quarta-feira, 27 de março de 2013

Chipre? Que Chipre?


Semana de 18 a 24 de março de 2013


Rosângela Palhano Ramalho[i]



            A situação econômica mundial continua instável. Enquanto os Estados Unidos e o Japão estendem seus “afrouxamentos monetários”, a zona do euro amarga os números do quarto trimestre de 2012. A Eurostat confirmou o cenário recessivo em sete países – Grécia, Espanha, Itália, Chipre, Holanda, Portugal e Finlândia. A queda de 0,6% do PIB na eurozona, segundo analistas, representava o fundo do poço. Ou seja, pior que estava não ficaria. Será? Há duas semanas, as atenções estão voltadas para um novo problema, desta vez, em Chipre.
            Mas, Chipre? Que Chipre?
            Permitam-me apresentá-lo.
            O Chipre é uma pequena ilha encravada no Mar Mediterrâneo ao sul da Turquia. O país faz parte da zona do Euro desde 2008. Apesar de ter um pouco mais de um milhão de habitantes e um PIB anual de 18 bilhões de euros, a sua dívida pública representa 130% deste montante. Os ativos das instituições financeiras comportam 8% do PIB (a média europeia para estes ativos é de 3,5%) e os depósitos representam quase 8 vezes o valor do PIB.
            Todos estes números foram favorecidos pelo atraente setor bancário de Chipre. A ilha tem um regime fiscal leve quando comparado ao restante da Europa. O imposto de renda sobre a pessoa jurídica é de 10% (a média europeia situa-se entre 25% e 35%). Atualmente o país, além de ter pouco controle da origem dos capitais, é o principal destino do capital russo no exterior e o setor bancário oferece maiores taxas de remuneração que as praticadas nos outros países da zona do euro.
            Diante da falta de regulamentação e da pouca transparência do sistema bancário, os governos europeus suspeitam que atividades ilegais sejam praticadas e, inicialmente, ao manifestar-se a crise financeira, a União Europeia apresentou resistência em oferecer ajuda. A ameaça de falência bancária correu o mundo e a primeira medida do governo foi a de manter fechadas todas as agências, limitando os saques diários ao equivalente a R$ 260.
            Considerando as “grandes dimensões econômicas” do pequeno país (Chipre representa 0,2% do PIB da zona do euro) e as consequências da sua saída da zona, para os demais países europeus já debilitados, as autoridades mundiais e europeias, digam-se FMI e a cúpula da União Europeia, cuidaram em apresentar uma rápida solução para os problemas bancários cipriotas. Em acordo com o governo, resolveram atirar sobre os correntistas a metade do custo de recapitalização dos bancos estimado em € 12 bilhões. Para isto seria cobrado um imposto de 9,9% sobre os depósitos acima de € 100 mil e de 6,75% sobre os depósitos abaixo desse valor.
            O governo, que já havia cogitado pedir ajuda aos russos, enfrentou a oposição do Parlamento que rejeitou a solução proposta.
            Enquanto escrevo esta análise, a imprensa noticia que um novo um acordo foi firmado. Segundo as primeiras notícias, o maior banco do país vai ser salvo, mas, os depósitos acima de 100 mil euros sofrerão perdas de até 40%. O Banco Laiki, segundo maior do país, será fechado, com garantia para os pequenos correntistas e perda parcial para os depósitos acima dos 100 mil euros.
            O ajuste macroeconômico pelo qual deve passar o Chipre – controle do orçamento, reforma estrutural e privatizações – exige um financiamento de até 10 bilhões de euros dos quais o governo cipriota deve arcar com 5,8 bilhões e a eurozona e o FMI comprometem-se com o restante.
            Antes do acordo ser firmado, o Banco Mundial argumentava que era necessário reduzir a volatilidade e a incerteza dos “mercados”. Agora, o FMI acredita que as ações tomadas são suficientes para resgatar a confiança destes “mercados”.
            Com ares arrogantes, a troika (FMI, Banco Central Europeu e União Europeia), torna cada vez mais habitual o uso da austeridade para “garantir o crescimento”. Não sabem eles que o fato de terem altos salários, de pertencerem às nações mais ricas do mundo, e de estarem elegantemente vestidos, não os autoriza a discutir e impor soluções para os problemas dos outros, como se lhes tivesse sido conferidos toda a autoridade e o dinheiro do mundo. As mudanças de rumo da economia europeia e mundial estão longe das suas competências e atribuições.


