Semana de 15 a 21 de fevereiro de 2021
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Qual o
papel de uma empresa no sistema capitalista? Os desatentos e os descarados
diriam que é produzir coisas úteis e atender os desejos das pessoas. Os
empresários diriam: meu capital é aplicado para dar lucro, independente do que
é produzido. Por sua vez, uma empresa pode ser de propriedade privada, de
propriedade pública ou de propriedade compartilhada entre a iniciativa privada
e o Estado. Este último caso forma o que chamamos de sociedade de economia
mista. No Brasil, a lei (de 1967) obriga que o Estado tenha o controle sobre
essa sociedade.
Um dos
motivos é que nem sempre a iniciativa privada esteve disposta a correr sozinha
os riscos de investir em determinadas atividades econômicas. A história da
industrialização brasileira mostra que o Estado Nacional foi o grande
responsável pela criação dos setores de insumos básicos, infraestrutura e
serviços industriais de utilidade pública. Já a partir dos anos 1980, a
esmagadora maioria das empresas sob controle dos entes da federação foi vendida
à iniciativa privada. Começava a caçada do “capital financeiro” às empresas
estatais brasileiras.
Como
foi dito no primeiro parágrafo, toda empresa capitalista deve ter uma receita
suficiente para cobrir todos os seus custos. Com este excedente, deve realizar
um conjunto de outros dispêndios que lhes garanta a permanência e a expansão no
mercado em que atua, como, por exemplo, investimentos em Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação. Pois bem, no passado, o Estado utilizou as empresas
sob seu controle para subsidiar boa parte da industrialização nacional (insumos
a baixo custo) e por aí tentou segurar a inflação. Contudo, em muitos casos,
fez isso sem garantir sequer que as receitas cobrissem as despesas. Claro, o
resultado foram as falências e a pecha de que o Estado é mal gestor.
Dentre
as sociedades de economia mista brasileiras, a mais famosa e de sucesso é a
Petrobrás. Provavelmente graças à icônica campanha “O Petróleo é Nosso”, a
empresa não entrou no pacote de privatizações da década de 1990.
Independentemente da causa, é uma empresa que trabalha com alguns dos produtos
mais importantes de qualquer economia industrializada: petróleo e derivados.
Estes setores são dos que mais influenciam toda a economia, tanto porque
demanda muitos bens e serviços de outras empresas, quanto porque seus produtos
são consumidos por um vasto leque de setores e famílias. Por isso a Petrobrás é
considerada uma empresa estratégica para a nação.
A
contrapartida da não privatização da Petrobrás foi a flexibilização dos preços
de acordo com o “mercado”. Fazia parte do “acordo” com os acionistas
minoritários a busca pelo lucro máximo e o aumento dos dividendos distribuídos.
A flexibilização se concretizou em 2002, quando também se tentou alinhar os
preços internos com os externos. Contudo, entre 2003 e 2016 não houve imediata
correspondência entre o preço dos derivados no país e o preço internacional do
petróleo. Mesmo assim, foi nesse período que a Petrobrás se tornou uma potência
mundial, incluindo a descoberta e produção na camada pré-sal. A partir de 2016
obrigou-se o Estado brasileiro a abrir mão de seu poder dando aos acionistas
minoritários a preferência no atendimento de seus interesses. Já vimos o
resultado disso na “xepa” que tem sido a venda de ativos da empresa desde
então.
Nos
últimos dias, vimos Bolsonaro tentar tomar de volta as rédeas e trocar o
presidente da empresa. A reação foi um movimento especulativo que derrubou as
ações da Petrobrás na bolsa de valores, apesar de suas máquinas, plataformas e
navios terem continuado a funcionar normalmente. Além de interferir diretamente
no funcionamento da empresa, ele interferiu no pacto entre Estado e capital
financeiro: a receita da Petrobrás é muito elevada às custas do brasileiro
pagar caro por um petróleo que custa bem menos para ser produzido internamente.
Ou seja, o lucro apropriado por um punhado de acionistas é bem grande e o
número de brasileiros que pagam por isso também.
Duas questões se colocam: o presidente do Brasil tem noção do que está fazendo e, terá capacidade de vencer essa batalha? Desconfio que as respostas são não. Aliás, ele nem sequer sabe quais são os interesses da nação. É esperar para ver...
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella
Alves.