quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Retomada, quando?


Semana de 22 a 28 de outubro de 2012


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]




            Quando, em 2008, no Brasil se falava em “marolinha”, o conjunto das sete economias mais desenvolvidas do mundo apresentava uma redução de 0,3% no PIB. Em 2012, agora com todos atingidos pelo tsunami, espera-se que o PIB dos países avançados não cresça mais do que 1,4% e o do Brasil, menos de 1,5%. Apesar da situação não estar tão ruim quanto no início da crise, não podemos falar em recuperação mundial e, muito menos, em recuperação brasileira.
            Vamos começar pela Europa, cujo crescimento, apesar das intensas e controversas medidas de política econômica, ainda não deslanchou. A fraca procura por mercadorias, o desemprego elevado e a impagável dívida de alguns países mostram que a recessão, na Zona do Euro, se aprofunda. As atividades industriais e de serviços, em outubro, reduziram-se ao mais baixo ritmo de crescimento desde junho de 2009. Para piorar, os empresários do setor manufatureiro reduziram suas expectativas de crescimento, visto que houve uma contração na atividade também nos EUA e na Ásia.
            Mesmo a maior economia do Bloco, a Alemanha, desacelerou, mas foi ultrapassada pela França, país que sofreu uma queda na produção ainda maior. A Bélgica, onde a Ford anunciou o fechamento de uma fábrica, demitindo 4.500 trabalhadores, também sofreu uma baixa. Já a Espanha, que viu o desemprego em seu território ir acima dos 25%, teve uma retração no PIB do 3° trimestre de 2012 de 1,7%, quando comparado com o mesmo período de 2011. A situação chegou a tal ponto que resolveram criar o “Bad Bank”, que reunirá vários ativos “tóxicos” de instituições financeiras. O problema, porém, é operacionalizar esta brilhante ideia, pois quem se responsabilizará por ele?
            O Japão, por sua vez, como se não bastassem os problemas econômicos que já atingem a Ásia, arrumou outro: o problema diplomático causado pela compra de uma parte das ilhas que formam um arquipélago no Mar da China Oriental. Há anos, Taiwan, China e Japão travam uma disputa pela soberania do território. Não é por menos: estima-se que existam entre 1 e 2 trilhões de pés cúbicos de gás natural e até 100 bilhões de barris de petróleo na região. Com a aquisição da ilha, pelos japoneses, por R$ 52 milhões, os chineses decidiram boicotar as empresas nipônicas. O resultado é uma possível perda de 0,8% no crescimento do PIB do Japão em 2012, só por causa disto.
            Para completar o quadro internacional, as empresas estadunidenses apresentaram fracos resultados trimestrais. Desde 2009, havia uma tendência de fraco crescimento. Mas, apesar de ainda haver crescimento, segundo a Thomson Reuters, espera-se que ocorra uma queda de 1,8% no lucro das maiores empresas do país no terceiro trimestre de 2012.
            Com o mundo apresentando tais indicadores, é natural que o fluxo internacional de capitais diminua. Em relação ao primeiro semestre de 2011, a queda, nos seis primeiros meses de 2012, foi de 8%, uma cifra de US$ 668 bilhões. A China, porém, ultrapassou os EUA como maior receptor, com US$ 59,1 bi contra US$ 57,4 bi dos americanos.
            No Brasil, a situação não é muito diferente. Apesar de ter tido um fluxo positivo de Investimento Estrangeiro Direto no acumulado de 2012, a economia do país ainda não decolou. Isto se reflete nos três maiores bancos privados que atuam por aqui. Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, juntos, apresentaram um lucro líquido, no terceiro trimestre, 8,8% inferior ao mesmo período de 2011, ganhando apenas R$ 6,82 bilhões em três meses. As causas foram os atrasos nos pagamentos de empréstimos e a redução da expansão do crédito. A esperança é de que, no fim do ano, com as compras natalinas, isto não se repita.
            Em meio a este cenário, o Ministro Mantega escancarou o que todos já sabem: arrancou um pé (o câmbio flutuante) do tripé macroeconômico, ou seja, sempre que o dólar se aproximar de R$2,00, o governo intervirá para que ele suba. Todavia, segundo Delfim Netto, “O câmbio flexível nunca existiu. É uma ideia de economistas”.
            A Fecomercio, por outro lado, pede maiores desonerações fiscais, especialmente a redução generalizada do IPI. O governo manteve esta redução para os automóveis até o fim do ano. Este incentivo foi um dos principais motivos para a moderada melhora nas encomendas de aço brasileiro, já que os setores de construção civil e bens de capital não estão respondendo aos estímulos.
            Como um todo, há uma expectativa de melhora por parte da indústria, porém, diante dos fatos, a CNI afirma: “é cedo para falar em retomada”.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)
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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Efeito ressaca do IPI


