de Washington. Este modelo é diferente do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas, da industrialização atrelada ao capital internacional colocada em prática por Jucelino Kubitscheck e do projeto neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Agora, o Estado é o indutor do crescimento econômico baseado no fortalecimento do capital privado e caracterizado por três vertentes: o Estado financiador, que utiliza o BNDES para fortalecer grupos privados; o Estado investidor, que financia obras de infra-estrutura, garantindo o emprego em setores estratégicos como a construção-civil; e o Estado Social, provedor de políticas sociais de mitigação da pobreza.

O fato de o Estado acumular tantas funções gera contradições, principalmente porque o governo é fortemente influenciado pelo mercado financeiro, por elites tradicionais e pela ortodoxia econômica. Foi diante desta pressão que Lula, no início do seu mandato, divulgou a ‘Carta ao povo brasileiro’, se comprometendo a honrar o pagamento dos credores e, deste modo, garantindo a manutenção da política macroeconômica do governo anterior, baseada na manutenção das altas taxas de juros, na política do superávit primário e nos cortes no orçamento.

A sucessora de Lula, Dilma Rousseff, deparou-se com o grande desafio de garantir a tri-face do Estado, conciliando os interesses do capital financeiro internacional e da elite do agronegócio, ao mesmo tempo em que ainda precisa evitar o acirramento da crise econômica no país e manter o prestígio diante da “inchada” classe C. Por isso, não é de se espantar que o agronegócio se fortaleça com o ‘reformulado’ código florestal; que a usina de Belo Monte seja construída mesmo sem aprovação do IBAMA e às custas do povo indígena da região; e que o BNDES financie grandes fusões e a privatização dos aeroportos, ao mesmo tempo que garante liquidez ao sistema financeiro e crédito barato ao pequeno empreendedor. Também não nos choquemos ao ver que, apesar da criação do Plano Nacional de Educação (PNE), prevendo o investimento de 7% do PIB no setor até 2020, a expansão dos gastos perdeu ritmo em 2011. Também foi vetada parte dos recursos que seriam investidos na saúde pública, agravando uma realidade que poderia levar a privatização do SUS. Já o superávit primário foi garantido pelo governo, com a arrecadação de R$93 bilhões em 2011. O povo brasileiro não reclamou, já que, no ano passado, foram gastos mais de 16 bilhões de reais para atender cerca de 320 mil famílias pobres. Além disso, a presidente presenteou o povo brasileiro com o aumento do salario mínimo que passou para R$ 622,00 no primeiro dia do ano e pretende diminuir o custo do empréstimo para pessoa física através da redução do IOF.

Seriam essas medidas suficientes para comprar o silêncio?



[i] Economista, Professora substituta do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A maldição do triplo A

Semana de 09 a 15 de janeiro de 2012

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Caro leitor. Como anunciado nesta coluna na primeira semana de janeiro, o ano é novo, mas a realidade é velha. Infelizmente ainda não somos portadores nem de novas e, muito menos, de boas notícias.

Antes de fazer o comentário central desta análise semanal, trago informações da economia real: segundo o Instituto Nacional de Estatísticas da Espanha, a produção industrial daquele país caiu 7% em novembro, em relação ao mesmo mês do ano passado. A crise está abatendo até mesmo o país mais forte da União Europeia: a economia alemã. Embora tenha crescido, no ano passado, 3%, ela encolheu 0,25%, no último trimestre de 2011. O número de desempregados da zona do euro chegou a 16 milhões de pessoas, e a taxa de crescimento prevista para a região, este ano, é de 1%. Os Estados Unidos, que vêm apresentando uma recuperação ainda tímida, divulgaram a criação de 200 mil empregos em dezembro, o que provocou a queda da taxa de desemprego, de 8,7%, para 8,5%. O índice de confiança do consumidor americano aumentou 9,3%, e as encomendas de bens duráveis também subiram. O país, que projeta um crescimento de 2,5% em 2012, teme agora sofrer contágio da crise européia.

