Semana de 03 a 09 de julho de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
O
último “sextou” do brasileiro foi diferente. O caro leitor deve ter acompanhado
a festa e ouvido as trombetas em comemoração à aprovação da reforma tributária
na Câmara dos Deputados. De fato, como alguns anunciaram, aquele 07 de julho
foi um dia histórico. Caso tudo ande dentro do esperado no Senado, a reforma
deve começar a ser implementada em 2026, sendo completamente finalizada em
2078, quando termina o prazo de 50 anos de mudança gradual no local de cobrança
dos impostos (que sai do local de produção e vai para o da compra do produto).
As
bases do atual sistema tributário brasileiro foram implementadas ainda nos
primeiros anos da Ditadura que sucedeu o Golpe de 1964. Como coincidência
histórica, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, foi um dos
líderes das chamadas “reformas estruturais” ocorridas no período. O famoso
Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) reformou não só o sistema tributário,
mas também o sistema financeiro brasileiro. Dentre outros elementos de ordem
fiscal, foi com ele que surgiram: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias
(ICM, que depois virou ICMS), o Imposto Sobre Serviços (ISS), o Fundo de
Participação dos Estados e Municípios (que garante a transferência de recursos
federais para esses entes) e um conjunto de mecanismos de incentivos e isenções
concedidos a setores considerados estratégicos. A Constituição de 1988 mudou
pouca coisa em relação a esta forma de arrecadação, mas garantiu maior
descentralização quanto a distribuição dos recursos.
Falando
em forma de arrecadação, dentre outras coisas, vale destacar que esta reforma
tributária recém aprovada pelos Deputados busca simplificar os impostos sobre o
consumo (imposto embutido no preço de venda dos produtos) e muda algumas regras
dos impostos sobre propriedade (IPTU, herança e IPVA). Ao entrar em
funcionamento, de fato, a proposta vai simplificar muito a vida dos
empresários. São eles quem repassam ao fisco os cinco tributos sobre o consumo,
mas, ao entrarem no preço, quem termina pagando são os consumidores finais. Os
tributos serão convertidos em dois: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS),
que substitui os federais PIS, COFINS e IPI; e Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), que substitui os locais ICMS e ISS.
Para o
consumidor final, há a promessa de que os preços irão se reduzir. O motivo é
que os novos tributos vão incidir apenas sobre o que chamamos de valor
adicionado. No cálculo de qualquer empresa, o preço ao produtor é composto
pelos custos de produção (que correspondem aos gastos com os insumos consumidos,
os quais já têm imposto embutido) mais o valor que é adicionado no processo de
produção (que vai virar lucro, tributos etc.).
Atualmente,
os impostos incidem sobre o preço total “cheio”. Por exemplo, grosso modo, se o
preço para o produtor de uma camisa é R$ 100 e a alíquota do imposto é de 20%,
o valor do imposto pago será de R$ 20. Ou seja, o preço pago pelo consumidor
final será de R$ 120 (R$ 100 + 20% sobre R$ 100). Isso é o que chamamos de
cobrança em cascata: o imposto incide novamente sobre insumos que já “pagaram”
seus impostos.
Com a
reforma, a tributação incidirá apenas sobre o valor adicionado. Por exemplo, se
dos R$ 100 do preço da camisa, R$ 80 for custo de produção e R$ 20 for de valor
adicionado, e mantendo a alíquota do imposto de 20%, o valor do imposto pago
será de R$ 4. Assim, o preço da camisa ao consumidor final será de R$ 104 (R$
100 + 20% sobre R$ 20). Este é o famoso IVA (Imposto sobre Valor Adicionado),
considerado o mais moderno e o mais praticado nas demais economias do mundo
(mais de 170 países).
Naturalmente,
dois fatores podem não garantir a queda nos preços. O primeiro é o governo
estabelecer uma alíquota que mantenha o valor final do imposto. Pelo exemplo,
para manter o imposto em R$ 20, a alíquota do IVA seria de 100%. Outro fator é
o repasse de imposto por parte dos empresários. A depender do poder de
controlar o mercado, eles podem manter os preços, mesmo que haja alguma redução
nos impostos cobrados.
O próximo passo, tal como aprovado pela Câmara, é aguardar a reforma na tributação que incide sobre a renda (que deve ser enviada em até 180 dias). Em relação a este assunto, recomendo uma análise que fiz em 2020, mas que se mantém absolutamente atual (https://progeb.blogspot.com/2020/02/alguns-pontos-sobre-reforma-tributaria.html). Agora é torcer para que o governo continue a vencer as batalhas com o Congresso Nacional; e que venha a reforma socialmente justa, porque a de agora ainda não é.
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha, Lucas
Santos e Valentine Moura.
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