sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Por que os juros importam tanto?

Semana de 06 a 12 de fevereiro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Novamente, a presente análise de conjuntura vai tratar dos juros. O motivo é que o tema ainda está nos debates e noticiários políticos e econômicos. Desta vez, o foco que será dado aqui é o papel dos juros em uma economia como a nossa: capitalista e atrasada.

De uma forma geral, o capitalismo é um sistema em que a produção dos bens e serviços que necessitamos para sobreviver só acontece se houver também a geração de lucro. Nessa sociedade, os empresários são as únicas pessoas que têm as condições materiais para dar início ao processo de produção, pois detêm os recursos monetários que possibilitam a compra das forças produtivas ou tem a capacidade de adquiri-los.

Por sua vez, diversos são os ramos onde os empresários podem investir seu dinheiro: agropecuária, indústria extrativa, indústria de transformação e serviços. A decisão de aplicar o seu capital depende menos de onde (ou como) será obtido o lucro e mais de quanto será esse lucro e qual as chances de o investimento dar errado. Ou seja, para os capitalistas importa mais o aspecto quantitativo (o montante) da riqueza produzida pela humanidade do que o aspecto qualitativo (a utilidade).

Nas economias mais avançadas (aquelas onde as forças produtivas internas são baseadas em tecnologia de ponta e os sistemas comercial e financeiro são mais ramificados) há uma infinidade de possibilidades de aplicação dos recursos. Desde setores mais dinâmicos e vanguardistas até os mais tradicionais. Inclusive, devido ao poder econômico que alcançam, há maior facilidade de os empresários desses países poderem espalhar seu capital pelo mundo, buscando apenas o menor custo e, consequentemente, o maior lucro possíveis.

A situação é diferente nas economias atrasadas (aquelas que precisam do capital das economias avançadas para pôr sua própria economia em funcionamento). Em economias como a brasileira há menor diversidade nas opções de investimento. Por exemplo, não há os principais setores mais inovadores e, por isso, rentáveis. Mesmo quando alguns setores mais dinâmicos existem, eles são comandados por grandes empresas estrangeiras. Predominam nas economias atrasadas os setores tradicionais (de paradigmas tecnológicos anteriores e/ou atividades primárias), bem como os serviços. Assim, as possibilidades de investimento são menores.

Somado a isso, independentemente do país, há uma outra fonte de renda que não faz parte da dinâmica normal do mercado, mas faz parte dos interesses de aplicação dos capitalistas: o Estado. Como se sabe, o Estado pode obter dinheiro através dos tributos cobrados à população ou pode se endividar. É precisamente neste endividamento que surge uma via “alternativa” de aplicação do capital.

Voltando aos riscos associados a qualquer investimento, um empresário pode colocar seu dinheiro na produção de gado, por exemplo. Ao fazer isto, ele se expõe à possibilidade de chegada de uma doença que dizime o rebanho ou a uma intempérie que acabe com o pasto. Ao tentar desenvolver um novo remédio, uma empresa farmacêutica corre o risco de nunca encontrar uma fórmula eficaz para uma doença qualquer. Ao investir em microchips, uma empresa pode se deparar com a falta de matérias-primas para o andamento do processo.

No caso do dinheiro emprestado ao Estado, especificamente o endividamento em moeda local, a situação é muito diferente. Em última instância (o que é uma medida absolutamente extrema e indesejável), o Estado pode emitir moeda para pagar suas dívidas. Antes disso, como temos visto desde o Plano Real, os diversos governos se esforçaram em garantir o pagamento dos juros da dívida pública federal. É muito comum vermos os famosos contingenciamentos no orçamento para garantir o superávit primário (ou a redução do déficit). Até as verbas para educação e saúde já foram reduzidas.

Voltando ao montante de lucro que desejam ganhar, ao perceberem que os juros pagos pelo Estado são suficientemente altos, os empresários que estariam cogitando investir em fábricas, em tecnologia, em inovação, em pesquisa etc. deixam de aplicar o dinheiro no setor produtivo e passam a aplicar em títulos que estejam atrelados aos juros (que pagam mais e têm menos risco). Com isso a economia fica estagnada, o desemprego se mantém, a renda cai, a inovação e o desenvolvimento cessam e a economia fica em crise. Apenas os “investidores” ganham.