Para driblar a crise, Nicolas Sarkozy, presidente da França, está negociando com a Alemanha a introdução de uma taxa sobre transações financeiras em toda a União Européia. Segundo levantamento francês, as transações financeiras diárias alcançam a cifra de US$ 4,6 trilhões. O objetivo seria taxar em 0,1% as ações e bônus e em 0,001% os outros produtos financeiros. Só isto renderia, à União Européia, uma receita anual superior a € 50 bilhões. Apesar de a iniciativa ser apoiada também pela Itália, David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, já se pronunciou contra. E os banqueiros franceses logo lembraram que a crise foi iniciada nos Estados Unidos, de forma que seria justo que a cobrança fosse universal. Se não houver acordo, a França anunciou que adotará sozinha a taxação a partir deste ano.

Em contrapartida, os “investidores” não sabem mais de onde sugar. O simples rumor de que a França poderia ter sua avaliação de risco rebaixada, o que indica um risco maior da sua capacidade de honrar o pagamento de suas dívidas, provocou uma correria para os Estados Unidos. O Tesouro dos Estados Unidos vendeu US$ 21 bilhões em títulos com vencimento em 10 anos e com o menor rendimento já registrado (1,9%).

No dia seguinte, o governo francês confirmou o rebaixamento da sua nota, pela Standard & Poor’s. A agência de classificação de risco reduziu a nota de crédito do país, que era a máxima, de AAA, para AA+. Além da França, a Áustria também perdeu o triplo A. Luxemburgo, Holanda, Finlândia e Alemanha são os únicos a conservarem a nota máxima.

O ministro das Finanças, François Baroin, minimizou a polêmica dizendo que a notícia não era boa, mas não era uma catástrofe e que, no pior dos cenários, a França ficou com a mesma classificação obtida pelos Estados Unidos. Finalizando sabiamente, o ministro declarou: “Não são as agências que decidem a política da França.” Temos que concordar. De fato, estas agências não decidem política alguma de país algum.

Prezado leitor. Se após esta enxurrada de informações, lhe fosse perguntado do que se ocupa então a Economia, não seria surpresa o surgimento de terríveis dúvidas. Afinal, somos bombardeados a todo o momento por diferentes tipos de informação, que nos levam a concluir que, para entender de Economia, basta saber como funcionam as Bolsas de Valores e como aplicar, ganhando dinheiro fácil, nas infinidades de produtos financeiros que estão à nossa disposição.

Aprendemos nos Manuais de Economia que a Ciência Econômica é uma ciência social que deve se preocupar com três questões básicas: O que e quanto produzir, como produzir e para quem produzir. Mas, hoje, no universo da economia, a instituição de maior importância é o “mercado”. Não o real, mas o financeiro. Além disso, especuladores ganharam status de investidores e agências de classificação de risco sobrepõem-se a tudo e a todos e ditam a solvência dos governos.

O leitor não deve se preocupar, afinal ele não está só. Estudantes de Economia e renomados economistas também já perderam o foco e acham natural que o sistema financeiro, que não gera nenhuma riqueza, se sobreponha a atividade produtiva e dite as regras de praticamente todas as economias do mundo.

E ai de quem não obtiver um triplo A!



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O que é globalização?

Semana de 02 a 08 de janeiro de 2012

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

No censo comum, a palavra globalização está impregnada por uma mítica ideia de progresso e desenvolvimento das relações sociais, advinda dos avanços do mundo moderno, os quais permitem a internacionalização do conhecimento e dos mais variados meios de satisfazer as necessidades humanas. Um olhar mais atento, que ultrapasse o senso comum, nos mostraria que a globalização é um movimento “natural” causado pelas necessidades das empresas.

