sábado, 4 de novembro de 2023

O que é a industrialização e por que ela ainda importa?

Semana de 23 a 29 de outubro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Alternando as análises semanais entre denúncias do genocídio em Gaza e observações do que tem acontecido no Brasil, hoje esta coluna vai falar sobre um fenômeno que foi badalado no século passado, esquecido na “virada do milênio”, mas que retornou aos debates públicos no Brasil e no mundo: a industrialização.

Quando pensamos em indústria, normalmente nos vem à cabeça uma mega estrutura composta por grandes prédios, cheios de máquinas, equipamentos, insumos e operários. Juntos, esse capital produtivo cria a maior parte das mercadorias que chegam às nossas casas. Não à toa, também associamos à indústria um conjunto de elementos ligados à pesquisa, desenvolvimento e inovação. É dela que irradiam novos materiais e produtos e novas formas de consumo e de produção. Ou seja, a indústria é uma das grandes responsáveis pela produção da riqueza social na forma de produtos que satisfazem nossas necessidades mais peculiares. Elas produzem os chamados bens de consumo.

Imaginemos a situação na qual um país dispõe de um grande número de indústrias atuantes neste departamento produtor de bens de consumo. Naturalmente, as pessoas de lá teriam boa parte de suas necessidades atendidas domesticamente. É o caso da indústria automobilística instalada no Brasil, que nos fornece a maior parte dos carros e motos que transitam por aqui. Também é o caso da maioria das montadoras de eletrodomésticos e fabricantes de produtos plásticos.

Contudo, essa é apenas uma parte da história. Como se diz, é só a ponta do iceberg. E é aí que a coisa complica. Para produzir automóveis, por exemplo, é preciso de insumos de diversos tipos e formatos: plástico, borracha, vidro, metal, elétricos, eletrônicos, etc. Sem isso o carro não existe. O mesmo pode ser dito dos eletrodomésticos e até dos utensílios plásticos. Ou seja, para a indústria de bens de consumo existir, é necessária a indústria produtora de matérias-primas.

Mas esse ainda não é o fim. Seja para a produção bens de consumo ou de insumos, outro tipo de capital produtivo estritamente necessário é o chamado capital fixo. Essa é a parte da fábrica que corresponde às instalações duradouras, ou seja, aquela parte do capital produtivo que permanece funcionando diariamente por anos. Alguns exemplos são: máquinas e equipamentos, edificações, vias de comunicação e transporte, armazenamento de materiais, etc. Ou seja, para as indústrias de bens de consumo e de insumos existirem, é necessária a indústria produtora de capital fixo.

Por isso mesmo, não podemos chamar a mera produção industrial de industrialização, pois elas não são palavras sinônimas. A produção industrial nada mais é do que a soma de tudo o que as plantas fabris de um país produziram, em um período determinado de tempo, não importando a conexão entre as mais diferentes atividades que produzem bens manufaturados. Por sua vez, a industrialização corresponde ao processo de criação de fábricas, que formam os elos produtivos que conectam as mais diversas atividades industriais, tanto as produtoras de bens de consumo, quanto aquelas que produzem insumos e capital fixo. É exatamente isto que o Brasil vem perdendo, desde a década de 1980.

Por mais que as tecnologias que lideraram a industrialização tenham mudado ao longo da história (carvão, vapor, combustão, química pesada, aço e, hoje, tecnologias da informação e comunicação), elas vão se assentando umas sobre as outras. Nesse processo, os paradigmas mais novos vão repaginando os antigos e, por isso mesmo, eles se complementam em maior ou menor grau. Por exemplo, o aço surge na virada do século XIX para o século XX. Porém, sem ele não teríamos as máquinas que produzem os microprocessadores.

No governo atual, o Brasil discute o que chamou de neoindustrialização, uma tentativa de renovar o tecido industrial nacional. Isto é absolutamente necessário, pois a indústria é a locomotiva da renda na esmagadora maioria dos países avançados. O problema é que algumas questões precisam ser respondidas: quais elos das cadeias produtivas mais avançadas será necessário implementar? Quem deve liderar esse processo, nossa burguesia, que é majoritariamente agrária e subalterna, o capital estrangeiro, que pouco ou nada tem a ver com os interesses nacionais, ou o Estado, que sequer pode fazer um déficit orçamentário? E essa é só uma parte do dilema.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Valentine de Moura, Helen Tomaz, Gustavo Figueiredo e Letícia Rocha.

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