Eis um dos problemas de mantermos os juros altos.


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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domingo, 12 de fevereiro de 2023

Quem deve pautar a economia brasileira?

Semana de 30 de janeiro a 05 de fevereiro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Passado o primeiro mês de governo, que foi perturbado por uma tentativa fracassada de Golpe de Estado, o presidente Lula pode voltar suas forças à prometida retomada da atividade econômica. Porém, como temos acompanhado, não é de hoje que há uma tentativa de tutela das propostas divulgadas (oficiais, oficiosas e inventadas).

O mais novo capítulo dessa história está sendo escrito agora, depois da manutenção da taxa Selic em 13,75% e da posterior declaração oficial do Copom. Nela, o Comitê tentou pautar a política fiscal (instrumento operado pelo Ministério da Fazenda) a partir da política monetária (instrumento operado pelo Banco Central). O problema é que há uma incompatibilidade momentânea entre os interesses defendidos pelo Banco Central (BC), que quer manter a Selic alta, e pelo Governo Federal, que quer baixar os juros e estimular a economia. Mas, por que há essa disputa? Quem está certo?

Desde 2019, no governo Bolsonaro, o BC goza de independência formal na busca daquilo que é estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, em especial, o controle da inflação. A pergunta que surge é: a independência é em relação ao quê? Logo respondo: essa independência se dá em relação ao Presidente do Brasil, um político eleito com a maioria dos votos da população. Em outras palavras, mesmo com o respaldo social, um político não deveria se intrometer em uma questão que seria, supostamente, técnica.

O argumento por trás disso é o seguinte: há um conjunto de variáveis macroeconômicas que dependem das expectativas dos agentes econômicos em relação aos preços (estes seriam os grandes guias das decisões das pessoas físicas e jurídicas). Através do uso de modelos econômicos que pressupõem uma realidade que não existe, um conjunto de cálculos são feitos e são estabelecidos parâmetros tidos como desejados para as referidas variáveis macroeconômicas. A partir daí, os valores calculados se tornam os guias da política monetária e qualquer coisa que fuja disso é tida como errada. Esse é o contexto do caráter “técnico” do papel do BC: por resultar de cálculos estatísticos produzidos a partir de pressupostos matemáticos, os números que saírem dali são supostamente neutros e sem a influência de interesses ou ideologias.

Não há espaço aqui para fazer uma discussão sobre a irrealidade das hipóteses que baseiam os modelos macroeconômicos. Bem como não dá para mostrar como isto decorre de uma ideologia específica, aquela que defende cegamente o mercado. Porém, é possível ver como o “mercado” usa esses instrumentos em benefício dos seus interesses.

Pergunto ao caro leitor, o BC é uma instituição realmente livre de conexões com a população brasileira? O BC é uma entidade acima de tudo e de todos? Além disso, quem são as pessoas que trabalham nessa tão nobre tarefa de exercer um trabalho tido como técnico e neutro?

O Banco Central tem uma conexão direta com uma fração muito específica e muito pequena da sociedade brasileira. Como se diz em todo começo de curso de Economia Monetária, o BC é o banco dos bancos. Em outras palavras, é a instituição responsável por organizar o sistema financeiro, basicamente. Dentre outras coisas, o BC deve criar regras e fiscalizar a ação dos empresários do ramo. Além disso, para atingir determinada meta de inflação, o BC utiliza como principal (quase-único) instrumento a taxa básica de juros. Por um lado, a taxa de juros determina o quanto os bancos ganham. Por outro, ao perseguir a meta de inflação (e outras metas), o BC consulta o “mercado” e leva em consideração suas expectativas (através do Boletim Focus). Ou seja, a ação do BC é independente de um presidente eleito, mas depende daquilo que o “mercado” diz. Para piorar, frequentemente os diretores e presidentes do BC são pessoas que trabalharam/prestaram consultoria a empresas do setor financeiro.