Semana de 15 a 21 de outubro de 2012


Eric Gil Dantas [i]




A economia capitalista funciona em ciclos. Esta afirmação poderia ser bastante polêmica se fosse colocada há décadas atrás. No entanto, hoje, ninguém pode esconder esta tendência, já que estamos vivendo em meio a uma grande crise econômica mundial. Há altos e baixos, e nenhum governo mudará isto.
Em artigos anteriores, já falamos que as isenções do IPI dadas pelo governo a diversos setores da economia não seriam suficientes para salvar o Brasil da crise. Agora chegou o momento de verificarmos isto na prática.
No mês de setembro, a venda de carros caiu 31,5% em relação ao mês anterior. Para Fabio Ramos, da Quest Investimentos, os estímulos concedidos pelo governo à economia “vão cobrar seu preço” neste quarto trimestre. Ele explica que “a expansão será menor, não porque o governo vai remover o IPI, mas sim porque, quando os preços foram reduzidos com um prazo determinado, a demanda foi ‘empurrada’ para o terceiro trimestre”. Este movimento está sendo chamado de “efeito ressaca” do IPI. A queda nas vendas é preocupante para a economia em geral, pois o setor automobilístico representa, diretamente, cerca de 30% das vendas no varejo e 13% da produção industrial do país.
Além da queda na produção e nas vendas, o “efeito ressaca” inclui o aumento do endividamento das famílias. Estimuladas pela redução dos impostos, também para outros bens duráveis, elas correram para aproveitar a ocasião, agravando a situação.
Mas, há outros setores sofrendo com a crise. O de mineração, por exemplo. Este ano, a Vale já planeja reduzir a remuneração dos seus acionistas a 66% do ano anterior e, em 2013, provavelmente será pior. Isto decorre da queda nos preços dos minérios. Para se ter uma ideia, em 2011, o minério de ferro foi vendido em média por U$136 a tonelada. Em 2012, a média deverá ser em torno de U$75. Em relação ao aço, a Vale interrompeu a produção em três das dez usinas de pelotização. Philip Hopwood, líder para o setor de mineração da Deloitte, disse que as mineradoras já estão sofrendo com margens pequenas e, por isso, buscam redução de custos.
A China é apontada como a grande responsável pelos problemas do setor. Com a queda da sua demanda, o volume de minério de ferro exportado para lá caiu 1,68%. A queda da demanda chinesa pelo petróleo foi ainda pior: atingiu 15,37%.
Mesmo com esta retração da demanda, os economistas conservadores, supostamente preocupados com uma possível inflação, intensificam as suas críticas ao corte da taxa básica de juros pelo Banco Central do Brasil. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, já declarou, no editorial de sua revista “Conjuntura Econômica”, que, em pouco tempo, as taxas de juros deverão subir para conter a inflação. Já o Armínio Fraga, ex-presidente do BC e agora principal acionista da Gávea Investimentos, em entrevista à Folha de São Paulo, endossou o discurso, dizendo que “mais um corte neste momento requer uma explicação do Banco Central”.
No Velho Continente, as coisas ainda continuam complicadas. Portugal já anunciou fortes aumentos de impostos e cortes de gastos no orçamento de 2013, o que fará a população sofrer ainda mais para garantir as condições impostas para o resgate de €78 bilhões. A situação chegou ao ponto do megainvestidor George Soros, presidente da Soros Fund Management, dizer que a solução da crise europeia era a Alemanha deixar a Zona do Euro.
            A curiosidade da semana ficou para o Prêmio Nobel de Economia. Este nada teve a ver com o tema da grande crise econômica mundial, com os inúmeros protestos diários de massas, os suicídios em locais públicos, as taxas de desemprego que chegam a 25%. O Nobel (para variar) dado aos estadunidenses Alvin Roth e Lloyd Shapley foi atribuído por um trabalho que serviu de base teórica para eventos que visam facilitar a escolha de um par amoroso, ou para a distribuição de vagas em escolas de ensino médio. Além disto, para vergonha dos economistas, Shapley declarou-se surpreso: “Eu me considero um matemático, e o prêmio é de economia. [...] Nunca, nunca na minha vida fiz um curso de economia.”