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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terça-feira, 19 de março de 2013

A polêmica ata do COPOM


Semana de 11 a 17 de março de 2013


Eric Gil Dantas [i]


O debate dos últimos dias gira em torno da conturbada ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), divulgada no dia 14. Em seu parágrafo 28, a ata afirma “que a política monetária deva ser administrada com cautela”. Isto, claro, inquietou todo o sistema financeiro, que berrou por emergência no aumento da taxa de juros para combater a inflação, que se aproxima perigosamente do extremo da meta.
A inflação acumulada nos últimos 12 meses atingiu 6,15%, em janeiro, abaixo dos 6,22%, registrado no ano anterior. No entanto, isto foi o suficiente para a criminalização do discurso do Banco Central (BC) por parte de diversos economistas ligados aos grandes bancos, que veem na taxa de juros o único mecanismo de controle. O economista-chefe do BNP Paribas, Marcelo Carvalho, denominou a ata de “velha”, por ela ter sido escrita antes da divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA), de fevereiro, que veio acima do esperado pelo mercado e pelo BC (que estimava em 0,6%). As especulações dos economistas, já para a reunião de abril, ou maio, variam entre aumentos da SELIC, de 0,25% a 0,5%. O BC parece estar em uma situação bastante delicada. Apesar de a inflação estar acima do centro da meta, a economia não cresce. Como já dito em análises anteriores, o Brasil teve um crescimento do seu PIB de apenas 0,9%, em 2012, e em termos per capita, de 0,1%. Mas, como a fase atual ainda não parece ser de recuperação, a atuação do Banco Central, na aplicação de sua receita ortodoxa, torna-se difícil.
Para tentar salvar a economia, o governo expandiu mais uma vez seu pacote de isenções fiscais, esperando, assim, diminuir a inflação, estimular o consumo, e consequentemente, despertar o instinto dos empresários para os investimentos.
A medida provisória publicada na semana passada fez um corte geral de tributos dos seguintes produtos: carnes, peixes, café, açúcar, óleo de soja, manteiga, margarina, sabonete, pasta de dente e papel higiênico. Ao todo, o governo deverá abrir mão de R$ 5,5 bilhões em arrecadações, em 2013. Mas, como em casos anteriores, o repasse da isenção aos consumidores será apenas parcial. Para o Bradesco, a média deste repasse, para o preço comercial, deverá ficar próxima dos repasses das isenções de IPI de carros (84%) e da linha branca (40%).
Mas, vivemos em uma economia globalizada e, por isso, o Brasil apenas poderá livrar-se da crise em um movimento global. A retomada do crescimento internacional será assim, o porta-voz do final da crise econômica brasileira.
A China – principal parceira comercial do Brasil –, infelizmente, demonstra que a retomada ainda não é pra já. Sua produção industrial cresceu 9,9% entre janeiro e fevereiro, na comparação com o mesmo período de 2012. Apesar de parecer um resultado bastante positivo, isto representa uma desaceleração, ante o crescimento anualizado de 10,3%, em dezembro, e das previsões feitas por economistas, que eram de 10,5%. No varejo, o crescimento foi de 12,3%, no primeiro bimestre, em relação a um ano atrás, contra uma alta de 15,2%, em dezembro.
No Reino Unido, a queda da produção industrial foi de 1,2%, entre janeiro e dezembro, e de 2,9%, se comparado ao mesmo período de 2012. Já na zona do euro, esta queda foi de 1,3%, se comparada ao ano passado, e de 1,7%, se considerarmos os resultados de toda a União Europeia.
Para termos uma ideia, da precariedade da situação, lembramos que o PIB da zona do euro, hoje, está 3% abaixo do seu nível de antes da crise. Na Itália, a queda chega a 10%.
Nos EUA, os problemas dos próximos meses serão agravados pelos cortes automáticos de U$85,3 bilhões de gastos públicos, que entraram em vigor, em março, e pelo aumento de impostos definido na virada do ano, nas negociações que evitaram o chamado “abismo fiscal”. A tímida aceleração da economia estadunidense poderá ser prejudicada pelos cortes dos gastos públicos, que certamente serão sentidos.
A ainda frágil economia mundial impede a retomada do crescimento brasileiro. No entanto, as pressões do capital financeiro, pelo aumento da SELIC, também devem prejudicar esta retomada, tendo em vista que o aumento da taxa de juros pune os consumidores e onera os investimentos produtivos no país.


