Semana de 23 a 29 de novembro de 2020
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
No
começo de novembro, foi comemorada a aprovação, no Senado, do Projeto de Lei
Complementar n° 19, de 2019, que trata da garantia legal da Autonomia do Banco
Central do Brasil. Com isso, espera-se que a condução da Política Monetária
deixe de sofrer influências diretas ao sabor do chefe do Executivo. Para o
senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), é “blindar a política monetária do
governo federal”.
Mas
isto não é nenhuma novidade, na prática. Desde o Plano Real, o BC tem atuado de
forma autônoma em relação ao governo federal, com exceção do primeiro mandato
de Dilma Rousseff. Lá se vão mais de 25 anos. Mesmo sem uma regra legal
absolutamente clara, tornou-se legítima, perante a sociedade civil brasileira,
a atuação autônoma do BC. Tanto que, quando Dilma tentou alinhar a Política
Monetária à Política Fiscal que queria implementar, saltaram dos mais diversos
buracos os defensores da autonomia da instituição.
Com o
projeto de lei a direção do Banco Central terá autonomia na sua ação, mas não a
independência. Caso esta existisse, haveria um quarto poder na República, igual
ao Executivo, Legislativo e Judiciário, tomando todas as decisões que
entendesse quanto à Política Monetária. Tal como ocorre hoje, será mantida a
indicação do Presidente e dos Diretores do BC pelo Presidente da República.
Eles devem ser sabatinados e aprovados pelo Senado. Caso passem, assumem para
um mandato de 4 anos não coincidentes com o do Chefe do Executivo. Da mesma
forma que hoje, devem executar as metas da Política Monetária estabelecidas
pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) através dos meios que, autonomamente,
julgarem adequados.
Isso
mostra que será dada legalidade a uma relação que já é legitimada pela
sociedade civil: a autonomia do Banco Central na condução da Política
Monetária. Não vou discutir a Economia Política por trás disto, coisa que já
foi feita anteriormente. Quero comparar com o que está sendo feito em outras instituições
que já gozam de autonomia constitucionalmente garantida e têm legitimidade em
sua ação perante a sociedade civil, mas que estão sofrendo com uma brecha na
legislação atualmente vigente: as Instituições Federais de Ensino Superior
(IFES).
A Constituição
de 1988, em seu Art. 207, garante que as IFES têm o legítimo direito de, por
exemplo, escolher seus dirigentes máximos. Contudo, o Decreto nº 1.916/1996
afirma que o Presidente da República pode não indicar o primeiro lugar da lista
tríplice (dos três mais votados em consulta prévia) para Reitor e Vice-Reitor.
Ou seja, legalmente, apesar de ter como base uma norma inferior à Carta Magna
brasileira, as IFES podem sofrer interferência de ordem política em sua
direção. Isto significa que elas podem deixar de tocar o projeto que a sua
Comunidade Acadêmica legitimou (primeiro colocado na lista tríplice) e ter que
engolir um projeto que foi rejeitado pela maioria dos Professores, Técnicos e
Estudantes (qualquer um que não o primeiro da lista). Ou seja, nas IFES é
perfeitamente possível que haja interferência política do presidente do
momento, coisa que no Banco Central, como vimos, não pode...
Apesar
da previsão legal, tem sido uma tradição de décadas a indicação do primeiro
colocado na lista tríplice para Reitor. Ou seja, havia legitimidade
(reconhecimento e aceitação social) na forma como se procedia a escolha dos
dirigentes máximos das IFES, até 2018. Sob o comando de Jair Bolsonaro,
contudo, isto deixou de acontecer. Desde que assumiu, o presidente olavista,
negacionista, antivacinista, terraplanista e tudo o mais que seja
anticientificista não respeitou em 18 ocasiões a autonomia universitária,
indicando Reitores que, inclusive, não receberam sequer um voto no Conselho
Universitário. É o caso de Valdiney Veloso Gouveia, da UFPB.
Ninguém
aqui está defendendo a falácia da independência das IFES quanto ao poder
Executivo, tal como a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou em parecer
recente. Na realidade, já existe um conjunto de leis, instituições e outras
relações estabelecidas dentro do próprio serviço público que impõe às IFES os
limites de sua ação, tais como a Lei de Diretrizes e Bases, o Conselho Nacional
de Educação, o Tribunal de Contas da União, etc.
O que se pede, já que aqui é uma coluna de economia, é que se dê às IFES o mesmo tratamento que alguns dão à questão da interferência política do poder Executivo na condução da Política Monetária pelo Banco Central. É pedir muito?
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H.
Pinto e Daniella Alves.
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