quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

E os juros, hein!?

Semana de 17 a 23 de janeiro de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Há algum tempo que está ocorrendo um debate entre economistas das mais diversas linhas sobre a eficácia da taxa de juros (principal instrumento da política monetária) no combate à inflação. Vejamos do que se trata.

Para começar, é preciso ter em mente que a inflação é o principal elemento que faz os Bancos Centrais mexerem nos juros. A excessiva variação nos preços é (quase) sempre respondida com variação nos juros. Se aumenta um, o BC aumenta o outro. A prova disto é que, no ano passado, a inflação oficial foi de 10,06% (o máximo deveria ter sido de 5,25%). Como resposta, a Selic saiu de 2% e foi para 9,25% em dezembro de 2021. É isto que está sendo motivo de debate entre os economistas.

A controvérsia está no fato de que a taxa de juros teria pouca (quase nenhuma, para ser mais preciso) influência sobre as causas da inflação. Isto é confirmado pela carta enviada pelo presidente do BC ao presidente do Conselho Monetário Nacional, justificando o estouro da meta oficial estabelecida por este órgão. Nela, são apontadas como causas principais do aumento dos preços: a elevação do preço das commodities, o encarecimento da energia elétrica devido à escassez hídrica e as perturbações nas cadeias produtivas globais causadas pela pandemia.

Na carta, alguns pontos são detalhados. Como fator externo, foi estimado que 69% do excesso de inflação registrado em 2021 foi “importado”. 1) Através do aumento dos preços internacionais do petróleo e seu repasse para os brasileiros por meio do programa de preços executado desde Michel Temer até hoje praticado na Petrobrás. Isto contribuiu com 2,95 pontos percentuais para os preços superarem a meta do IPCA. De longe, foi o que mais contribuiu. 2) Por meio do aumento do preço das demais commodities, que, ficando mais caras lá fora, ficam mais caras aqui dentro (afinal, para se equiparar às exportações, as vendas internas precisam render mais e por isso os preços aqui precisam subir). Isto contribuiu com 0,71pp no desvio da meta. 3) Através da taxa de câmbio, que contribuiu com apenas 0,44pp no desvio da meta.

Como fatores internos, contribuíram para o estouro da meta: a bandeira tarifária de energia elétrica (0,67pp), as expectativas do mercado (0,25pp) e os demais fatores (1,02pp). Além desses, dois componentes foram estimados: a herança do aumento dos preços de 2020 sobre os preços de 2021, chamada de inércia inflacionária (1,21pp) e a débil atividade econômica de 2021, que contribuiu para o estouro ser menor (-1,21pp). Estes dois últimos elementos, portanto, se anularam.

Esse é o contexto do debate em torno da seguinte questão: como os juros poderiam ter ajudado a combater a inflação de 2021? Diretamente, quase nada. Não tem como reduzir o preço internacional do petróleo com aumento dos juros no Brasil. A única coisa que poderia baratear o combustível aqui era o abandono da política de preços antinacionalista imposta à Petrobrás. E as demais commodities? Políticas de abastecimento, que existiram antes do Governo Bolsonaro, amenizariam e muito o problema. Já os juros do Brasil, poderiam reorganizar as cadeias produtiva globais? Não. E fazer chover, os juros podem?

Mas, afinal, a quem interessa a taxa básica de juros ser tão elevada? De uma forma simplificada, a explicação é a seguinte: para quem tem dinheiro aplicado e vê seu poder de compra cair 10% com a inflação, aumentar os juros de 2% para 9,25% é reduzir suas perdas de 8% para 0,75%. Agora, imagine uma situação em que todas as aplicações rendem menos do que a inflação? Isto foi o que ocorreu em 2021. Apenas o Bitcoin apresentou rentabilidade maior ao IPCA. Bolsa, renda fixa, dólar, ouro etc., a especulação com todos eles rendeu menos.

Com isto vemos que Banco Central independente está cumprindo muito bem seu papel essencial: utilizar os instrumentos disponíveis para garantir a rentabilidade dos seus.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Alan Gomes, Guilherme de Paula e Roberto Lucas.

