quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Autonomia política no BC... E nas Universidades?

Semana de 23 a 29 de novembro de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No começo de novembro, foi comemorada a aprovação, no Senado, do Projeto de Lei Complementar n° 19, de 2019, que trata da garantia legal da Autonomia do Banco Central do Brasil. Com isso, espera-se que a condução da Política Monetária deixe de sofrer influências diretas ao sabor do chefe do Executivo. Para o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), é “blindar a política monetária do governo federal”.

Mas isto não é nenhuma novidade, na prática. Desde o Plano Real, o BC tem atuado de forma autônoma em relação ao governo federal, com exceção do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Lá se vão mais de 25 anos. Mesmo sem uma regra legal absolutamente clara, tornou-se legítima, perante a sociedade civil brasileira, a atuação autônoma do BC. Tanto que, quando Dilma tentou alinhar a Política Monetária à Política Fiscal que queria implementar, saltaram dos mais diversos buracos os defensores da autonomia da instituição.

Com o projeto de lei a direção do Banco Central terá autonomia na sua ação, mas não a independência. Caso esta existisse, haveria um quarto poder na República, igual ao Executivo, Legislativo e Judiciário, tomando todas as decisões que entendesse quanto à Política Monetária. Tal como ocorre hoje, será mantida a indicação do Presidente e dos Diretores do BC pelo Presidente da República. Eles devem ser sabatinados e aprovados pelo Senado. Caso passem, assumem para um mandato de 4 anos não coincidentes com o do Chefe do Executivo. Da mesma forma que hoje, devem executar as metas da Política Monetária estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) através dos meios que, autonomamente, julgarem adequados.

Isso mostra que será dada legalidade a uma relação que já é legitimada pela sociedade civil: a autonomia do Banco Central na condução da Política Monetária. Não vou discutir a Economia Política por trás disto, coisa que já foi feita anteriormente. Quero comparar com o que está sendo feito em outras instituições que já gozam de autonomia constitucionalmente garantida e têm legitimidade em sua ação perante a sociedade civil, mas que estão sofrendo com uma brecha na legislação atualmente vigente: as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

A Constituição de 1988, em seu Art. 207, garante que as IFES têm o legítimo direito de, por exemplo, escolher seus dirigentes máximos. Contudo, o Decreto nº 1.916/1996 afirma que o Presidente da República pode não indicar o primeiro lugar da lista tríplice (dos três mais votados em consulta prévia) para Reitor e Vice-Reitor. Ou seja, legalmente, apesar de ter como base uma norma inferior à Carta Magna brasileira, as IFES podem sofrer interferência de ordem política em sua direção. Isto significa que elas podem deixar de tocar o projeto que a sua Comunidade Acadêmica legitimou (primeiro colocado na lista tríplice) e ter que engolir um projeto que foi rejeitado pela maioria dos Professores, Técnicos e Estudantes (qualquer um que não o primeiro da lista). Ou seja, nas IFES é perfeitamente possível que haja interferência política do presidente do momento, coisa que no Banco Central, como vimos, não pode...

Apesar da previsão legal, tem sido uma tradição de décadas a indicação do primeiro colocado na lista tríplice para Reitor. Ou seja, havia legitimidade (reconhecimento e aceitação social) na forma como se procedia a escolha dos dirigentes máximos das IFES, até 2018. Sob o comando de Jair Bolsonaro, contudo, isto deixou de acontecer. Desde que assumiu, o presidente olavista, negacionista, antivacinista, terraplanista e tudo o mais que seja anticientificista não respeitou em 18 ocasiões a autonomia universitária, indicando Reitores que, inclusive, não receberam sequer um voto no Conselho Universitário. É o caso de Valdiney Veloso Gouveia, da UFPB.

Ninguém aqui está defendendo a falácia da independência das IFES quanto ao poder Executivo, tal como a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou em parecer recente. Na realidade, já existe um conjunto de leis, instituições e outras relações estabelecidas dentro do próprio serviço público que impõe às IFES os limites de sua ação, tais como a Lei de Diretrizes e Bases, o Conselho Nacional de Educação, o Tribunal de Contas da União, etc.

O que se pede, já que aqui é uma coluna de economia, é que se dê às IFES o mesmo tratamento que alguns dão à questão da interferência política do poder Executivo na condução da Política Monetária pelo Banco Central. É pedir muito?


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H. Pinto e Daniella Alves.

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