[i] Economista e mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPR; é pesquisador do ILAESE (Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos) e do Progeb (Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira) (progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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terça-feira, 12 de março de 2013

Qual a atual fase do Ciclo Econômico?


Semana de 04 a 10 de março de 2013


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]




            Os leitores mais assíduos não foram pegos de surpresa quando viram os números da atividade econômica brasileira, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como temos afirmado, já há algum tempo, a situação onde atualmente se encontra a economia brasileira e mundial não é de prosperidade.
            A fase em que estamos é chamada de depressão, que se caracteriza pela destruição de forças produtivas e redução/estagnação da atividade, não há novos investimentos, há uma tendência de queda nos salários, o consumo e a produção continuam a cair e há elevado grau de desemprego. Vamos aos fatos.
            Em 2012, o avanço da riqueza produzida pelo Brasil, representada pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), foi de 0,9%, quando comparamos com 2011. Quando comparamos os anos de 2010 e 2011, vemos que o crescimento foi de 2,7%, enquanto entre 2009 e 2010 foi de 7,5%. O resultado do ano passado ficou abaixo da média mundial, que foi de 3,2%, incluindo Japão (1,9%), EUA (2,2%) e os outros BRICS (Rússia 3,4%, Índia 5%, China 7,8% e África do Sul 2,5%).
Quando, para o Brasil, desagregamos por setores, vemos quais os responsáveis por tais cifras: o setor agropecuário caiu 2,3%, o setor industrial caiu 0,8%, enquanto os serviços cresceram 1,7%, entre 2011 e 2012. Além disso, sob a ótica da demanda, os investimentos caíram 4%, as exportações subiram 0,5% e as importações cresceram 0,2%. Com estes números podemos afirmar que boa parte das características desta fase do ciclo se manifestou no ano passado.
            Entretanto, alguns dados nos dão indícios de que estamos na fase de reanimação econômica, a qual se caracteriza por: aumento do consumo, estímulo à produção e aos investimentos, recuperação do crédito e redução do desemprego e das falências. Quando observamos o consumo final brasileiro e os dados do Caged (Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados), isto parece evidente: enquanto o consumo cresceu 3,1%, entre 2011 e 2012, (famílias 3,1% e governo 3,2%), o número de empregos criados foi de 1,3 milhões e o crescimento da massa salarial foi de 6,7%. Segundo um estudo da MB Associados, nos últimos dois anos, o consumo das famílias foi responsável por 89,6% do crescimento do PIB, o governo respondeu por 21,9%, a Formação Bruta de Capital Fixo contribuiu com míseros 2%, enquanto as importações corroeram 13,6% do produto brasileiro.
            As questões que se põem são: como tais números, aparentemente bons, corresponderam a resultados tão fracos para o PIB? E, por que os estímulos não se traduziram em crescimento acelerado, ou pelo menos no mesmo patamar da média mundial? As respostas disto estão nos dados da produção de industrial e das importações brasileiras.
            Com um peso de 50% na conta de Formação Bruta de Capital Fixo (que corresponde aos investimentos), a produção de máquinas e equipamentos recuou 9,1%, entre 2011 e o ano passado. A construção civil, que tem um peso de 44% nos investimentos, cresceu insuficientes 1,9%. O caso das importações se torna gritante quando analisamos os últimos quatro anos, quando começou a crise e, consequentemente, as medidas anticíclicas. O índice de quantum das compras externas, por setor, apresentou os seguintes crescimentos: bens de consumo não duráveis 51%, bens de consumo duráveis 54%, bens intermediários 47% e bens de capital 58%.
            Em parte, isto explica o porquê do consumo elevado e da produção baixa, características de duas fases distintas do ciclo. Os estímulos dados internamente foram, em sua maioria, exportados para mercados externos. Para se ter uma ideia, o percentual de produtos importados que satisfazem a demanda nacional subiu de 19,5% para 21,6%, entre 2011 e 2012. No mesmo período, o percentual de insumos importados utilizados na produção nacional subiu de 21,3% para 23,2%. Não é a toa que muitos analistas afirmam que este modelo, essencialmente baseado no consumo, não é viável.
            A situação está tão ruim que o Banco Central manteve a taxa básica de juros, Selic, em 7,25%, apesar do chororô do “mercado”. Segundo o comunicado, o cenário macroeconômico será crucial para a decisão a ser tomada na próxima reunião, em abril.
            Aguardemos...
            Mas adianto que estamos aquém de uma verdadeira retomada.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)
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quarta-feira, 6 de março de 2013