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quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

A natureza ataca novamente: Ômicron na ofensiva

Semana de 10 a 16 de janeiro de 2022

  

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

Os prognósticos sombrios para 2022 continuam sendo reforçados. E se não bastassem os fenômenos econômicos, a natureza mais uma vez nos surpreendeu com um novo ataque do vírus mutante.  A variante Ômicron, nova cepa do coronavirus, espalha-se pelo mundo com uma velocidade surpreendente. Apesar de não se apresentar tão letal, contribui para tumultuar a recuperação que tenta abrir caminho em meio a grandes dificuldades. O sistema ainda não conseguiu reorganizar as cadeias produtivas e comerciais que a globalização tão bem integrou. O desajustamento é geral. O caos logístico continua. Portos abarrotados, navios em fila para atracar, falta de contêineres, falhas na distribuição terrestre por deficiência de motoristas e de caminhões, cancelamento de voos e, como consequências, a elevação das tarifas e fretes. Os produtos são encarecidos, formam-se gargalos para a produção pela falta de insumos e matérias primas, a distribuição dos produtos é dificultada e a inflação acelerada. A economia mundial arrasta-se golpeada pela nova onda do covid-19. Pelo visto, a situação vai perdurar. A solução apontada é a distribuição universal das vacinas e a vacinação de toda a humanidade. Só isto pode frear as mutações do vírus que encontram terreno propício nos países mais pobres da África e Ásia que não têm recursos para adquirir as vacinas e adotar medidas para estimular a recuperação.

A desorganização da economia mundial fez ressurgir um velho fenômeno que parecia ultrapassado, a inflação. Os preços dispararam nos países da OCDE onde as taxas atingiram 5,8% e nos EUA com 6,8%, a maior taxa dos últimos 39 anos. Esta incômoda novidade levou o Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, a anunciar a adoção da única receita que a teoria oficial recomenda: aperto monetário com a retirada dos estímulos e a elevação dos juros. Segundo o FMI, esta ação leva a incerteza aos países emergentes. A repercussão nestes países foi imediata, particularmente no Brasil. Explode o temor de debandada dos dólares que retornam a sua origem à procura de segurança.

Consultorias e instituições financeiras apressam-se a rever sus prognósticos de crescimento alertando para as duas velocidades na recuperação e no aumento da desigualdade. A Cepal, por exemplo, reviu sua previsão para o crescimento do PIB da América Latina de 2,9% para 2,1% para o ano de 2022.

O agravamento da situação internacional piora os prognósticos para a economia local que já se afunda com a inflação, os juros elevados, os gargalos na produção, as incertezas fiscais e políticas em ano de eleição, a nova onda da Ômicron. Soma-se a isto a demência do presidente com suas atitudes fanáticas e destemperadas. O descontrole aumentou com a divulgação da última pesquisa feita pela Quest/Genial que apontou Lula com 45% das intenções de voto, Bolsonaro com 23% e Moro com 9%. A avaliação negativa do governo está em 56%. Bolsonaro retomou sua ofensiva contra as medidas de combate ao vírus, condena a vacinação de crianças e resolveu atacar a Anvisa o que provocou a reação do seu presidente Antonio Barra Torres desafiando-o a provar as acusações ou se retratar, coisa que ele certamente não fará.

Além desta nova frente de atrito, o aumento de salários concedido aos setores de segurança do governo provocou o movimento de reinvindicação salarial de todos os funcionários que ameaçam entrar em greve. E o desgaste do governo levou o Centrão a cobrar um preço mais elevado pela sua participação, mais poderes para a Casa Civil com a transferência para Ciro Nogueira de atribuições do Guedes sobre o orçamento.

As más notícias não ficam por aí. A Petrobrás afirma que manterá sua suicida política de preços de paridade internacional, o Banco Central informa que continuará a aumentar os juros (Selic). O IBGE calcula que o agronegócio não ajudará no crescimento do PIB Os empresários de portos e ferrovias pressionam pela revogação do veto do governo à desoneração dos setores e as concessionárias de infraestruturas pedem revisão dos contratos por causa da alta inflação. A economia não está colaborando com a eleição do presidente. Falta a pressão popular.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Nertan Gonçalves, e Maria Cecilia Fernandes.

