quarta-feira, 3 de maio de 2023

O poder das grandes corporações (versão século XXI)

Semana de 24 a 30 de abril de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Há pouco mais de um ano, o Ministério da Saúde lançou uma exposição intitulada “O controle do tabaco no Brasil: uma trajetória” (link). Com mais de 100 páginas, o material serve para fazermos um paralelo entre a exploração do tabaco, o poder da grande indústria do cigarro e a pressão que as Big Techs estão exercendo no Brasil hoje.

Utilizado pela humanidade desde tempos imemoriais, o tabaco esteve presente na cultura de diversas civilizações. Seu uso era dos mais variados e as pessoas mascavam, cheiravam rapé ou mesmo tinham um trabalho considerável para fumá-los em cachimbos. Porém, em meados do século XIX, nos EUA, inicia-se o processo de industrialização do tabaco. Com isso, como ponta do iceberg, surge o cigarro industrializado, o qual ganha sua primeira máquina de produção em massa em 1881.

As duas Guerras Mundiais, por sua vez, foram o grande “garoto propaganda” do produto. Além disso, a indústria do cigarro utilizou dois outros canais de marketing para seus produtos. O primeiro foram as artes, em todas as suas dimensões, mas, principalmente, o cinema. O segundo foi, por um lado, o financiamento de “estudos científicos” que não encontravam o mal do cigarro à saúde e, por outro, o financiamento (até hoje) de organizações não governamentais que parecem querer o fim do cigarro, só que não (link). Soma-se a isso toda pressão que essa indústria (ainda) exerce sobre políticos e bancadas em cada país onde atua, incluindo o Brasil. Particularmente aqui, isto se refletiu na forma como nós brasileiros regulamos a indústria do cigarro.

Pesquisas embrionárias da década de 1920 já levantavam suspeitas de que o cigarro faria mal à saúde. Porém, foi apenas nos anos 1950 que vieram à tona estudos mais robustos que comprovavam a relação entre o cigarro e o câncer. No Brasil, a primeira tentativa de legislar sobre o assunto veio em 1965, com uma lei que obrigava as empresas a alertarem seus clientes sobre os males que o cigarro traz à saúde. Em 1971 foi sancionada uma lei que proibia, parcialmente, a propaganda do cigarro em rádio e televisão. Já em 1973, um fato marcou a história da aviação: um avião da Varig saiu do Rio de Janeiro e caiu em Paris por conta de uma piola de cigarro que incendiou quase toda a aeronave. Mesmo assim, apesar do total de 123 mortos, apenas no fim da década de 1990 é que fumar em voos foi proibido no Brasil. Por sua vez, com o objetivo de proteger os “fumantes passivos”, fumar em locais fechados (com exceção dos “fumódromos”) só foi proibido em 1996. Contudo, isto só se tornou uma prática universal no país com um decreto de 2014.

O objetivo deste brevíssimo resgate foi traçar um paralelo com o que estamos vivenciando hoje, com a regulamentação das redes sociais. Tanto no Brasil quanto no resto do mundo, vemos os males que a internet (em geral) e as redes sociais (em particular) tem trazido, ao se tornarem espaços para reunião, organização e meio de aprendizado de diversos atos criminosos. Mesmo na chamada “surface web” (a internet que a maioria de nós usamos todos os dias) se encontra de tudo, até registros audiovisuais de crimes cometidos fora da internet (incluindo massacres a escolas e templos religiosos). Hoje, o maior canal de comunicação dessa gente são as redes sociais.

O que está se buscando fazer no Brasil (tal como já foi feito na Europa), é estabelecer “obrigações a serem seguidas por redes sociais, aplicativos de mensagens e ferramentas de busca na sinalização e retirada de contas e conteúdos considerados criminosos” (Fonte: Agência Câmara de Notícias). A lógica para se entender a importância disso é bem simples: se um usuário está cometendo algum crime previsto na legislação brasileira, que haja um protocolo estabelecido pelo Estado brasileiro para sua devida identificação. Hoje não há protocolos e as próprias empresas decidem o que fazer. Claro, isso frequentemente se torna um entrave à própria justiça brasileira.

Tal como no século XX, salvas as devidas proporções, estamos enfrentando uma luta política que reflete uma disputa fundamentalmente econômica. De um lado estão as grandes corporações monopolistas de um setor que busca sua “liberdade” para a explorar seu produto, mesmo que isto custe milhares ou milhões de vidas humanas (afinal, seu lucro é o mais importante). Do outro está a sociedade, que já compreendeu os males que este produto pode trazer. A história da indústria do cigarro está aí para nos inspirar e não deixarmos a regulamentação das redes para o fim do século XXI. Torço e luto para que o dinheiro e o obscurantismo não vençam de novo...


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Thomaz Cisneros, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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