quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A culpa é dos emergentes



Semana de 17 a 23 de fevereiro de 2014


Nelson Rosas Ribeiro[i]

Em janeiro, pela primeira vez, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) apresentaram perspectivas otimistas para a economia mundial, considerando que havia uma tendência para a volta à normalidade. No entanto, tem havido certo esfriamento nestas previsões. As estimativas de crescimento de 4,5% para o comércio mundial, feitas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), consideradas moderadas, também estão se deteriorando e já há quem estime esta taxa em 3%. O Federal Reserve (Fed), banco central americano, embora mantendo o “tapering” (redução das compras de títulos a um ritmo de US$ 10 bilhões em cada reunião), continua cauteloso quanto à elevação das taxas de juros e reluta em iniciá-la durante este ano com receio de abortar a recuperação. E, mais uma vez, os países emergentes foram apontados pelo Fed como os grandes vilões. O fraco crescimento do Japão no último trimestre de 2013, com uma taxa anualizada de 1% decepcionou os analistas que esperavam 2,8%. Os resultados da abenomic (política do ministro Abe Shinzo) começaram a serem postos em cheque. Também a China não vem apresentando resultados satisfatórios.
A fragilidade da situação é explicitada nas declarações de Hung Tran, diretor executivo do Instituto Internacional de Finanças (IIF). Segundo ele, em um “ano de ansiedade” a recuperação da economia mundial se dá em um cenário “lentamente acidentado” e a América Latina é a zona mais vulnerável, com uma previsão de crescimento de 2,2% para toda a região. Segundo o IIF, Brasil, Venezuela e Argentina são os países mais críticos. Para o Brasil, em particular, a estimativa de crescimento foi reduzida de 1,8%, para 1,4%, em 2014.
Na Europa o banco Société Générale também está pessimista em relação aos emergentes. Coloca a China, Índia, Indonésia e Rússia como os países mais arriscados, seguidos pelo Brasil, Turquia, Tailândia e Malásia. Segundo o banco, os problemas destes países são causados pelo desgaste dos seus modelos de crescimento, em virtude da desaceleração mundial e da China, da queda dos preços das commodities e da elevação dos custos da mão de obra.
Como se tudo isto não fosse suficiente, a situação da economia brasileira, que já vinha desacelerando no terceiro trimestre de 2013, agravou-se no último trimestre e no começo de 2014. Em dezembro, a produção industrial caiu 3,5% e o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) foi negativo em 1,35%. O pessimismo dos empresários vem aumentando e tem sido expresso em várias declarações como a do diretor-secretário da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Pastoriza, que lamenta a queda de 5,7% no faturamento das empresas do ramo, em 2013 e fala em “desindustrialização silenciosa”, com a substituição dos produtos nacionais pelos importados. No setor financeiro, diversos bancos também estão revisando suas estimativas para o crescimento do PIB deste ano para valores em torno de 1,5%. Em fevereiro, as montadoras apresentaram desaceleração nas vendas e duas delas (PSA Peugeot Citroen e Volkswagen) suspenderam contratos de trabalhadores, reduzindo a produção.
Apesar destes sinais negativos de desaceleração, o governo, pressionado pelas agências de classificação de riscos que ameaçam rebaixar a nota do Brasil, através do ministro Mantega, anunciou seu plano de austeridade para o combate à inflação, tão ansiosamente aguardado pelo “mercado”. A meta do superávit primário foi estabelecida em 1,9% do PIB, o que significa um contingenciamento de R$ 44 bilhões nas despesas e a taxa de crescimento do PIB foi estimada em 2,5%, considerada mais realista pelo “mercado”, bem abaixo dos 4% propostos no orçamento.
E vem aí a reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) desesperado diante do impasse que lhe é imposto pela sua ideologia econômica: para combater a inflação deve elevar os juros; mas para combater a desaceleração, deve reduzir os juros.
Eis a stagflação que está de volta e para ela a teoria econômica oficial não tem explicação.