Novos obstáculos para a recuperação


Semana de 25 de fevereiro a 03 de março de 2013


Nelson Rosas Ribeiro[i]




Em análises anteriores, temos chamado a atenção para o aumento dos rumores de uma possível recuperação da economia mundial.
Esse processo não deixa de ser contraditório. Durante a semana passada, quatro acontecimentos internacionais foram aguardados com ansiedade: as eleições na Itália, a fala de Ben Bernanke, presidente do Fed (Banco Central dos EUA) no congresso americano, a decisão sobre a questão fiscal nos Estados Unidos e a escolha do presidente do Banco do Japão (BoJ). Estes acontecimentos representam fortes indicadores dos rumos que tomarão a economia mundial. Os resultados apenas confirmaram o agravamento da situação, embora dois deles tenham alegrado os especuladores financeiros. Em seu discurso, Ben Bernanke garantiu que o Fed continuará sua política de “afrouxamento monetário” e manterá a compra mensal de US$ 85 bilhões de títulos, injetando dinheiro na economia. No Japão, o novo presidente do BoJ prometeu entrar na onda mundial do dinheiro fácil, despejando ienes nos mercados e desvalorizando sua moeda. Convém lembrar que o Banco Central Europeu (BCE) já vinha comprando títulos da dívida soberana e sustentando as economias de países como Grécia, Espanha e Portugal e que, na “guerra cambial”, até o sisudo Banco Suíço havia decidido emitir francos para saciar a furiosa demanda especulativa sobre esta moeda. Observamos assim o agravamento da avalanche de papel moeda que ameaça soterrar a economia mundial o que trará consequências imprevisíveis.
Em relação aos outros acontecimentos, a questão fiscal dos EUA agravou-se diante do impasse entre republicanos e democratas e entrou em vigor o “sequestro fiscal” com os cortes impostos ao orçamento. Quanto às eleições italianas o resultado foi o pior possível e o país encontra-se à beira da ingovernabilidade. Nenhum partido obteve maioria que permitisse a formação de um novo governo e o partido mais votado foi o partido do protesto do comediante Beppe Grillo. De cada 10 italianos 9 se manifestaram contra as medidas de austeridade, o que representa uma forte ameaça à estabilidade da zona do euro.
No Brasil, a situação não é das melhores. A divulgação, pelo IBGE, dos dados do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), para 2012, mostrou, como era previsto, um crescimento do PIB de apenas 0,9%, em relação ao ano anterior. Esta taxa ridícula, que coloca o Brasil entre as piores economias do mundo, desmoralizou, uma vez mais, as previsões do ministro Mantega que estavam em torno dos 4,5%. Mas não foi só isto. Segundo o IBGE, a indústria encolheu 0,8% e os investimentos 4%. Até a agropecuária diminuiu 2,3%. Em sentido contrário, a inflação subiu para 5,8%, ficando acima do centro da meta que era de 4,5%. Enquanto isto, o consumo das famílias cresceu 3,1% e o do governo 3,2%. Como se vê, o crescimento do emprego e da renda que ocorreu no país, em 2012, foi dirigido para fora do país, estimulando as importações favorecidas pelo câmbio e prejudicando a indústria nacional.
Não é por acaso que o pessimismo aumentou entre os agentes econômicos. Três índices de confiança, apurados em fevereiro, para os consumidores, o comércio varejista e os serviços, mostraram uma queda no otimismo. Já se volta a falar em estagflação, termo que significa estagnação com inflação, quadro que desconcerta os economistas seguidores da teoria econômica oficial e põe o BC em um terrível dilema quanto à taxa básica Selic. Esta semana, na quarta feira, a reunião do Copom (Conselho de Política Monetária) deverá tomar uma decisão sobre esta taxa. Segundo a ideologia dominante, para combater a inflação, a Selic deveria ser elevada, mas, segundo a mesma ideologia, para combater a recessão, é preciso reduzi-la. Entre a cruz e a espada o BC, provavelmente manterá a taxa inalterada.
            Isto tudo acontece enquanto o governo anuncia um recorde na cobrança de impostos, para o mês de janeiro, e que já atingiu 24% da meta do superávit primário para todo o ano. Complica-se bastante a situação do governo Dilma em um ano pré-eleitoral o que tende a deteriorar o ambiente político.



[i] Professor Emérito da UFPB e Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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