Semana de 24 a 30 de abril de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Há
pouco mais de um ano, o Ministério da Saúde lançou uma exposição intitulada “O
controle do tabaco no Brasil: uma trajetória” (link). Com mais de 100 páginas, o
material serve para fazermos um paralelo entre a exploração do tabaco, o poder
da grande indústria do cigarro e a pressão que as Big Techs estão exercendo no
Brasil hoje.
Utilizado
pela humanidade desde tempos imemoriais, o tabaco esteve presente na cultura de
diversas civilizações. Seu uso era dos mais variados e as pessoas mascavam,
cheiravam rapé ou mesmo tinham um trabalho considerável para fumá-los em
cachimbos. Porém, em meados do século XIX, nos EUA, inicia-se o processo de
industrialização do tabaco. Com isso, como ponta do iceberg, surge o cigarro
industrializado, o qual ganha sua primeira máquina de produção em massa em
1881.
As
duas Guerras Mundiais, por sua vez, foram o grande “garoto propaganda” do
produto. Além disso, a indústria do cigarro utilizou dois outros canais de
marketing para seus produtos. O primeiro foram as artes, em todas as suas
dimensões, mas, principalmente, o cinema. O segundo foi, por um lado, o
financiamento de “estudos científicos” que não encontravam o mal do cigarro à
saúde e, por outro, o financiamento (até hoje) de organizações não
governamentais que parecem querer o fim do cigarro, só que não (link). Soma-se a isso toda pressão que
essa indústria (ainda) exerce sobre políticos e bancadas em cada país onde
atua, incluindo o Brasil. Particularmente aqui, isto se refletiu na forma como
nós brasileiros regulamos a indústria do cigarro.
Pesquisas
embrionárias da década de 1920 já levantavam suspeitas de que o cigarro faria
mal à saúde. Porém, foi apenas nos anos 1950 que vieram à tona estudos mais
robustos que comprovavam a relação entre o cigarro e o câncer. No Brasil, a
primeira tentativa de legislar sobre o assunto veio em 1965, com uma lei que
obrigava as empresas a alertarem seus clientes sobre os males que o cigarro
traz à saúde. Em 1971 foi sancionada uma lei que proibia, parcialmente, a
propaganda do cigarro em rádio e televisão. Já em 1973, um fato marcou a
história da aviação: um avião da Varig saiu do Rio de Janeiro e caiu em Paris
por conta de uma piola de cigarro que incendiou quase toda a aeronave. Mesmo
assim, apesar do total de 123 mortos, apenas no fim da década de 1990 é que
fumar em voos foi proibido no Brasil. Por sua vez, com o objetivo de proteger
os “fumantes passivos”, fumar em locais fechados (com exceção dos “fumódromos”)
só foi proibido em 1996. Contudo, isto só se tornou uma prática universal no
país com um decreto de 2014.
O
objetivo deste brevíssimo resgate foi traçar um paralelo com o que estamos
vivenciando hoje, com a regulamentação das redes sociais. Tanto no Brasil
quanto no resto do mundo, vemos os males que a internet (em geral) e as redes
sociais (em particular) tem trazido, ao se tornarem espaços para reunião,
organização e meio de aprendizado de diversos atos criminosos. Mesmo na chamada
“surface web” (a internet que a maioria de nós usamos todos os dias) se
encontra de tudo, até registros audiovisuais de crimes cometidos fora da
internet (incluindo massacres a escolas e templos religiosos). Hoje, o maior
canal de comunicação dessa gente são as redes sociais.
O que
está se buscando fazer no Brasil (tal como já foi feito na Europa), é estabelecer
“obrigações a serem seguidas por redes sociais, aplicativos de mensagens e
ferramentas de busca na sinalização e retirada de contas e conteúdos
considerados criminosos” (Fonte: Agência Câmara de Notícias). A lógica para se
entender a importância disso é bem simples: se um usuário está cometendo algum
crime previsto na legislação brasileira, que haja um protocolo estabelecido
pelo Estado brasileiro para sua devida identificação. Hoje não há protocolos e
as próprias empresas decidem o que fazer. Claro, isso frequentemente se torna
um entrave à própria justiça brasileira.
Tal como no século XX, salvas as devidas proporções, estamos enfrentando uma luta política que reflete uma disputa fundamentalmente econômica. De um lado estão as grandes corporações monopolistas de um setor que busca sua “liberdade” para a explorar seu produto, mesmo que isto custe milhares ou milhões de vidas humanas (afinal, seu lucro é o mais importante). Do outro está a sociedade, que já compreendeu os males que este produto pode trazer. A história da indústria do cigarro está aí para nos inspirar e não deixarmos a regulamentação das redes para o fim do século XXI. Torço e luto para que o dinheiro e o obscurantismo não vençam de novo...
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Thomaz Cisneros,
Letícia Rocha e Raquel Lima.
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