[i] Professor Emérito da UFPB e Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Os vulneráveis



Semana de 10 a 16 de fevereiro de 2014


Rosângela Palhano Ramalho[i]

            Em agosto de 2013, esta coluna anunciou que as revisões para baixo nas previsões de crescimento do PIB dos emergentes determinaram o fim do prestígio deste grupo de países frente à sua participação na elevação do crescimento mundial. E 2014 chegou para selar o destino dos emergentes. O “tapering” do Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA, está, conforme o esperado, gerando problemas financeiros em diversos países do mundo, estimulados principalmente pelas especulações realizadas no mercado cambial.
            Brasil, Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia, agora reunidos em um grupo batizado de BIITS sendo os mais afetados pela decisão norte-americana de reduzir os estímulos monetários, são agora enquadrados como frágeis, vulneráveis. Suas vulnerabilidades estão resumidas num indicador construído pelo Fed e calculado para uma amostra de 15 economias emergentes. O índice de vulnerabilidade apurado se correlaciona com as persistentes desvalorizações cambiais dos países estudados. A conclusão faz parte de um relatório divulgado pela equipe gestora do Fed, na pessoa de sua nova presidente, Janet Yellen. Neste relatório o Brasil aparece como o segundo mais vulnerável do BIITS, perdendo apenas para a Turquia.
            As conclusões do tal relatório causou um mal-estar tão grande na equipe econômica brasileira, que a direção do Banco Central entrou em contato com o Fed para esclarecer que esta posição sobre o Brasil está defasada. Os próprios “investidores”, segundo o governo, admitem as diferenças entre os emergentes, e em especial, entre o Brasil e a Turquia. A equipe econômica, que no Fórum Econômico Mundial em Davos, já havia rejeitado a “crise da meia-idade” dos emergentes, rejeita também esta comparação. Afirma que o Brasil está muito à frente da Turquia quanto se consideram os aumentos sucessivos nas taxas de juros e o montante de reservas cambiais (US$ 370 bilhões) que são, segundo o governo, mais que suficientes para atravessar as turbulências financeiras.
            Além da contestação oficial, destacaram-se as declarações de economistas renomados que passaram também a rejeitar a ideia da crise generalizada nos emergentes e de comparação entre eles. Murilo Portugal, por exemplo, classificou de “totalmente absurda a comparação do Brasil com a Turquia” e Delfim Netto chamou de “paranoia absurda” as conclusões do relatório do Fed.
            Não precisamos ser economistas renomados para perceber que a contaminação pela desvalorização cambial seria uma das consequências da decisão do banco central americano e que os emergentes deveriam ajustar suas políticas internas à nova situação, sendo obrigados a elevarem a taxa de juros para defender as suas moedas. Mesmo assim, o futuro dos emergentes parece muito mais agradável. Segundo o FMI, os países emergentes cresceram 4,7% em 2013 e crescerão 5,1% em 2014, enquanto que o mundo desenvolvido cresceu 1,3% em 2013 e crescerá 2,2% em 2014.
            À espera de melhores dias para todos, o presidente do Banco Central indiano, Raghuram Rajan, ainda em Davos, clamou de forma ingênua: “Os países industrializados têm de desempenhar um papel na restauração (da cooperação mundial) e a essa altura não podem simplesmente lavar as mãos e dizer que farão o que precisam fazer e os outros que se ajustem.”
            Em contrapartida, esta semana, na primeira sabatina frente ao Congresso americano, a presidente do Fed, limitou-se a dizer que o banco central persegue a estabilidade de preços e o máximo emprego e garantiu que a política americana seguirá o curso prometido a não ser por uma piora dos indicadores americanos, é claro. Ainda segundo Yellen, as vulnerabilidades dos BIITS, não são reflexos apenas das reduções das compras de ativos do Fed, mas sim de uma série de outros fatores intrínsecos a estas economias.
            De forma clara a resposta ao clamor de Rajan foi dada: cada um que trate de domar a sua crise. O curioso é que quando os Estados Unidos tomam decisões que afetam os outros, é só uma questão de defesa interna. Mas quando os “vulneráveis” se defendem são acusados de intervencionistas extremos que comprometem os ajustes necessários e que impedem o melhor funcionamento da economia.
            Será apenas uma questão de ponto de vista?


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Saíram os dados sobre a produção industrial, e aí?



