Semana de 30 de janeiro a 05 de fevereiro de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Passado
o primeiro mês de governo, que foi perturbado por uma tentativa fracassada de
Golpe de Estado, o presidente Lula pode voltar suas forças à prometida retomada
da atividade econômica. Porém, como temos acompanhado, não é de hoje que há uma
tentativa de tutela das propostas divulgadas (oficiais, oficiosas e
inventadas).
O mais
novo capítulo dessa história está sendo escrito agora, depois da manutenção da
taxa Selic em 13,75% e da posterior declaração oficial do Copom. Nela, o Comitê
tentou pautar a política fiscal (instrumento operado pelo Ministério da
Fazenda) a partir da política monetária (instrumento operado pelo Banco
Central). O problema é que há uma incompatibilidade momentânea entre os
interesses defendidos pelo Banco Central (BC), que quer manter a Selic alta, e
pelo Governo Federal, que quer baixar os juros e estimular a economia. Mas, por
que há essa disputa? Quem está certo?
Desde
2019, no governo Bolsonaro, o BC goza de independência formal na busca daquilo
que é estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, em especial, o controle da
inflação. A pergunta que surge é: a independência é em relação ao quê? Logo
respondo: essa independência se dá em relação ao Presidente do Brasil, um
político eleito com a maioria dos votos da população. Em outras palavras, mesmo
com o respaldo social, um político não deveria se intrometer em uma questão que
seria, supostamente, técnica.
O
argumento por trás disso é o seguinte: há um conjunto de variáveis
macroeconômicas que dependem das expectativas dos agentes econômicos em relação
aos preços (estes seriam os grandes guias das decisões das pessoas físicas e
jurídicas). Através do uso de modelos econômicos que pressupõem uma realidade
que não existe, um conjunto de cálculos são feitos e são estabelecidos
parâmetros tidos como desejados para as referidas variáveis macroeconômicas. A
partir daí, os valores calculados se tornam os guias da política monetária e
qualquer coisa que fuja disso é tida como errada. Esse é o contexto do caráter
“técnico” do papel do BC: por resultar de cálculos estatísticos produzidos a
partir de pressupostos matemáticos, os números que saírem dali são supostamente
neutros e sem a influência de interesses ou ideologias.
Não há
espaço aqui para fazer uma discussão sobre a irrealidade das hipóteses que
baseiam os modelos macroeconômicos. Bem como não dá para mostrar como isto
decorre de uma ideologia específica, aquela que defende cegamente o mercado.
Porém, é possível ver como o “mercado” usa esses instrumentos em benefício dos
seus interesses.
Pergunto
ao caro leitor, o BC é uma instituição realmente livre de conexões com a
população brasileira? O BC é uma entidade acima de tudo e de todos? Além disso,
quem são as pessoas que trabalham nessa tão nobre tarefa de exercer um trabalho
tido como técnico e neutro?
O
Banco Central tem uma conexão direta com uma fração muito específica e muito
pequena da sociedade brasileira. Como se diz em todo começo de curso de
Economia Monetária, o BC é o banco dos bancos. Em outras palavras, é a
instituição responsável por organizar o sistema financeiro, basicamente. Dentre
outras coisas, o BC deve criar regras e fiscalizar a ação dos empresários do
ramo. Além disso, para atingir determinada meta de inflação, o BC utiliza como
principal (quase-único) instrumento a taxa básica de juros. Por um lado, a taxa
de juros determina o quanto os bancos ganham. Por outro, ao perseguir a meta
de inflação (e outras metas), o BC consulta o “mercado” e leva em consideração
suas expectativas (através do Boletim Focus). Ou seja, a ação do BC é
independente de um presidente eleito, mas depende daquilo que o “mercado” diz.
Para piorar, frequentemente os diretores e presidentes do BC são pessoas que
trabalharam/prestaram consultoria a empresas do setor financeiro.
A independência do BC nunca foi outra coisa senão a entrega do galinheiro à raposa. Cedo ou tarde o conflito de interesses que vemos hoje surgiria. Porém, não há dúvidas que um lado está errado. É imoral que um projeto escolhido por mais de 60 milhões de pessoas esteja sendo atrapalhado por meia dúzia de banqueiros. Os representantes do povo é quem devem conduzir nossa política econômica, não o “mercado”.
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes
e Nertan Gonçalves.
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