[i] Economista e pesquisador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

“Risco alarmante” de recessão mundial


Semana de 08 a 14 de outubro de 2012


Nelson Rosas Ribeiro[i]



A afirmação é do Fundo Monetário Internacional (FMI), que divulgou o seu relatório “Panorama Econômico Mundial”. Neste relatório o FMI alerta para o “risco crescente e alarmante de uma desaceleração mais forte da atividade global” e passa a revisar para baixo as estimativas das taxas de crescimento da economia mundial, de 3,9%, para 3,6%. Para o Brasil, esta revisão foi, de 2,5%, para 1,5%. Além disso, o Fundo teme que os países da União Europeia (UE) não consigam superar o que chama de “abismo fiscal”.
O Banco Mundial (BM) também divulgou sua visão igualmente pessimista. Para a Ásia e Pacífico, as taxas de crescimento do PIB para este ano foram reduzidas, de 7,6%, para 7,2%. Para a China, de 8,2%, para 7,7%. O BM confirma a desaceleração das economias da área e teme uma “freada mais profunda da China”.
A terceira organização internacional a divulgar suas estimativas para os 34 países membros foi a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), através de seu Índice de indicadores antecedentes. Entre julho e agosto, o índice, para todos os países, caiu, de 100,2, para 100,1 e, para a zona do euro, de 99,5, para 99,4.
Mas, não apenas as grandes instituições internacionais divulgaram perspectivas negativas. O índice de acompanhamento Brookings Institution-Financial Times mostrou uma séria ameaça de recaída em recessão global. O índice Tiger (Traking Indices for the Global Economic Recovery) mostrou uma queda no ritmo da economia global. Segundo o Professor Eswar Prasad, do Brookings Institution, “a economia mundial pode em breve ir à lona”.
Neste clima, ocorreu, no fim de semana passada, em Tóquio, a reunião anual do FMI e do BM, sem a presença dos representantes das instituições financeiras da China. A ausência foi um protesto dos chineses por causa da disputa territorial que envolve os dois países. Aliás, este boicote já atingiu as importações do Japão, o que causou grandes prejuízos às empresas montadoras japoneses. Em outubro, comparado a setembro, as vendas despencaram em 48,9% na Toyota, 35,3% na Nissan, 63% na Mitsubishi e 36% na Mazda. O JP Morgan calcula que, entre outubro e dezembro, as exportações japonesas para a China cairão 70%. O FMI já demonstra preocupação com as consequências para o comércio mundial e alertou os dois países da necessidade urgente de encontrar uma solução para o conflito.
Mas, há quem continue a apostar na deterioração geral das economias: o “Mercado financeiro”. Agora a moda é tratar a especulação com uma linguagem gourmet. Fala-se no banquete, no apetite para degustar iguarias com mais ou menos pimenta e temperos e no apetite por títulos de alto risco, mas que prometem altos rendimentos ou “high yields”, como fica mais elegante dizer. Excitados com o apetite do mercado, instituições como o BB Securities, Bradesco BBI, SBTG Pactual, Deustche Bank, HSBC e Itaú BBA afiam as garras para intermediar o lançamento dos títulos de alto risco que a construtora brasileira OAS pretende fazer (US$ 300 a US$ 500 milhões) e que oferecem rendimentos de 9% ao ano. Estima-se que os lançamentos deste tipo, na América Latina, já atingem os US$ 3,34 bilhões. Esquecidos dos estouros dos últimos anos ou convencidos que, nos casos negativos, os solícitos BCs vêm imediatamente em socorro dos acidentados, os “investidores” atiram-se vorazmente também aos títulos das dívidas soberanas dos países falidos, seguindo os mesmos critérios. E ficam na torcida que uma agência de classificação de riscos qualquer baixe as classificações dos países como é o caso atual da Espanha, que foi rebaixada pela Standard & Poor’s, de BBB+ para BBB-, o último degrau antes do nível “junk” (lixo). O resultado é que, enquanto a Alemanha paga por seus títulos um yield de 0,61%, os espanhóis terão de pagar 5,81% de yield, ganhando dos italianos, que pagam 5,10% por papeis semelhantes.
            Enquanto isso, por cá, o BC continua a luta para impedir a valorização do real, intervindo no mercado de câmbio e baixando a taxa Selic, de 7,5%, para 7,25%. A recuperação da indústria se arrasta, e o volume das contratações não aumenta. E o pior de tudo é que, além disso, é preciso controlar a inflação e forçar a retomada do crescimento.


[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Recuperação?