Semana de 03 a 09 de fevereiro de 2014


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]

            Na semana passada, esta coluna destacou a repercussão das ações do Federal Reserve, banco central dos EUA, sobre a economia mundial. Agora é a vez de olharmos para a atividade produtiva do nosso país, a partir dos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
            Apesar do recorde de vendas de colheitadeiras, em todo o ano de 2013, estimuladas pelos subsídios do BNDES, em janeiro de 2014, as montadoras venderam 28,87% a menos do que no mesmo mês do ano passado. No caso da comercialização de tratores, a queda foi ainda maior, apresentando vendas 31,05% menores na comparação entre o primeiro mês de 2014 e janeiro de 2013. Isto, porém, já era de se esperar. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI) diminuiu seus estímulos ao elevar os juros do financiamento de máquinas e equipamentos.
            Ao analisar a indústria de uma maneira geral, podemos afirmar que 2013 foi uma verdadeira montanha russa, pois, dos doze meses do ano, sete foram de crescimento e cinco de decrescimento, já com o ajuste sazonal.
            Temos uma ideia da amplitude das variações quando comparamos um mês com o imediatamente anterior. Em janeiro de 2013, a indústria cresceu 3,2%, mas em fevereiro caiu 2,9% e em março e abril subiu 0,8% e 1,5%, respectivamente. Nos três últimos meses daquele ano a coisa piorou de vez: o crescimento foi de 0,3% em outubro, mas em novembro e dezembro as quedas foram de 0,6% e 3,5%. Inclusive, a queda expressiva, no último mês de 2013, foi o pior resultado desde 2008, quando o país foi atingido pela crise econômica mundial conhecida como “marolinha”. O desempenho mensal foi tão ruim que o índice da produção industrial, medido pela Pesquisa Mensal da Indústria, regrediu a patamares de dezembro de 2009. Nem as piores previsões dos “melhores analistas do mercado” esperavam tal queda.
            Desagregando por categorias de uso, todos os setores da indústria apresentaram dados negativos em dezembro, em relação a novembro: Bens de Capital, queda de 11,6%, Bens Intermediários, -3,9%, Bens de Consumo Duráveis, -2,3% e Bens Semi e Não Duráveis, -2,3%. Quando comparamos o mês de dezembro de 2013 com o mesmo mês de 2012, apenas a indústria de Bens de Capital melhorou crescendo 1,8%.
            O resultado da brincadeira de sobe e desce da indústria brasileira, em 2013, foi um crescimento acumulado de 1,2%, em relação ao ano de 2012. Desagregando, vemos um resultado, no mínimo, curioso: apenas a indústria de Bens Semi e Não Duráveis (-0,5%) teve redução na produção de 2013, em relação a 2012. As indústrias de Bens de Capital (13,3%) e de Bens de Consumo Duráveis (0,7%) tiveram variação positiva, enquanto a indústria de Bens Intermediários ficou estável. Por sua vez, das 14 localidades pesquisadas, apenas Goiás (8,2%), Pernambuco (3,3%) e Pará (0,9%) apresentaram crescimento.
            De um total de 27 ramos pesquisados, 22 apresentaram retração na produção de dezembro, em relação a novembro de 2013. O pior setor foi o automobilístico que, dadas as “excessivas” férias coletivas concedidas aos funcionários, caiu 17,5%. Na mesma esteira seguiram os setores farmacêutico (-11,7%), máquinas e equipamentos (-6,2%) e refino de petróleo e produção de álcool (-4,3%).
            Ao observar tais dados e associá-los àqueles apresentados nas análises anteriores, em especial a pressão que o Banco Central do Brasil receberá do “mercado” para aumentar a taxa básica de juros da economia, não podemos esperar muito do ainda PIBinho brasileiro. A situação chegou a tal ponto que, além da participação nos BRICS, fomos incluídos nos BIITS, novo grupo criado pelo banco Morgan Stanley, formado pelos mais frágeis países em desenvolvimento: Brasil, Índia, Indonésia, Turquia e África do Sul.
            Na contramão segue a esperançosa presidenta Dilma, que se meteu no Fórum Econômico Mundial, em Davos, para propagandear o Brasil e seduzir o empresariado internacional a investir aqui. A questão é que não estamos sós diante dos problemas econômicos. Alemanha e França também apresentaram retração na produção de dezembro e, neste mesmo mês, os estoques nos EUA atingiram o maior patamar já registrado.
            Os dados da indústria brasileira nos mostram uma montanha russa. O preocupante é que o motor que a impulsiona está usando combustível “batizado”.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)
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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Como o “tapering” atinge os emergentes