Diante da concorrência, os empresários buscam expandir e, com isso, fortalecer seu capital, fazendo com que, cada vez mais, se produzam maiores lucro. Por outro lado, várias limitações se impõem às empresas nacionais: disponibilidade de recursos para novos investimentos (próprios ou financiados), infra-estrutura, número de concorrentes, limites do mercado consumidor local, abundância de mão de obra disponível e de matéria-prima, etc. O capital que for capaz de superar estes desafios, será o mais forte e vai dominar determinado setor, seja bancário, produtivo, comercial ou os três ao mesmo tempo. Mas, ao chegar a tal ponto, as empresas se deparam com outro problema: se o mercado nacional está ganho, para onde expandir agora? A resposta é simples: ir para os lugares onde os capitais tenham as menores dificuldades para crescer. Para obter lucro “não importa a cor nem o sabor”. O capital não tem e nem precisa ter nacionalidade. Basta ter lucratividade.

A ocupação das empresas começou com o estabelecimento do próprio sistema, quando as companhias de comércio deram sua contribuição para a acumulação inicial do capital. Nos dias atuais, a essência da internacionalização é a mesma, mas sob uma nova roupagem. Ao invés de caravelas, o capitalismo se utiliza de pressões políticas por meio de órgãos internacionais. A violência militar só é utilizada em última instância. Além disso, com as regulamentações da economia, por parte do Estado, os próprios governos podem facilitar, ou mesmo dificultar, o trabalho dos empresários.

Um caso que esta semana virou manchete, mas que não é o único, foi o do Japão. A terceira maior economia do mundo viu a parcela da população envolvida na produção de objetos físicos cair, de 27% no ano de 1970, para 17% em 2011. A causa disto foi a migração das empresas nacionais para outros países, ou seja, a transnacionalização dos capitais. Outro dado é alarmante: além do Japão, a Alemanha, a Itália, o Reino Unido e os EUA têm menos de 25% do PIB advindos da produção industrial.

Nos anos 2000, a saída líquida de capitais do Japão para investimento direto era de US$ 40 bi, enquanto que, em 2008, este número foi de US$ 130 bi. Para se ter uma ideia, os carros produzidos pela Toyota no território japonês correspondem a cerca de 50% da produção total da empresa. Já no caso da Nissan, este número é de apenas 25%. Segundo o presidente da Toyota, Akio Toyoda, “não faz sentido produzir no Japão”.

Mas por quê? O problema é que os custos oriundos de políticas fiscais desfavoráveis e leis trabalhistas rígidas aumentam o custo da produção. Soma-se a isso o câmbio desfavorável, que se valorizou 40% em relação ao dólar desde 2007. O resultado final é a redução da percentagem do PIB japonês no PIB mundial, que caiu, de 14% na década de 1990, para menos de 9% atualmente.

E para onde estão indo as empresas? Para os países onde o custo da produção seja menor. O queridinho dentre os países, atualmente, é a China, que tem o maior mercado mundial, mão de obra barata e grande quantidade de matérias-primas, além de dar incentivos fiscais e financeiros às empresas. Outro atrativo do país é o câmbio artificialmente desvalorizado, que, apenas com a conversão em outras moedas, permite a obtenção de uma grande vantagem no preço dos produtos. Mas, a coisa já começa a mudar por lá. Os trabalhadores estão se organizando em sindicatos e reivindicando melhores condições de trabalho. Empresas de calçados e artigos desportivos já se deslocaram para tigres vizinhos, como Vietnã e Malásia, que ainda não têm grandes movimentos sindicais organizados.

São estes atrativos que criam a integração, a nível mundial, das cadeias de produção, distribuição e consumo de mercadorias. Não é um movimento consciente e intencional comandado pelos homens, mas uma ação impulsionada pela racionalidade do capital. O consumo do fastfood pelo vietnamita acontece não porque o americano quer mal nutrir este cidadão, mas porque a produção e o consumo, no Vietnã, darão lucro à empresa americana.



[i] Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).

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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Ano Novo... Vida Velha

Semana de 26 de dezembro de 2011 a 01 de janeiro de 2012

Nelson Rosas Ribeiro[i]

Já estamos em 2012, após a tradicional contagem regressiva e a entrada triunfal com direito a bebidas, comidas especiais, salvas de fogos, música, festas, etc.