Semana de 01 a 07 de outubro de 2012


Rosângela Palhano Ramalho[i]



            Caro leitor, é de conhecimento comum que a crise econômica produz vencedores e perdedores. Enquanto a grande maioria da população torce para que a saída da crise aconteça o mais rápido possível, “investidores” do mundo inteiro torcem pelo afundamento da economia espanhola. O possível rebaixamento pela Moody´s dos papéis da Espanha para o conceito junk, que os classificaria como de alto risco e, por isso, de alto rendimento, gera grande expectativa no “mercado”. Todos (os que ganham com a desgraça alheia) estão torcendo para que o “mercado”, que movimenta € 250 bilhões na Europa, seja impulsionando e se torne semelhante ao dos Estados Unidos, que gira US$ 1,2 trilhão.
            Por outro lado, economistas e governos continuam na expectativa de como e quando se dará a recuperação econômica. Será em U, V, W, L? O fato é que alarmes falsos soam a todo o momento. Os EUA já anunciaram várias vezes a sua recuperação considerando a melhora das estatísticas e várias vezes tiveram que desmenti-la.
Aqui no Brasil, desde a semana passada, chovem informações afirmando que a nossa recuperação começou. Esta, pelo menos, é a visão da maioria, inclusive a do governo. O avanço de 1,5% da produção industrial, de julho para agosto, é o melhor resultado, desde maio do ano passado, segundo o IBGE. Vinte dos vinte e sete segmentos industriais pesquisados aumentaram suas atividades no período. Conforme André Luiz Macedo, gerente da coordenação da indústria do IBGE, há setores com estoques elevados, outros com exportações em queda e com dificuldades diante da competição com os importados.
            Outro fato deve ser levado em consideração: a melhor performance aconteceu no setor automotivo que cresceu 3,3%, com a perspectiva do fim da redução do IPI, em agosto. Mas a informação mais atual que temos do setor dá conta de que as vendas de carros despencaram, em setembro, caindo 31,5%, comparadas a agosto. As vendas de caminhões, segundo a Fenabrave, continuaram caindo. Na comparação com agosto, a queda foi de 25,5%. Já as vendas de ônibus, caíram 36,8%, na mesma comparação.
            Outro dado (já de setembro), que não reforça o cenário de recuperação propagado por muitos, vem da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo o órgão, o nível de estoques da indústria, em setembro, ficou praticamente estável, em relação a agosto, ou seja, o nível de estoques permanece alto. Mesmo assim, os empresários estão mais “confiantes”. O Índice de Confiança da Indústria, também apurado pela FGV, cresceu 0,9%, entre agosto e setembro.
            Mas, para nós, a informação mais relevante vem do setor de bens de capital que cresceu apenas 0,3%, em agosto. Este é um sinal de que os investimentos não estão se recuperando. De fato, a produção de máquinas e equipamentos encolheu 2,6% no período. Mesmo assim, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acredita na “recuperação gradual”. Segundo ele, “Deixamos para trás o período de crescimento fraco, agora o crescimento começa a acelerar e vai nessa direção até o fim do ano.” O ministro também afirmou que os analistas que esperavam um crescimento maior, entre 1,6% e 2,6%, projetaram “mal”.
            Sinalizando insegurança em relação às estatísticas publicadas, o governo planeja aumentar a taxa de investimento da economia em 10%, no próximo ano, o que elevaria o estoque para próximo de 20% do PIB. A taxa de investimento real vem caindo, desde o segundo trimestre de 2010. Até o início de 2013, novas medidas serão anunciadas, para a redução dos custos de produção através da unificação da Cofins e do PIS e da unificação, em 4%, da alíquota interestadual do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços As desonerações de impostos continuarão e se tornarão permanentes para o setor de bens de capital. A depreciação acelerada desses bens poderá ser estendida até 2013.
            Como vimos, a passagem da crise para a fase de recuperação não é tão simples assim. Muito se comemora, mas o crescimento de apenas 0,2% e 0,4%, no primeiro e segundo trimestre deste ano, nos pede cautela. E mais cautela ainda quando olhamos para a queda da indústria, de 2,5%, no segundo trimestre. É óbvio que, como economistas e brasileiros que somos, torcemos por uma recuperação rápida e breve. Mas o 1,5% do crescimento industrial de agosto não permite que afirmemos que já estamos na fase de reanimação do ciclo econômico. Por esta razão termino esta análise com uma dúvida.
            Recuperação?


