sexta-feira, 14 de julho de 2023

Enfim, a primeira parte da reforma tributária

Semana de 03 a 09 de julho de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

O último “sextou” do brasileiro foi diferente. O caro leitor deve ter acompanhado a festa e ouvido as trombetas em comemoração à aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. De fato, como alguns anunciaram, aquele 07 de julho foi um dia histórico. Caso tudo ande dentro do esperado no Senado, a reforma deve começar a ser implementada em 2026, sendo completamente finalizada em 2078, quando termina o prazo de 50 anos de mudança gradual no local de cobrança dos impostos (que sai do local de produção e vai para o da compra do produto).

As bases do atual sistema tributário brasileiro foram implementadas ainda nos primeiros anos da Ditadura que sucedeu o Golpe de 1964. Como coincidência histórica, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, foi um dos líderes das chamadas “reformas estruturais” ocorridas no período. O famoso Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) reformou não só o sistema tributário, mas também o sistema financeiro brasileiro. Dentre outros elementos de ordem fiscal, foi com ele que surgiram: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, que depois virou ICMS), o Imposto Sobre Serviços (ISS), o Fundo de Participação dos Estados e Municípios (que garante a transferência de recursos federais para esses entes) e um conjunto de mecanismos de incentivos e isenções concedidos a setores considerados estratégicos. A Constituição de 1988 mudou pouca coisa em relação a esta forma de arrecadação, mas garantiu maior descentralização quanto a distribuição dos recursos.

Falando em forma de arrecadação, dentre outras coisas, vale destacar que esta reforma tributária recém aprovada pelos Deputados busca simplificar os impostos sobre o consumo (imposto embutido no preço de venda dos produtos) e muda algumas regras dos impostos sobre propriedade (IPTU, herança e IPVA). Ao entrar em funcionamento, de fato, a proposta vai simplificar muito a vida dos empresários. São eles quem repassam ao fisco os cinco tributos sobre o consumo, mas, ao entrarem no preço, quem termina pagando são os consumidores finais. Os tributos serão convertidos em dois: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui os federais PIS, COFINS e IPI; e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substitui os locais ICMS e ISS.

Para o consumidor final, há a promessa de que os preços irão se reduzir. O motivo é que os novos tributos vão incidir apenas sobre o que chamamos de valor adicionado. No cálculo de qualquer empresa, o preço ao produtor é composto pelos custos de produção (que correspondem aos gastos com os insumos consumidos, os quais já têm imposto embutido) mais o valor que é adicionado no processo de produção (que vai virar lucro, tributos etc.).

Atualmente, os impostos incidem sobre o preço total “cheio”. Por exemplo, grosso modo, se o preço para o produtor de uma camisa é R$ 100 e a alíquota do imposto é de 20%, o valor do imposto pago será de R$ 20. Ou seja, o preço pago pelo consumidor final será de R$ 120 (R$ 100 + 20% sobre R$ 100). Isso é o que chamamos de cobrança em cascata: o imposto incide novamente sobre insumos que já “pagaram” seus impostos.

Com a reforma, a tributação incidirá apenas sobre o valor adicionado. Por exemplo, se dos R$ 100 do preço da camisa, R$ 80 for custo de produção e R$ 20 for de valor adicionado, e mantendo a alíquota do imposto de 20%, o valor do imposto pago será de R$ 4. Assim, o preço da camisa ao consumidor final será de R$ 104 (R$ 100 + 20% sobre R$ 20). Este é o famoso IVA (Imposto sobre Valor Adicionado), considerado o mais moderno e o mais praticado nas demais economias do mundo (mais de 170 países).

Naturalmente, dois fatores podem não garantir a queda nos preços. O primeiro é o governo estabelecer uma alíquota que mantenha o valor final do imposto. Pelo exemplo, para manter o imposto em R$ 20, a alíquota do IVA seria de 100%. Outro fator é o repasse de imposto por parte dos empresários. A depender do poder de controlar o mercado, eles podem manter os preços, mesmo que haja alguma redução nos impostos cobrados.

O próximo passo, tal como aprovado pela Câmara, é aguardar a reforma na tributação que incide sobre a renda (que deve ser enviada em até 180 dias). Em relação a este assunto, recomendo uma análise que fiz em 2020, mas que se mantém absolutamente atual (https://progeb.blogspot.com/2020/02/alguns-pontos-sobre-reforma-tributaria.html). Agora é torcer para que o governo continue a vencer as batalhas com o Congresso Nacional; e que venha a reforma socialmente justa, porque a de agora ainda não é.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha, Lucas Santos e Valentine Moura.

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