Costuma-se dizer: Ano Novo... Vida Nova. Lamentavelmente, não é assim que podemos saudar o início de um novo movimento de rotação deste sofrido planeta que a inconsciência e a ganância teimam em destruir.

Do ponto de vista da economia, 2012 começa arrastando as mazelas herdadas do ano que terminou. Se 2011 foi mau, corremos o risco de ter um 2012 ainda pior. O pessimismo se espalha por todos os lados, e os analistas fazem previsões de estagnação na zona do euro, de crescimento do PIB dos EUA abaixo de 1,8%, que é o esperado para 2011, paralisação do Japão, queda no dinamismo dos emergentes, inclusive da China, onde a indústria apresentou uma contração em novembro passado.

Além da desaceleração, a economia chinesa vem enfrentando violentos movimentos grevistas onde os operários reivindicam maiores salários e melhores condições de trabalho. Por seu lado, o governo começa a tomar medidas restritivas ao capital estrangeiro reduzindo as vantagens até agora concedidas como, por exemplo, os baixos impostos e bons financiamentos.

Os países da zona do euro continuam a comandar a crise e, enquanto são tomadas medidas para salvar a moeda única, o sistema financeiro, silenciosamente, continua a construir cenários alternativos. Enquanto isso, a situação social se agrava, particularmente nos países mais vulneráveis, como Portugal, onde a desigualdade aumenta juntamente com o desemprego, diante das medidas de austeridade adotadas pelo novo governo, e na Espanha, onde o governo conservador recém-eleito já anunciou que não vai cumprir a meta do déficit fiscal prometida (4,4% do PIB em 2012).

Os grandes vilões do ano que passou continuam a ter sua sede em Wall Street e a amargar os prejuízos contabilizados. As maiores perdas ficaram com os bancos americanos. Só as ações do Bank of America tiveram uma queda de 58,3%. Mas não foram apenas os bancos americanos que perderam. Só três dos maiores bancos europeus, BNP Paribas, Société Générale e Crédit Agricole perderam US$ 67,268 bilhões em valor de mercado. E tudo isto apesar do apoio que têm recebido do Banco Central Europeu (BCE) que, na semana passada, fez uma mega operação de empréstimo que quase atingiu 500 bilhões de euros, com juros de 1%. O curioso é que boa parte deste dinheiro retornou a origem, pois a desconfiança nos mercados levou os mesmos bancos a depositá-los de volta no BCE em vez de realizarem operações de empréstimos.

Ao mesmo tempo em que despeja dinheiro facilmente nos bancos privados, o BCE resiste em comprar os títulos das dívidas soberanas dos países mais endividados, os PIIGS, fazendo as maiores exigências e impondo as mais duras restrições fiscais.

Como consequência desta situação, reduz-se o comércio mundial e os preços das commodities continuam em baixa, particularmente produtos como soja, milho, trigo, algodão e café, o que vem trazendo consequências para a balança comercial brasileira.

Por cá, o nacional patriotismo bateu palmas com a notícia de que o Brasil superou o Reino Unido roubando-lhe o posto de 6ª maior economia do mundo, tomando-se como critério o volume do Produto Interno Bruto (PIB). Na primeira linha dos entusiastas, como era de se esperar, estava o exagerado ministro Mantega, que acrescentou que, em 20 ou 30 anos, o país atingirá os níveis de desenvolvimento europeus. Na mesma Inglaterra, o Centro de Pesquisa para Economia e Negócios (CBER) também previu que a taxa de crescimento do PIB do Brasil, em 2012, ficará em torno de 2,5%, bem abaixo dos 4% do nosso ministro, enquanto a da Índia crescerá 6% e a da China, 7,6%.

Criticando a euforia, o comentarista Celso Ming comparou o PIB a uma caneca. Não interessa o tamanho da caneca, mas sim o que está dentro dela. Quanto ao conteúdo, basta verificar que o PIB per capta da Inglaterra é 3 vezes maior que o do Brasil. Isto para não falar na qualidade da educação, saúde, distribuição de renda, etc.



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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