quinta-feira, 2 de maio de 2013

E se a teoria for questionada, o que acontece na prática?


Semana de 22 a 28 de abril de 2013


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]




            Dois renomados economistas, da também renomada Universidade de Harvard, chegaram à seguinte conclusão no ano de 2010: quando a dívida pública de um país atinge um patamar, que representa 90% de tudo aquilo que a nação é capaz de produzir em um ano, há uma tendência à supressão da atividade econômica de tal monta que esta produção pode ser menor do que foi no ano anterior.
            Pois bem. A partir de dados históricos sobre 44 países de características distintas, nos últimos 200 anos, o estadunidense Kenneth Rogoff e a ex-cubana, agora também estadunidense, Carmen Reinhart, utilizaram uma série de instrumentos estatísticos e informáticos e publicaram seus resultados na American Economic Review e no National Bureau of Economic Research. Segundo os autores, nos países onde a razão da dívida pública pelo PIB atingiu um percentual de até 30%, a taxa de crescimento do PIB do respectivo país ficou entre 3% e 4%; quando a proporção situou-se entre 30% e 60%, a taxa de crescimento permaneceu entre 2% e 3%; nos países onde a razão dívida/PIB ficou entre 60% e 90%, o crescimento percentual foi entre 3% e 4%; porém, os países que apresentaram uma dívida equivalente a 90% ou mais do seu PIB anual, a taxa de crescimento foi próxima de zero, chegando a ser negativa (-0,1% em média).
            Durante anos, principalmente nos últimos três, estes resultados foram consagrados e se tornaram um “Santo Graal” da “teoria econômica oficial”, sendo citados por, pelo menos, 103 autores de livros, artigos, ensaios, etc. Serviram também como fio condutor para a ação fiscal (decisões de despesas e receitas) da maior parte dos governos dos principais países do mundo. Se, quanto maior o endividamento menor o crescimento, então os governos deveriam primar pela redução dos gastos e elevação das receitas. E esta foi a bandeira levantada, principalmente, pelos Estados europeus e pelos países que seguem o receituário neoliberal: austeridade custe o que custar. As consequências destas medidas podem ser vistas nos indicadores socioeconômicos e nas manifestações populares de países que seguiram a risca o modelo, tais como Grécia, Portugal e Espanha.
            O problema é que, um mero doutorando da Universidade de Massachusetts, chamado Thomas Herndon, resolveu fuçar o porquê de tantos outros economistas terem tentado replicar o mesmo instrumental usado por Rogoff e Reinhart sem obterem resultados semelhantes. Para isto, juntamente com Robert Pollin e Michael Ash, Herndon pegou os dados originais e refez todos os passos. Supreendentemente (ou não...), chegou-se à conclusão de que ocorreram erros no procedimento original.
            Baseando-se no texto publicado recentemente por Herndon, Tomas Rotta, da Carta Maior, afirma que “Rogoff e Reinhart, em bom português, usaram uma metodologia altamente duvidosa com exclusão seletiva de dados, manipulação injustificável dos pesos e, pior ainda, erro nos códigos das médias. Se corrigidos, os resultados apontam que países com relação dívida/PIB acima de 90% crescem em média 2,2% ao ano, e não -0,1%”.
            Diante deste “pequeno erro”, parece que os austeros governantes do velho continente estão começando a corrigir suas cartilhas e receitas de crescimento sustentado. O presidente da Espanha, país símbolo da crise na Europa, com uma taxa de desemprego de 27%, para toda população economicamente ativa, e 57% para os jovens, Mariano Rajoy, já iniciou as discussões acerca do orçamento de 2014 e 2015 defendendo a redução no arrocho. Para já, foi anunciado um pacote de estímulos que, em quase nada, lembra as políticas até agora praticadas. Em Portugal, apesar dos problemas criados por algumas empresas estatais, já houve o anúncio de um plano de estímulos fiscais à economia, onde o desemprego atinge 17% e a previsão para o PIB de 2013 é de queda de 2,3%.
            Não foi só o estudo que provocou as mudanças na política europeia. José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, admitiu que os países com os maiores arrochos são aqueles que têm os menores avanços fiscal e econômico. Até o FMI já vê com bons olhos o afrouxamento em tais medidas. Já é um consenso entre os economistas “não oficiais” que a austeridade por si só não garante o crescimento da atividade econômica. A teoria que sustentava isto já foi abalada.
            Agora a esperança é encontrar alguém que questione outro “Santo Graal” da “teoria econômica oficial”: de que o melhor (e único) remédio para a inflação é a taxa de juros.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)
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