quinta-feira, 18 de maio de 2023

O lugar da ciência econômica na luta de classes

Semana de 08 a 14 de maio de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Com outras palavras, um velho barbudo que vivera no Século XIX disse que a luta de classes se dá em três níveis distintos: o econômico, o político e o ideológico. Cada um dos níveis tem suas peculiaridades, sendo que um deles é a base dos demais.

Antes de mais nada, uma classe é definida como um agrupamento de pessoas que se assemelham entre si pelos seguintes fatores: posição que ocupa na organização do trabalho em um dado sistema produtivo historicamente determinado; propriedade (ou não) dos meios de produção; grandeza e modo como se apropriam da riqueza social.

Como o leitor pode deduzir, isso está diretamente associado às condições de produção e de apropriação da riqueza em determinado momento histórico. Assim, essa classificação é de ordem econômica e estabelece a divisão fundamental entre as classes sociais. No capitalismo, a mais famosa divisão é entre capitalistas e trabalhadores, sendo que a disputa entre eles pela apropriação da riqueza é a luta de classes em nível econômico. Através dos sindicatos (patronais e laborais), esta luta existe porque cada grupo busca aumentar sua fatia da riqueza social.

Dentro dessas “grandes classes” há diversas subdivisões. Banqueiros, por exemplo, se diferenciam dos Comerciantes e dos Industriais pela forma como contribuem para o funcionamento do capitalismo e, por isso, se apropriam da riqueza de forma diferente. Mesmo dentre os Industriais há as mais diversas atividades, com suas características próprias. Isto significa que, frequentemente, há conflitos entre as frações da mesma classe social na hora de se apropriarem de sua parte da riqueza. Por exemplo, quanto maiores os juros, maior a riqueza apropriada pelos banqueiros. Porém, menor é o lucro dos demais capitalistas que precisam de crédito para manter seus negócios.

Na política, a luta de classes se dá em outro nível. O elemento econômico é a base e dele surge a necessidade da disputa política. Na medida em que os integrantes de uma classe social (e suas frações) vão construindo sua consciência sobre si, as lutas individuais vão se tornando coletivas e se tornando lutas gerais da sociedade. Essas lutas são travadas tanto na estrutura que vai se institucionalizando (Estado, governo, partido etc.), quanto em outras ações coletivas organizadas (movimentos sociais, ONGs etc.). Como exemplo mais explícito da disputa institucionalizada temos a Lei da Usura, de 1933. Ela impôs o limite de 12% para a taxa de juros brasileira. Ela só caiu no início da década de 1990, quando a indústria perdeu o papel de principal setor da economia para os bancos e para o capital financeiro. Nessa linha, as reformas e leis recentes têm a mesma essência. Institucionalizadas através da política, elas garantem ganhos econômicos para a classe capitalista e/ou alguma(s) das suas frações: trabalhista, previdenciária, arcabouço fiscal, independência do banco central, marco do saneamento etc.

Em último nível, temos a luta de classes no âmbito ideológico. Aqui, a luta se dá no campo das ideias, através da construção do conjunto de crenças que formam a consciência dos indivíduos sobre cada classe, seja a sua ou as demais. Quando uma pessoa pertencente a uma classe se alinha ideologicamente a outra, a isto chamamos de alienação de classe (defender os interesses de uma classe, não faz uma pessoa pertencer a ela). Na prática, vários são os palcos dessa disputa: desde o cultural até o científico.

Pode não parecer, mas a ciência, sim, é um palco da luta de classes. Não é por acaso que o desenvolvimento de agrotóxicos e transgênicos é mais pesquisado do que a produção orgânica. Não é por acaso, também, que as teorias econômicas que norteiam as decisões do Banco Central são aquelas que se alinham aos interesses do mercado financeiro. Por mais que uma área do conhecimento, uma teoria ou um método de análise pareçam “neutros” e “técnicos”, a escolha do que será pesquisado ou considerado “adequado” resulta de decisões com fins econômicos bem delimitados. As teses desenvolvimentistas foram adequadas aos interesses dos industriais no século passado. O monetarismo de Chicago tem sido adequado ao setor financeiro desde os anos 1980.

A ciência econômica sempre teve a função de legitimar as medidas estatais que atendem os interesses de determinada classe social, dando-lhes a aparência de decisão puramente técnica. Além disso, por ser restrita a poucos conhecedores, a ciência econômica também serve para excluir as massas da luta pela apropriação da riqueza.

Como economista, tenho a obrigação de deixar isto claro.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Lucas Santos, Thomaz Cisneros, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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