A independência do BC nunca foi outra coisa senão a entrega do galinheiro à raposa. Cedo ou tarde o conflito de interesses que vemos hoje surgiria. Porém, não há dúvidas que um lado está errado. É imoral que um projeto escolhido por mais de 60 milhões de pessoas esteja sendo atrapalhado por meia dúzia de banqueiros. Os representantes do povo é quem devem conduzir nossa política econômica, não o “mercado”.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Diminuem as estimativas de recessão mundial

Semana 23 a 29 de janeiro de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A histeria da guerra da Ucrânia continua crescendo. O palhaço Zelensky, travestido de presidente, obediente aos comandos do Pentágono, sedento de sangue, continua pedindo mais armas, e os velhos caquéticos generais da OTAN, babando de ódio contra a Rússia, prometem atender aos pedidos. Agora falam em tanques mais modernos a serem enviados pelos alemães, ingleses e americanos, além de misseis e artilharia. Mas ainda é pouco. São bilhões de dólares sendo queimados na guerra.

As despesas com armas começam a pesar nos orçamentos dos países da OTAN, aumentando seu endividamento. O teto dos EUA para endividamento já estourou e o governo está sendo forçado a pedir ao parlamento um crédito extraordinário. Os problemas das fontes de energia estão longe de serem resolvidos. A Rússia passou a vender seu gás e petróleo para a China e outros países da Ásia e do Pacífico. As trocas comerciais e os laços econômicos entre estes países se estreitaram. Até o Brasil sai ganhando com estas mudanças nos fluxos econômicos mundiais, coisa que o governo Lula parece disposto a explorar. Aliás, são intensas as movimentações do governo neste sentido, relançando o Brasil no universo das nações, em busca dos espaços perdidos com a estupidez do governo anterior.

A situação internacional é que não tem dado grande ajuda. Apesar disto as consultorias e órgãos internacionais melhoraram um pouco seus prognósticos para o crescimento do PIB mundial. Agora reduziram os prognósticos de recessão na União Europeia e fala-se em crescimento de 0,1% para este ano. Para os Estados Unidos, no entanto, as perspectivas continuam de recessão. A “Conference Board”, por exemplo, calcula índices antecedentes que continuam a apontar a desaceleração da economia. Os ânimos estão mais otimistas, porém, diante da esperança de que a China, apesar da abertura e do fim do programa covid zero, consiga controlar a pandemia e retomar o crescimento. 

Surgem assim esperanças de que a economia mundial não entre em recessão neste ano, embora tenha crescimento muito baixo. A nova estrela que surge para melhorar os humores é a Índia que já está sendo apontada como o novo motor da economia mundial, graças à sua população de 1,417 bilhão de habitantes (maior que a da China). Acrescente-se que é uma população jovem, pois mais de 50% dela tem menos de 30 anos.

Resumindo a semana, as notícias econômicas aparecem um pouco melhores, mas não o suficiente para elevar os prognósticos para a economia local. O crescimento por cá continua a ser estimado entre 0,5% e 0,8% para este ano.

Apesar disso o Copom na sua reunião de quarta-feira, deverá manter a Selic em 13,75%, continuando a mais elevada do mundo. O argumento é o mesmo: a inflação continua acima do topo da meta.  Os diretores do nosso Banco Central, no seu fanatismo ideológico, não conseguem escutar nem os conselhos dos seus grandes mestres Lara Resende e Joseph Stiglitz. Não conseguem perceber que taxa de juros elevadas encarecem o capital, dificultam os investimentos e, consequentemente, prejudicam a recuperação das economias. Os juros elevados favorecem o capital financeiro, os especuladores e prejudicam o capital produtivo. Não é por outra razão que entidades como a CNI e a Fiesp tanto reclamam. Por que o capital produtivo vai investir se a maior parte de seus lucros serão drenados para o pagamento dos juros?

Outro aspecto a ser considerado é o aumento do custo da dívida para o Tesouro. Em 2020 este custo representou 7,15% do PIB; em 2021, representou 8,9% do PIB e em 2022, 10,8%. Considere-se que os títulos públicos indexados à Selic representam 40% do total emitido. Com esta elevação da Selic, a dívida pública subiu de R$ 6,9 trilhões para 7,6 trilhões, comprometendo 50% da receita. Foram pagos de juros aos rentistas um montante superior à soma dos orçamentos dos ministérios da Saúde, Educação, Previdência, Ciência e Tecnologia e Segurança. Mas o BC, em sua demência “autônoma”, acha que pode reestruturar a economia mundial com a sua taxa Selic. Onde iremos parar?


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Alves, Maria Cecília Fernandes.

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