Semana de 28 de outubro a 03 de novembro de 2013
Lucas Milanez de Lima Almeida[i]
Não é de hoje que chamamos a atenção do leitor para a santíssima trindade da “religião” defendida pelos três últimos governos Brasileiros, de FHC à Dilma: o regime de metas para a inflação, a geração de superávit primário e a flutuação do câmbio. Já falamos também que, apesar de parecer um tripé, esta política econômica só tem um pé o que nos levou a denominá-la de saci, onde o superávit orçamentário e a flutuação do câmbio estão em função da contenção da subida dos preços. Dentre os três sumo-pontífices que guiaram a “religião sacitânica” até aqui, o mais rebelde foi Dilma Rousseff. Assessorada por Guido Mantega, o líder dos cavaleiros templários, a presidenta resolveu reagir à crise econômica com algumas medidas nada ortodoxas para os padrões do “sacitanismo”.
Para começar, o limite máximo da inflação não é mais a meta central (de 4,5%), mas o teto de tolerância estabelecido pelo Banco Central (de 6,5%). Já a meta de superávit primário, economia feita para pagar os juros da dívida, no ano de 2012 só foi atingida por meio de subterfúgios contábeis. A expectativa é que este ano isto se repita, mesmo com os R$ 15 bilhões advindos do pré-sal e já prometidos ao capital financeiro.
Diante do rótulo de “presidente do pibinho”, Dilma tentou deixar seu legado ao se tornar a governante que reduziu a taxa de juros Selic para menos de dois dígitos. Não vai conseguir. É esperado que na próxima reunião do Copom os juros básicos saiam de 9,5% e voltem a 10% ao ano. No tocante ao câmbio, a presidente seguiu o receituário dos antecessores: a taxa deve flutuar de acordo com o que o BC acha adequado, executando uma flutuação suja, sem a “livre decisão do mercado”.
Como para todo pecado há uma punição, e nesta “religião” aqui se faz aqui se paga, em outubro duas “sacitaníssimas” inquisições se manifestaram: o FMI e a OCDE. Ambas teceram comentários negativos acerca da condução da política econômica, que não estava sendo religiosamente cumprida.
No relatório do FMI podemos encontrar passagens do tipo: “Em anos recentes, no entanto, tem havido uma crescente dependência em ganhos extraordinários e ‘ajustadores’ para alcançar a meta fiscal”; “Essas ações e políticas começaram a minar a credibilidade dessa estrutura” e “O início de um aperto monetário (alta da taxa Selic) decisivo é bem vindo”. Já a cartilha da OCDE pregava: "O BC deve continuar a apertar a política monetária [subir os juros] de maneira a poder levar a inflação de volta à meta de 4,5%, o que também ajudaria a conferir-lhe credibilidade" e "A clareza orçamentária deve ser reforçada, evitando-se as operações para-orçamentárias, as mudanças nas definições e isenções fiscais".
Em defesa da líder saiu outro cavaleiro, Arno Augustin, secretário do Tesouro Nacional: "Cada um vai ter sua opinião. Os organismos multilaterais não têm tido muita sorte com relação a alguns países que fizeram várias sugestões. Alguns países da Europa, de formal geral. O Brasil tem ido muito bem. Não tem sido alvo de volatilidade irracional". Quando questionado sobre a possibilidade da tal “contabilidade criativa” ser uma manobra política, visando 2014, o secretário respondeu: "Temos um trabalho técnico e colocamos nossa opinião sobre as variáveis da economia. O debate democrático, a gente respeita, mas evita participar dele".
Contraditoriamente, parece que é exatamente este debate democrático que está causando uma virada de 180º no “sacitanismo” à la Dilma. Temendo uma reviravolta política encabeçada por Marina Silva e Eduardo Campos, que têm a simpatia dos empresários e já falam em “sacitanismo” e agronegócio, a presidenta tratou de dobrar os joelhos e se render às pressões. Foi a impressão da colunista Angela Bittencourt, que soltou a frase: “E todos retornaram ao país sem qualquer arranhão e rezando a novena pelo mesmo terço”. Neste caso, todos é a legião de templários de Dilma, Guido Mantega, Alexandre Tombini, Fernando Pimentel e Luciano Coutinho, os quais foram com ela à Nova Iorque para convencer o empresariado internacional de que o clássico “sacitanismo” deve retornar.
O que pensar, quando os interesses privados, principalmente de capitais internacionais, se sobrepõe àquilo que era considerado melhor para o país? Nada melhor para definir tal situação do que a afirmação da referida colunista: “Os mercados caminham lado a lado com as autoridades monetárias numa relação de mútua dependência que às vezes causa estranheza no governo”
E a nós? Bota estranheza nisso!
[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)
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