quarta-feira, 19 de julho de 2023

Sofrendo com a herança maldita

Semana 10 a 16 de julho de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A primeira etapa da reforma tributária foi finalmente concluída, mas ainda há muito trabalho pela frente. Mais uma vez foi demonstrada a grande habilidade do atual governo de formar consensos e negociar. No entanto é um grande engano pensar que esta reforma representou algo progressista que contribuiu para reduzir as desigualdades e injustiças tributárias no país. Foi uma reforma para apenas arrumar a casa e muito ainda terá de ser feito. Temos de esperar as negociações no Senado, a volta para a Câmara e a assinatura do presidente. Depois das férias será a finalização do arcabouço fiscal, e o Legislativo poderá voltar à normalidade. Poderemos nos ocupar com as decisões a serem tomadas no Judiciário, o andamento das punições aos golpistas que, esperamos, sejam muito rigorosas e, certamente, com os movimentos da economia.

Por enquanto as coisas correm bastante bem. A equipe do governo tem sido capaz de acalmar o “mercado” e o ambiente de tragédia que a direita anunciava vai sendo levado ao ridículo. A bolsa anda calma, o dólar se desvaloriza, os investimentos retornam, os agiotas da Faria Lima baixam a crista e começam a cacarejar e abanar o rabinho. Até conhecidos reacionários estão tecendo elogios ao governo e, particularmente, ao Haddad, ministro da Fazenda, o que não deixa de ser um motivo de preocupação. A desaceleração da inflação está contribuindo para isto e colocando o Banco Central (BC) em maus lençóis. As justificativas para a manutenção da Selic nos 13,75% atuais estão acabando. Resta apenas a demência ideológica do Campos Neto.

Além da questão dos juros altos e da escassez do crédito, o governo central tem três grandes problemas a enfrentar: a herança maldita do governo anterior, que exige dispêndio de energias com a reconstrução do Estado, a fase de crise do ciclo econômico e a tumultuada situação internacional provocada principalmente pela guerra na Ucrânia.

Confesso não partilhar do otimismo do ministro Haddad que, entusiasmado com o IPCA de junho, que alcançou 3,16% no acumulado de 12 meses, afirmou: “O Brasil hoje está na melhor situação possível e nós temos tudo para começar um ciclo novo de desenvolvimento”. Na verdade, o índice oficial da inflação do país caiu apenas 0,08% em junho. Muito pouco para justificar o otimismo do ministro que pode ser perdoado diante das teorias econômicas em voga. Acreditam que são “as expectativas” que levam os capitalistas ao investimento. Por isto, todos os ministros da Fazenda são mais ou menos mentirosos. Tem a ilusão de assim criar “expectativas” positivas que levam naturalmente ao crescimento da economia: ingenuidade, má fé ou cegueira ideológica.

A queda da inflação não permite muitas comemorações, pois se deveu fundamentalmente a dois fatores: a queda dos preços do petróleo, que fez cair os preços dos combustíveis, com repercussão sobre os preços dos alimentos (-0,7%) e dos transportes (-0,4%) e o programa do governo com subsídios na compra de veículos (queda de 2,8% nos preços). O IBGE também identifica a influência da desvalorização do dólar nos preços da alimentação e dos eletrodomésticos e eletrônicos.

Apesar da desaceleração da inflação as perspectivas não são muito boas. O Indice de Atividade Econômica Stone Varejo, calculado pela Stone e pelo Instituto Propague, mostrou uma queda das vendas no varejo, de 4,2%, no primeiro semestre, e de 0,1% em junho. Os pesquisadores apontam como causas a inadimplência dos consumidores e a renda das famílias muito comprometida, problemas que permanecem agravados pelo aperto monetário provocado pelo BC.

No que se refere à indústria a situação também não é das melhores. A produção física da indústria de transformação recuou 1,2% no primeiro trimestre segundo cálculos do Iedi. Para o setor de máquinas, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimac) mudou suas projeções para baixo prevendo uma queda de 3,4% para este ano.

Eis as consequências da herança maldita deixada por um desgoverno incompetente, por um lado, e por uma situação econômica adversa, por outro.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Raquel Lima, Helen Tomaz, Gustavo Figueiredo e Letícia Rocha.

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