quarta-feira, 17 de julho de 2019

Os desafios de uma economia de industrialização tardia


Semana de 08 a 14 de julho de 2019

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

A industrialização só chegou ao Brasil, de fato, no século XX. Porém, neste momento da história, a economia mundial já havia passado por profundas mudanças.
Nos séculos XVIII e XIX, aquilo que era uma profusão de capitais de médio e pequeno porte atuando nos espaços econômico nacionais ainda disponíveis, na virada do século XIX para o XX se transformou numa grande disputa entre potências econômicas em busca do mercado mundial. A grande razão está no fato de que, pelas próprias características inerentes ao capitalismo (por exemplo, as crises econômicas e o desenvolvimento de tecnologias que requerem grandes investimentos), o que antes era uma dispersão de empresas manufatureiras agora se transformou em grandes conglomerados oligopolistas dominando boa parte dos setores produtivos. Por sua vez, com o fim da disponibilidade dos espaços livres nas nações mais avançadas, foi um movimento quase natural a expansão dos negócios para além das fronteiras nacionais.
Este é o pano de fundo da “revolução industrial” brasileira, que ficou conhecida como processo de industrialização por substituição de importações. Como o nome sugere, aos poucos a economia nacional foi deixando de importar alguns produtos manufaturados, pois passou a produzi-los internamente. Em alguns setores, como o comércio, os demais serviços e a indústria de bens de consumo não duráveis (alimentos, higiene, vestuário, etc.), os recursos nacionais puderam financiar boa parte dos empreendimentos.
Contudo, para continuar a substituição de importações, seria necessário trazer para dentro do país outros setores importantes, como a indústria de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos, etc.), de bens intermediários (insumos) e, principalmente, de bens de capital (máquinas, equipamentos, etc.). Era necessário, pois, realizar a industrialização pesada. Por suas próprias características, esses são os setores de maior dinamização da atividade econômica, pois requerem grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, serviços e mão de obra especializados, acesso a insumo de alta intensidade tecnológica, dentre outros fatores. E esse era o grande problema: no Brasil não existiam recursos para esta empreitada.
A solução veio de fora, juntando a fome com a vontade de comer: os capitais que formavam as economias mais desenvolvidas buscavam mercados estrangeiros onde pudessem investir e o Brasil buscava capitais externos para poder continuar seu processo de industrialização. Assim, o grosso dos setores mais dinâmicos da economia brasileira foram sendo dominados por empresas estrangeiras, seja em sua origem, em meados do século XX, ou com as privatizações das décadas de 1990 e 2000.
É justamente aí que está o problema do desenvolvimento capitalista em economias como a nossa (as economias dependentes, em geral). Se são as multinacionais que tendem a gerar os maiores impulsos dinamizadores da produção, considerando que elas têm estratégias de investimentos em escala internacional, surgem as perguntas: 1) como convencê-las de que o Brasil é um local que, de fato, lhes trará retorno, sobretudo com a atual fragmentação do processo produtivo, a formação das cadeias globais de valor e a concorrência com as economias asiáticas (em especial países como Vietnã, Bangladesh, Laos, Camboja e Índia), que apresentam “custos” trabalhistas, sociais e ambientais muito menores do que o Brasil? 2) Como convencer as multinacionais de que elas deveriam redirecionar seus investimentos, que iriam para os centros tradicionais de pesquisa e desenvolvimento, e passar a investir em ciência aqui no Brasil?
A resposta está sendo dada nas reformas propostas pelo governo Bolsonaro. De um lado, a saída é reduzir custos ligados aos direitos e às condições de vida da classe trabalhadora (que vão além da aposentadoria e de regras básicas de contratação e passam por um meio ambiente minimamente habitável). De outro, através do projeto “Future-se”, que pretende conceder a estrutura pública universitária já consolidada à iniciativa privada, de preferência estrangeira (típica “privatização à brasileira”) e deixar ela tomar os rumos do que será pesquisado no país de acordo seus próprios interesses.
De qualquer forma, o resultado tende a ser o mesmo: “desenvolvimento” que resultará em condições de vida precárias e maior subordinação econômica.

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)

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