quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Crise e estagflação

Semana de 28 de julho a 03 de agosto de 2014

Nelson Rosas Ribeiro[i]

Há dois fatos que estão na boca de todos os economistas, jornalistas e analistas políticos: a crise em marcha na economia, com queda na produção e no Produto Interno Bruto (PIB), e a resistência da inflação, que teima em ultrapassar o teto da meta (6.5%).
A existência desses dois fenômenos nos leva a afirmar que está sendo criado um quadro característico da estagflação (stagflation), que significa estagnação com inflação. Cada vez mais este fenômeno começa a preocupar a todos como mostrou uma pesquisa feita pelo jornal Valor Econômico, com 16 economistas de bancos, instituições financeiras e consultorias. Com algumas divergências, todos confirmaram o perigo do fenômeno. E os fatos confirmam os temores.
A produção industrial continua a desacelerar estendendo-se do setor automotivo para os outros setores e até à construção civil. O pior é que está atingindo fortemente o setor de máquinas e equipamentos, setor vital para qualquer movimento de recuperação. O recém-eleito presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Pastoriza, falando em nome das 6.500 empresas que representa, lamentou a queda de dois dígitos no faturamento do setor, nos seis primeiros meses do ano, na continuidade de dois anos anteriores de retração. Ele chamou o fenômeno de “desindustrialização silenciosa” e estimou em 11% a queda no faturamento, no final do ano. Para as vendas no mercado interno, ele avaliou uma queda de 33%. A situação é mais grave, pois as importações de máquinas também caíram, no primeiro semestre, em 11 das 15 subcategorias mapeadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). As quedas foram de 15,2% nas máquinas e equipamentos de uso industrial, de 6,6% nas de uso geral, de 48,1% nas máquinas rodoviárias e 13,3% nos tratores.
A conclusão é obvia. Segundo Julio Gomes de Almeida, professor do Instituto de Economia da Unicamp, “é o colapso do investimento no Brasil”. Para Mario Humberto Marques, vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia para a Construção e Mineração (Sobratema), “Não se investe porque não se tem onde utilizar esse bem produtivo e o empresário tem um parque lotado de equipamentos parados”.
Não é por acaso que o Índice de Confiança da Indústria (ICI) divulgado pela FGV apontou sete meses consecutivos de queda até julho. Segundo Aloísio Campelo, superintendente adjunto de ciclos econômicos da FGV, a confiança do empresariado continua em patamares “extremamente baixos”.
A desaceleração da economia está criando um grave problema para as contas públicas. A economia feita no primeiro semestre para cumprir a meta de R$ 80,774 bilhões para o superávit primário (1,9% do PIB), só atingiu R$ 17,237 bilhões, ou seja, 21,34% do total prometido. É o pior primeiro semestre desde 2.000.
Por outro lado, a dívida pública continua a crescer. A dívida líquida subiu de 33,6% do PIB para 34,9% e a dívida bruta também subiu de 56,7% do PIB para 58,5%, no intervalo de dezembro de 2013 para junho de 2014. Não entram nesta conta as dívidas camufladas do tesouro com entidades como o BNDES e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo. O tesouro paga a diferença dos juros subsidiados que o BNDES pratica nos programas como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), Programa para o Fortalecimento da Agricultura (Pronaf) e Programa de Revitalização de Empresas (Revitaliza). Estima-se que o endividamento do tesouro com o BNDES atinja R$ 25 bilhões. Com o FGTS, em 2013, a dívida girava em torno de R$ 9 bilhões recursos utilizados para o Minha Casa Minha Vida. Com empresas desacelerando, economia em crise e governo endividado, o riso só ilumina os rostos dos banqueiros que continuam nadando em gordos lucros. Os quatro maiores bancos registraram, no segundo trimestre, um aumento de 11,9% em comparação com o mesmo período de 2013. Para o Bradesco calcula-se um lucro de R$ 3,561 bilhões, com um aumento de 19,6% na comparação anual, e para o Itaú, um lucro de R$ 4,607 bilhões, 27,2% maior na comparação anual.
Considerando-se a difícil situação da economia mundial, a da feroz perseguição das entidades reguladoras contra os bancos dos países desenvolvidos, com a aplicação de multas de bilhões de dólares pelos trambiques e falcatruas que andaram e andam cometendo, felizes são os banqueiros brasileiros ajudados pelas altas taxas de juros determinadas pelo nosso Banco Central.
O mesmo não diria em relação ao governo da presidente Dilma vivendo entre a cruz da inflação e a espada da estagnação.



[i] Professor Emérito da UFPB e Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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