Semana de 06 a 12 de fevereiro de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Novamente,
a presente análise de conjuntura vai tratar dos juros. O motivo é que o tema
ainda está nos debates e noticiários políticos e econômicos. Desta vez, o foco
que será dado aqui é o papel dos juros em uma economia como a nossa:
capitalista e atrasada.
De uma
forma geral, o capitalismo é um sistema em que a produção dos bens e serviços
que necessitamos para sobreviver só acontece se houver também a geração de
lucro. Nessa sociedade, os empresários são as únicas pessoas que têm as
condições materiais para dar início ao processo de produção, pois detêm os
recursos monetários que possibilitam a compra das forças produtivas ou tem a
capacidade de adquiri-los.
Por
sua vez, diversos são os ramos onde os empresários podem investir seu dinheiro:
agropecuária, indústria extrativa, indústria de transformação e serviços. A
decisão de aplicar o seu capital depende menos de onde (ou como) será obtido o
lucro e mais de quanto será esse lucro e qual as chances de o investimento dar
errado. Ou seja, para os capitalistas importa mais o aspecto quantitativo (o
montante) da riqueza produzida pela humanidade do que o aspecto qualitativo (a
utilidade).
Nas
economias mais avançadas (aquelas onde as forças produtivas internas são baseadas
em tecnologia de ponta e os sistemas comercial e financeiro são mais
ramificados) há uma infinidade de possibilidades de aplicação dos recursos.
Desde setores mais dinâmicos e vanguardistas até os mais tradicionais.
Inclusive, devido ao poder econômico que alcançam, há maior facilidade de os
empresários desses países poderem espalhar seu capital pelo mundo, buscando
apenas o menor custo e, consequentemente, o maior lucro possíveis.
A
situação é diferente nas economias atrasadas (aquelas que precisam do capital
das economias avançadas para pôr sua própria economia em funcionamento). Em
economias como a brasileira há menor diversidade nas opções de investimento.
Por exemplo, não há os principais setores mais inovadores e, por isso,
rentáveis. Mesmo quando alguns setores mais dinâmicos existem, eles são
comandados por grandes empresas estrangeiras. Predominam nas economias
atrasadas os setores tradicionais (de paradigmas tecnológicos anteriores e/ou
atividades primárias), bem como os serviços. Assim, as possibilidades de
investimento são menores.
Somado
a isso, independentemente do país, há uma outra fonte de renda que não faz
parte da dinâmica normal do mercado, mas faz parte dos interesses de aplicação
dos capitalistas: o Estado. Como se sabe, o Estado pode obter dinheiro através
dos tributos cobrados à população ou pode se endividar. É precisamente neste
endividamento que surge uma via “alternativa” de aplicação do capital.
Voltando
aos riscos associados a qualquer investimento, um empresário pode colocar seu
dinheiro na produção de gado, por exemplo. Ao fazer isto, ele se expõe à
possibilidade de chegada de uma doença que dizime o rebanho ou a uma intempérie
que acabe com o pasto. Ao tentar desenvolver um novo remédio, uma empresa
farmacêutica corre o risco de nunca encontrar uma fórmula eficaz para uma
doença qualquer. Ao investir em microchips, uma empresa pode se deparar com a
falta de matérias-primas para o andamento do processo.
No
caso do dinheiro emprestado ao Estado, especificamente o endividamento em moeda
local, a situação é muito diferente. Em última instância (o que é uma medida
absolutamente extrema e indesejável), o Estado pode emitir moeda para pagar
suas dívidas. Antes disso, como temos visto desde o Plano Real, os diversos
governos se esforçaram em garantir o pagamento dos juros da dívida pública
federal. É muito comum vermos os famosos contingenciamentos no orçamento para
garantir o superávit primário (ou a redução do déficit). Até as verbas para
educação e saúde já foram reduzidas.
Voltando
ao montante de lucro que desejam ganhar, ao perceberem que os juros pagos pelo
Estado são suficientemente altos, os empresários que estariam cogitando
investir em fábricas, em tecnologia, em inovação, em pesquisa etc. deixam de
aplicar o dinheiro no setor produtivo e passam a aplicar em títulos que estejam
atrelados aos juros (que pagam mais e têm menos risco). Com isso a economia
fica estagnada, o desemprego se mantém, a renda cai, a inovação e o
desenvolvimento cessam e a economia fica em crise. Apenas os “investidores”
ganham.
Eis um dos problemas de mantermos os juros altos.
[i] Professor
do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes
e Nertan Gonçalves.
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