domingo, 12 de fevereiro de 2023

Quem deve pautar a economia brasileira?

Semana de 30 de janeiro a 05 de fevereiro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Passado o primeiro mês de governo, que foi perturbado por uma tentativa fracassada de Golpe de Estado, o presidente Lula pode voltar suas forças à prometida retomada da atividade econômica. Porém, como temos acompanhado, não é de hoje que há uma tentativa de tutela das propostas divulgadas (oficiais, oficiosas e inventadas).

O mais novo capítulo dessa história está sendo escrito agora, depois da manutenção da taxa Selic em 13,75% e da posterior declaração oficial do Copom. Nela, o Comitê tentou pautar a política fiscal (instrumento operado pelo Ministério da Fazenda) a partir da política monetária (instrumento operado pelo Banco Central). O problema é que há uma incompatibilidade momentânea entre os interesses defendidos pelo Banco Central (BC), que quer manter a Selic alta, e pelo Governo Federal, que quer baixar os juros e estimular a economia. Mas, por que há essa disputa? Quem está certo?

Desde 2019, no governo Bolsonaro, o BC goza de independência formal na busca daquilo que é estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, em especial, o controle da inflação. A pergunta que surge é: a independência é em relação ao quê? Logo respondo: essa independência se dá em relação ao Presidente do Brasil, um político eleito com a maioria dos votos da população. Em outras palavras, mesmo com o respaldo social, um político não deveria se intrometer em uma questão que seria, supostamente, técnica.

O argumento por trás disso é o seguinte: há um conjunto de variáveis macroeconômicas que dependem das expectativas dos agentes econômicos em relação aos preços (estes seriam os grandes guias das decisões das pessoas físicas e jurídicas). Através do uso de modelos econômicos que pressupõem uma realidade que não existe, um conjunto de cálculos são feitos e são estabelecidos parâmetros tidos como desejados para as referidas variáveis macroeconômicas. A partir daí, os valores calculados se tornam os guias da política monetária e qualquer coisa que fuja disso é tida como errada. Esse é o contexto do caráter “técnico” do papel do BC: por resultar de cálculos estatísticos produzidos a partir de pressupostos matemáticos, os números que saírem dali são supostamente neutros e sem a influência de interesses ou ideologias.

Não há espaço aqui para fazer uma discussão sobre a irrealidade das hipóteses que baseiam os modelos macroeconômicos. Bem como não dá para mostrar como isto decorre de uma ideologia específica, aquela que defende cegamente o mercado. Porém, é possível ver como o “mercado” usa esses instrumentos em benefício dos seus interesses.

Pergunto ao caro leitor, o BC é uma instituição realmente livre de conexões com a população brasileira? O BC é uma entidade acima de tudo e de todos? Além disso, quem são as pessoas que trabalham nessa tão nobre tarefa de exercer um trabalho tido como técnico e neutro?

O Banco Central tem uma conexão direta com uma fração muito específica e muito pequena da sociedade brasileira. Como se diz em todo começo de curso de Economia Monetária, o BC é o banco dos bancos. Em outras palavras, é a instituição responsável por organizar o sistema financeiro, basicamente. Dentre outras coisas, o BC deve criar regras e fiscalizar a ação dos empresários do ramo. Além disso, para atingir determinada meta de inflação, o BC utiliza como principal (quase-único) instrumento a taxa básica de juros. Por um lado, a taxa de juros determina o quanto os bancos ganham. Por outro, ao perseguir a meta de inflação (e outras metas), o BC consulta o “mercado” e leva em consideração suas expectativas (através do Boletim Focus). Ou seja, a ação do BC é independente de um presidente eleito, mas depende daquilo que o “mercado” diz. Para piorar, frequentemente os diretores e presidentes do BC são pessoas que trabalharam/prestaram consultoria a empresas do setor financeiro.

A independência do BC nunca foi outra coisa senão a entrega do galinheiro à raposa. Cedo ou tarde o conflito de interesses que vemos hoje surgiria. Porém, não há dúvidas que um lado está errado. É imoral que um projeto escolhido por mais de 60 milhões de pessoas esteja sendo atrapalhado por meia dúzia de banqueiros. Os representantes do povo é quem devem conduzir nossa política econômica, não o “mercado”.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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