Semana de 27 de janeiro a 02 de fevereiro de 2014


Nelson Rosas Ribeiro[i]

O mundo encontra-se novamente de joelhos diante da economia americana. Desta vez o pânico foi causado pelo anúncio feito pelo Federal Reserve (Fed), banco central americano, de que o “tapering” vai continuar. Já referimos nesta coluna que o “tapering” é o início do processo de redução dos estímulos monetários (Quantítative easing – QE) praticados pelo Fed, injetando US$ 85 bilhões na economia através da compra de títulos do tesouro e papeis lastreados no mercado imobiliário. Estes US$ 85 bilhões já haviam sido reduzidos, em meados de dezembro, para US$ 75 bilhões e agora o montante cairá para US$ 65 bilhões. O Fed anunciou que continuará com esse processo nos próximos meses.
O resultado imediato foi a queda no mercado de ações dos EUA e Europa. Daí, a turbulência alastrou-se por todo o mundo. Os capitais especulativos intensificaram sua retirada dos países em desenvolvimento provocando a desvalorização de suas moedas, o que vem ocorrendo em países como México, Polônia, Hungria, Turquia, África do Sul, Brasil, Índia, etc. A reação de desespero dos bancos centrais destes países está sendo o aumento das taxas de juros, o que já ocorreu na Índia (aumento de 0,25% para 8%), Turquia (aumento de 7,75% para 12%) e África do Sul. O Brasil já se havia antecipado com a elevação da Selic para 10,5%.
Apesar da turbulência, cujas consequências ainda não se podem determinar, o Fed, mesmo mantendo as taxas de juros próximas a zero, continua firme em sua política, demonstrando confiança na recuperação da economia americana. Na Europa, o clima otimista observado em Davos não conseguiu esconder que os indicadores da recuperação ainda são tímidos. Há o temor do retorno da crise diante do desemprego elevado, baixos salários, desigualdade crescente e perda de confiança. Espalha-se o temor generalizado da deflação que pode se agravar se as medidas de estímulo monetário forem retiradas.
A desaceleração da economia chinesa, confirmada pela contração da indústria em janeiro, é agravada pelos problemas do crédito e da instabilidade do sistema bancário. No Japão continuam as dúvidas sobre os resultados do Abenomics (política implementada pelo ministro Shinzo Abe). A situação econômica é agravada ainda pelos déficits da balança comercial causado pelas importações de petróleo que cresceram 16%, como decorrência da desativação dos reatores nucleares.
Apesar dessas dificuldades, consolida-se a tendência para a estabilidade nos países desenvolvidos. Esta estabilidade, com a ajuda do “tapering” do Fed está exportando a turbulência para os países emergentes. Observa-se o deslocamento dos capitais financeiros especulativos, na busca de segurança, em direção aos países desenvolvidos, aumentando seu apetite pelo risco, mesmo quando se trata de títulos da dívida soberana dos países chamados PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda Grécia e Espanha).
O reflexo desta situação é sentido no Brasil, apesar da ação do Banco Central (BC) que elevou a Selic para 10,5%, em meados do mês passado. O dólar sofre forte pressão de alta com o aumento da demanda. Apenas entre os dias 24 e 28 de janeiro os estrangeiros retiraram da Bovespa RS$ 1,2 bilhão. A indústria automobilística, mesmo com os resultados não muito bons de 2013, remeteram lucros para o exterior num total de US$ 3,29 bilhões, 34,7% a mais que em 2012. Além disso, enviaram mais US$ 1,06 bilhão como investimentos em outros mercados. Agravando a situação, a balança de serviços apresentou o maior déficit registrado desde 1947. O dólar ultrapassou a cotação de R$2,40 contribuindo para aumentar o problema da inflação.
É nesse ambiente que o governo Dilma deve que navegar em ano de eleição. Se não bastassem os acontecimentos políticos dos últimos meses o governo tem que conter a inflação, a dívida pública e apresentar superávit primário para evitar a debandada dos “investidores”. Precisa ainda estabilizar a moeda, apresentar melhores taxas de crescimento do PIB, manter o desemprego baixo e conter a violência. Eis a difícil carga que pesa sobre os ombros da presidente e do governo do PT.


[i] Professor Emérito da UFPB e Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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