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O chamado “capital fictício”


Semana de 24 a 30 de setembro de 2012


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]




            Para entender melhor a crise, vamos recorrer a um conceito criado por um autor que, até 2007, foi considerado ultrapassado, mas, com a crise econômica, se tornou atual. Segundo Karl Marx, capital é “o valor em progressão”, aquele que tem como “objetivo de vida” a sua auto expansão. Isto é possível graças ao trabalhador, que, numa jornada de trabalho, produz mais riqueza do que aquela que foi gasta com ele, como salário. Esta é a mais-valia, que é extraída dos trabalhadores no processo de produção. Porém, para crescer, o capital, além da forma produtiva, tem que assumir as formas dinheiro, para a compra da fábrica e a contratação dos trabalhadores, e a forma mercadoria, que é resultado da produção e deve ser vendida para a obtenção de lucro. Esta é a base da valorização do capital.
            O problema é que, junto com esta forma de crescer, surgiram outras que pouco, ou nada, têm a ver com a criação de riqueza. Em 1894, numa nota de página no Livro 3 de O Capital, Engels já alertara para as “sociedades financeiras” que operavam na Bolsa de Londres, ao afirmar que o capital das empresas havia se multiplicado duas ou três vezes, apenas com a especulação de títulos.
            Segundo o dicionário financeiro, títulos “são papéis vendidos pelos governos ou empresas ao mercado financeiro para obter recursos financeiros. Um título é como se fosse um contrato de empréstimo no qual o tomador do recurso faz uma promessa de pagamento, à ordem da importância emprestada, acrescida de juros convencionais (estipulados no contrato), caso este título seja prefixado, e dos juros mais correção monetária, caso seja pós-fixado”. As empresas emitem vários tipos de títulos (com as mais diferentes nomenclaturas) para arrecadar recursos que serão destinados à ampliação da produção. Neste caso, o título representa capital. Porém, nada obriga o portador a permanecer com ele. Pelo contrário, existem vários tipos de mercados secundários, onde os papéis são negociados com terceiros, quartos, quintos, etc. antes do pagamento dos juros combinados, e por um valor diferente do inicial. Nestes casos, por pura especulação, quando o valor recebido pelo título é superior ao valor pago inicialmente, ou seja, quando o valor se expande na compra e venda de papéis, e não pelo recebimento de parte da mais-valia (juros), surge o capital fictício.
            Se, com o título de uma empresa, há motivos para desconfiar desta valorização fictícia, o que pensar dos papéis emitidos pelos Estados? Os títulos públicos, em sua maioria, não são emitidos para captação de recursos para produção de excedente. Estes, a partida, são capitais fictícios, que pagam juros aos seus proprietários, com os tributos da nação.
            Mas, o que faria os agentes econômicos cometerem tais loucuras? Por incrível que pareça, esta é uma resposta gastronômica: o “apetite por risco” do mercado. Quando o mercado perde o apetite, há aversão ao risco, diminui a especulação e há uma corrida para os ativos mais seguros, como ocorreu com as commodities em 2010, quando os EUA fizeram o segundo afrouxamento monetário. Quando o apetite cresce, aumenta a especulação. Um grupo de investidores está com água na boca, à espera do rebaixamento dos títulos espanhóis ao status de “junk”, que tem alto risco de calote, mas, alto rendimento.
            Que delícia!
            O dinheiro destinado a esta atividade vem de várias fontes: das reservas das empresas, do setor bancário, das pessoas físicas, dos fundos de investimento, dos fundos de pensão, etc. Por exemplo, a Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) tem um patrimônio de R$ 153,5 bi, sendo sua carteira de ações de R$ 90 bi. As políticas monetárias expansionistas também têm contribuído com trilhões de dólares para alimentar esta especulação.
            Aqui no Brasil, o “mercado” anda reclamando, pois o governo não está dando sinais claros sobre a condução das políticas econômicas, e isto pode se tornar um problema. Referindo-se às medidas de estímulo econômico, Nogueira Batista, do IBGC, disse que “O governo e as agências reguladoras precisam aprender a se comportar”, pois, “Tudo o que o governo fala tem poder direto sobre as ações, gerando ou destruindo valor”. Veja-se, por exemplo, as perdas superiores a 40% no Ibovespa, de algumas empresas energéticas, após declarações do governo. É aquela história, “a notícia é tão ruim que perdi até a fome”.
            Se os “investidores” soubessem tudo o que o governo irá fazer no futuro, eles não teriam surpresa e poderiam aplicar seu dinheiro onde fosse mais vantajoso para eles: títulos públicos ou especulação.
            Coitados dos “investidores”! Apesar de destinar 43% do orçamento ao pagamento de juros e amortização da dívida pública, o governo é muito mau com eles.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)
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