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quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

As travas da roda da economia em 2022

Semana de 03 a 09 de janeiro de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

É irresistível iniciar a primeira análise do ano sem falar sobre as perspectivas do que irá acontecer ao longo dos 12 meses que virão. Contudo, já adianto que o brasileiro não terá um minuto de paz também em 2022. As travas que impediram a economia de rodar em 2021 têm tudo para se agravarem neste ano.

Não é exclusividade do Brasil o baixo crescimento econômico. Em 2021 as economias da América Latina estiveram entre as mais atrasadas na recuperação frente aos problemas gerados pela Pandemia. O PIB da região deve crescer 6,6%, sendo que o nosso não deve passar de 4,5%. Segundo pesquisa do Goldman Sachs, espera-se que em 2022 o crescimento latino-americano seja de 2%. O destaque é o Brasil: deve crescer apenas 0,8%. Já uma pesquisa do Valor Econômico, com 105 instituições financeiras e consultorias, mostra que a aposta é para pior. São 26 que esperam queda do PIB em 2022. Outras 13 apostam em estagnação. Pela mediana de todas as organizações consultadas, o crescimento brasileiro em 2022 será 0,4%.

Claro, as previsões de janeiro para o que vai acontecer até dezembro são bastante arriscadas. Frequentemente erram. Mas os fatos atuais indicam que será daí para pior. Por exemplo, para além de aumentar os índices de inflação, a alta do preço da energia paga no país impacta e muito o crescimento do PIB. Em pesquisa realizada pelo Instituto Clima e Sociedade, 44% das pessoas deixaram de comprar bens de consumo duráveis para pagar a conta de luz. Por sua vez, 22% deixaram de comprar alguns alimentos básicos. Claro, isto trava a “roda da economia”. Para 46% dos brasileiros, a conta de energia já consome pelo menos metade da renda. Sem falar em aluguel, que é um grande “consumidor” da renda dos brasileiros da classe média para baixo. Falando nisso, o índice que reajusta os aluguéis, o IGP-M, subiu 17,8% no ano passado. Isto também trava a “roda da economia”, pois, para pagar o aluguel, as pessoas precisam abrir mão de outros produtos.

Um resultado direto do aumento desses gastos (junto com os de alimentação) é o aumento do endividamento das famílias brasileiras, que bateu recordes em 2021. No fim do ano, mais de 70% das famílias residentes nas capitais estavam devendo alguma coisa (independente se estavam em dia ou não). O problema mesmo é que, como já apontado semana passada, os bancos centrais mais importantes do mundo mudaram sua posição sobre a política de juros. De “cautelosos” passaram repentinamente para “preocupados”. Com isso, os juros internacionais devem subir em 2022. Isto vai obrigar o nosso Banco Central do Brasil a aumentar ainda mais os juros por aqui. Por tabela, num efeito em cascata, todos os juros da economia deverão subir também. Assim, o que é dívida controlada hoje pode virar descontrole geral amanhã. Isto, novamente, trava a “roda da economia”.

Outra consequência do aumento dos juros por aqui, é que os investimentos produtivos vão se tornando aplicações financeiras. Em outras palavras: quem tem dinheiro de sobra, ao invés de colocar seus recursos em atividades que têm potencial de gerar riqueza, aplica em títulos de renda fixa baseados na Selic. Isso já começou em 2021, quando a taxa básica saiu de 2% para os atuais 9,25%. No total, foram R$ 291,5 bilhões a mais aplicados neste produto financeiro ao longo do ano passado. O motivo é o retorno que isto traz aos especuladores: rentabilidade alta numa economia em baixa, liquidez elevada e segurança de um título público numa gestão que prefere fazer superávit primário ao invés de contribuir com a saúde, o emprego e a renda da população.

Nesse contexto desolador, piorado por uma nova onda de Covid-19 causada pela Ômicron, o caro leitor acha que a queda do grande responsável por isso será pacífica? Não podemos contar com isso, pois ele já demonstrou que um rato encurralado pode morder o gato.

Resistir e combater desde já é preciso! À luta.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Carolina Nantua, Eduardo Oliveira, Ana Isadora Meneguetti e Guilherme de Paula.

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

2022 chegou, 2021 se foi, e ele?

