Semana de 06 a 12 de novembro de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Normalmente,
quando os noticiários falam de orçamento público, vem logo um “especialista”
comparando os gastos do governo com as despesas de uma família. A história é
sempre a mesma: uma versão contando o que está errado e outra, o certo.
O
errado: uma família gastar mais do que recebe de renda todo mês. Se isso
acontecer, ela se endivida (normalmente no cartão de crédito) e vai ter mais
despesas a pagar nos próximos meses. Se assim continuar, no fim das contas não
sobra dinheiro para nada e o nome vai parar no SPC e no Serasa. O certo: uma
família gastar menos do que recebe de salário todo mês. Assim, ela faz uma
poupança e pode gastar essa sobra de várias formas: viagens, bens de consumo,
serviços especializados etc. Se for o caso de se endividar, que a parcela caiba
no orçamento e não ultrapasse a receita total.
Idealmente,
ou seja, havendo renda suficiente para tal, este pensamento está correto, para
o caso de uma família. Contudo, pensar da mesma forma, quando se trata do
orçamento público, está muito errado.
Para
falar sobre isso, é preciso recorrer a um pouco de teoria econômica. O primeiro
ponto é entender que uma família é apenas uma ínfima parte da sociedade. Assim,
ela normalmente não representa quase nada em relação ao total da economia. Em
outas palavras: o aumento, ou a redução do seu consumo individual, em quase
nada influencia o funcionamento do restante da economia. Com o “governo”
(principalmente em nível federal, mas também estadual e municipal) acontece o
contrário. Seus gastos exercem um efeito considerável sobre a economia, nos
respectivos níveis.
Se uma
família reforma sua casa, ela compra uma pequena quantidade de materiais na
casa de material de construção do bairro, contrata (se muito) alguns pedreiros
e aluga alguns instrumentos de trabalho. Se o “governo” resolve reformar sua
casa, ou seja, se resolve melhorar a infraestrutura física, é necessário
mobilizar uma quantidade enorme de recursos humanos e materiais. É possível,
que as encomendas ocupem integralmente a capacidade produtiva de algumas
fábricas. Estas, por sua vez, precisam comprar mais matérias-primas e contratar
mais trabalhadores. Com mais pessoas empregadas, é necessário produzir mais
bens de consumo. Com isso, novas fábricas entram em funcionamento, mais
máquinas, equipamentos e insumos são requeridos e mais trabalhadores contratados.
Esta é
a descrição daquilo que os economistas chamam de efeito multiplicador da
produção: o efeito que é gerado pela aquisição de algum bem ou serviço, sobre a
produção dos diversos setores da economia. O leitor atento, porém, vai logo
indagar: mas, é válido comparar o “efeito multiplicador” de uma única família
com o do governo? Não seria também desonestidade intelectual? Sim, de fato. E
este é um dos motivos pelos quais não devemos comparar o orçamento
governamental com o de uma família. E isso leva a uma outra questão teórica.
A
riqueza de uma sociedade é fruto direto da sua própria produção. Ou seja,
quanto mais desenvolvida a estrutura produtiva, maior a riqueza que ela será
capaz de produzir. Como os “governos” são entidades capazes de mobilizar uma
quantidade enorme de recursos produtivos, cada R$ 1,00 gasto mobilizará uma
quantidade ainda maior de riqueza na economia. Por exemplo, segundo dados de
2020, para manter a Administração Pública, Defesa e Seguridade Social, de cada
R$ 1,00 gasto pelo governo, gerou-se um efeito multiplicador de R$ 1,38 sobre a
economia como um todo (com a compra de alimentos, equipamentos, contratação de
serviços etc.). No caso da Educação pública, o multiplicador foi de R$ 1,22 e
da Saúde Pública, R$ 1,54.
Por um
lado, é óbvio que os “governos” não podem gastar à toa e sem controle. Cada
gasto tem um efeito específico sobre a economia. Por outro, não é absurdo
afirmar que alguns tipos de despesas podem estar acima do orçamento, desde que
seja por um período limitado, breve e com os devidos cálculos do
custo-benefício social.
Essa lógica é ainda mais urgente quando a economia está estagnada e produtivamente desestruturada, como no nosso caso atual. Neste momento, um déficit fiscal é benéfico e pode se fazer necessário.
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula,
Valentine de Moura, Helen Tomaz, Gustavo Figueiredo e Letícia Rocha.
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