sexta-feira, 21 de maio de 2021

Bolsonaro, quem poderia imaginar?

Semana de 10 a 16 de maio de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

A semana que passou foi bem movimentada. O primeiro registro foi uma porrada na cara dos terraplanistas brasileiros: segundo levantamento do Financial Times, mais da metade das doses de vacinas contra o Covid-19 aplicadas na América Latina vieram da China. No Brasil, não fosse a “ComunaVac” chinesa, estaríamos lascados. Para além de fornecer a tecnologia e o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da vacina produzida pelo Instituto Butantan, a China fornece o IFA também à Fiocruz. Não fosse nossos queridos representantes no Executivo, atrapalhando as importações, o número seria ainda maior.

Surpreendentemente (só que não), a constatação acima tem um dedinho da gestão Bolsonaro. Segundo contou à CPI da Covid o gerente-geral da Pfizer para a AL, Carlos Murillo, foram feitas seis ofertas de vacinas ao Brasil entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021. No total, seriam cerca de 70 milhões de doses disponíveis à população brasileira. Caso as propostas feitas em 2020 fossem aceitas, já teríamos 1,5 milhão de doses no ano passado. Além disso, teríamos mais 17 milhões de doses entregues até o mês que vem (junho de 2021). Qual foi a resposta do governo brasileiro às ofertas? Nenhuma, apenas ignoraram. Como dizem os românticos, nada é pior que a indiferença.

Isso veio à tona em um contexto de mais de 425 mil mortes causadas pelo novo Coronavírus. Para aqueles que, aparentemente, estavam contentes com o alívio que isto traria para a Seguridade Social, pois os mais velhos morreram mais, saibam que o resultado econômico já é desastroso.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), até abril morreram no Brasil 301 mil pessoas com 60 anos ou mais. Na esmagadora maioria, são senhoras e senhores que deixaram de receber sua aposentadoria ou outros benefícios sociais. Esse era o motivo da alegria dos que acham que o brasileiro está vivendo demais. Porém, existe o outro lado da moeda. Dentre os 72,6 milhões de domicílios brasileiros, 25,4 milhões tem pelo menos um idoso como habitante. Contudo, em 15,4 milhões o benefício recebido pelo idoso corresponde a mais de 50% da renda domiciliar. A estimativa do IPEA é de que, entre março de 2020 e abril de 2021, as mortes de pessoas da terceira idade retiraram um total de R$ 3,8 bilhões de circulação. Isto, para além do problema que é em si, traz graves consequências para a própria retomada da atividade econômica. É dinheiro que deixa de circular agora. É dinheiro que deixará de circular no futuro. É redução de demanda por bens de consumo. É elevação das desigualdades sociais. É pressão sobre próprio sistema de assistência social. É muita coisa.

Falando em desigualdade social, este é outro problema agravado pela pandemia e pela péssima gestão federal da crise sanitária. O IPEA, novamente, realizou outro estudo que mostra que a inatividade da força de trabalho (desemprego e desalento) atingiu mais as mulheres, os negros e os jovens em 2020. Claro, o machismo, o racismo estrutural e a falta de políticas públicas de formação da força de trabalho são os grandes vilões por trás desses números.

E por falar nas mulheres, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) fez um estudo que mostra como elas estão perdendo espaço entre os brasileiros que se aposentam por tempo de contribuição. No ano passado foi interrompida uma tendência de crescimento das brasileiras no total de pessoas que davam entrada na aposentadoria por tempo de serviço. Essa tendência resulta da maior inserção das mulheres nos empregos formais. Contudo, como constatado em outras pesquisas (e na citada anteriormente), elas foram as mais atingidas pelo desemprego na pandemia. Com isso, 35,4% das pessoas que pediram aposentadoria por tempo de contribuição em 2020 foram mulheres, ante 40,5% em 2019.

Por esses e por muitos outros motivos, em três das quatro pesquisas divulgadas semana passada, Bolsonaro perderia para Lula no segundo turno. É! Quem poderia imaginar que o único mandato presidencial de Bolsonaro seria esse desastre e que o vilão (na cabeça dele) ou anti-herói (na minha) poderá ser seu algoz...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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