Semana de 27 de dezembro de 2021 a 02 de janeiro de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

Não há como começar esta Análise sem desejar a todos os leitores muitas felicidades, saúde e combatividade no ano que se inicia. Sinceramente gostaríamos que neste novo ano a abundância, a alegria e a felicidade se instalassem em todos os lares por este país afora. Passando do sonho à realidade somos forçados a reconhecer que as coisas não seguirão os nossos desejos. Pelo contrário, as perspectivas são muito, sombrias. Comecemos com o panorama geral do final de 2021. Além dos mais de 600.000 mortos e um número não contabilizado de sequelados pela pandemia temos um país destruído. As decisões tomadas pelo governo fascistoide do Bolsonaro, apoiado por uma burguesia incompetente e reacionária e por forças armadas conservadoras e antidemocráticas arruinaram a economia e o prestígio que a duras penas o país havia conquistado entre as nações. A política econômica praticada pelo sinistro Paulo Guedes e seus “Chicago oldies” somada às decisões do governo sabotando o enfrentamento à covid 19 provocaram o aumento do desemprego, da pobreza, da miséria, da fome, das falências das empresas, da inflação com a transformação em estagflação, do risco fiscal. Levaram à desvalorização cambial, à queda da bolsa e dos investimentos consequência da elevação dos juros. Apenas o desemprego teve um pequeno alívio no final do ano. A taxa caiu de 13,7% para 12,1% no trimestre, mas ainda há 13 milhões de desempregados e a renda média é a menor da história. Além disso os novos empregos criados elevaram o número de trabalhadores por conta própria para 25,6 milhões e os informais para 38,211 milhões em uma população empregada total de 93,958 milhões, segundo a Pnad Contínua do IBGE.

Isso para referir apenas algumas consequências do desastre de 2021. Diante deste quadro o que nos promete o ano de 2022?

O jornal Valor Econômico consultou 14 economistas de várias universidades, não ligados ao governo e a opinião foi unânime: não se pode esperar deste governo nada de bom no ano que se inicia exceto a sua derrota nas eleições. Os prognósticos e estimativas de várias entidades e bancos apontam este quadro recessivo. O Boletim Focus do Banco Central (BC) apura a mediana para o crescimento do PIB de 0,5%. A consultoria MB Associados propõe crescimento zero, o Itaú-Unibanco sugere queda de -0,5%. Para a taxa de juros de referência Selic as estimativas vão de 10% (Boletim Focus) até 11,75% (mediana dos economistas de 107 instituições financeiras).

A elevação da Selic arrastará as taxas de juros prejudicando os investimentos já desestimulados pelas incertezas fiscais e políticas. O estouro da ancora fiscal com o calote da PEC dos precatórios e o fim do teto faz parte da campanha eleitoral do residente em busca da reeleição, o que foi necessário para o aumento das despesas com os fundos partidários, as emendas do relator para comprar o congresso, o subsídio dos caminhoneiros, a Renda Brasil e o aumento dos funcionários do setor de segurança. Com isto foi para o ar o programa de austeridade do Guedes cuja credibilidade já abalada desmoronou. Nestas circunstâncias espera-se a continuação da inflação, a elevação dos juros, a desvalorização da moeda, a manutenção do desemprego, os baixos salários, o crescimento da pobreza.

Contamos ainda com um agravante internacional. Os Bancos Centrais do mundo já anunciam a elevação dos juros o que provocará a migração dos capitais para os países mais desenvolvidos particularmente para os EUA. Por outro lado, a variante Ômicron do coronavírus promete não dar trégua e a OMS alertou o mundo para a possibilidade de uma catástrofe. A agência Moody’s Analitics já reduziu sua estimativa para o crescimento do PIB americano de 5,2% para 2,2%.

Mas o nosso presidente, desesperado com o resultado das pesquisas eleitorais que prenunciam sua derrota, e ameaçado por uma onda de pedidos de aumento de salários dos funcionários públicos, continua firme em sua cruzada antivacina mesmo de férias.

Eis o que nos espera neste 2022 se ele não se for em outubro.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Nertan Gonçalves, Mariana Tavares, Roberto Lucas e Poliana Almeida.

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