Semana de 13 a 19 de maio de 2024
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Quem
já teve a oportunidade de participar de qualquer curso introdutório sobre
economia se deparou com a seguinte definição: o Banco Central (BC) é o banco
dos bancos. Essa frase genérica expressa uma das funções exercidas pelo BC no
sistema financeiro: o Banco Central obriga as instituições financeiras a manter
contas em seus registros para monitorá-las, com vistas a garantir a fluidez e a
solidez do sistema financeiro nacional. Além de atuar como banco dos bancos, o
BC atua como banco do governo, pois mantém sob sua custódia as reservas
internacionais (depósitos em moedas estrangeiras) e algumas contas do governo
brasileiro.
As
outras funções do BC são garantir a segurança e a eficiência do sistema
financeiro (regulando suas atividades), bem como manter a inflação sob controle
(a partir da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional – CMN). A
função de regular as atividades financeiras age de forma estrutural, pois ela
dita as regras de funcionamento das instituições que compõem o sistema
financeiro nacional, função esta partilhada com o CMN e com a Comissão de
Valores Mobiliários (CVM). Por sua vez, a função de execução de políticas
econômicas de controle da inflação age de forma conjuntural, ou seja, funciona
de acordo com a realidade em cada momento.
A
“interferência” do setor financeiro privado no órgão público fica evidente
quando consideramos um estudo que avaliou a origem dos diretores de áreas
ligadas à política econômica do Banco Central do Brasil, entre 1995 e 2014 (link). Segundo os pesquisadores, 50% dos
diretores dessas áreas tem passagem por instituições financeiras privadas, 30%
vêm de instituições de ensino e 20% de órgãos do Estado (incluindo o próprio
BC). O atual presidente, Roberto Campos Neto, por exemplo, é um desses que veio
do setor financeiro, especificamente, do Banco Santander.
Como
sabem os nossos leitores mais assíduos, a inflação no Brasil só tem recebido o
mesmo remédio: a elevação da taxa básica de juros, a Selic. O motivo é que,
para eles, a economia aquecida leva as pessoas a comprarem mais, o que leva as
empresas a aumentarem seus preços. Para evitar isto, deve-se limitar o
dinamismo da economia. Pode parecer mentira ou exagero, mas não é. Basta ver o
que diz a seção C da Ata da 262ª Reunião do Comitê de Política Monetária do BC
(Copom), que retrata a “Discussão sobre a condução da política monetária” (link). Dentre os argumentos para manter a taxa Selic em níveis
elevados está a interpretação de que “o cenário de mercado de trabalho e de
atividade tem apresentado maior dinamismo do que o esperado”. Ou seja: economia
subindo, taca juros nela.
O mais
curioso (para não dizer cínico) é que o aquecimento da economia, a elevação dos
salários, o aumento do crédito, o crescimento dos gastos públicos, nada disso
precisa acontecer de verdade para que o Banco Central eleve a taxa de juros.
Basta que os analistas do setor financeiro privado criem a expectativa de que
isto tudo vai afetar a inflação. Esse “expectativômetro” é o Boletim Focus,
relatório que reúne as “opiniões do mercado” sobre um conjunto de variáveis
econômicas. O curioso (para evitar, novamente, o uso da palavra cínico) é que
mais da metade do Copom atual é excessivamente sensível a essas expectativas (o
que foi visto na última reunião). Com base numa possível alteração futura das
expectativas, eles decidiram baixar os juros em ritmo menor do que haviam
prometido na reunião anterior.
Entretanto,
nossos leitores também sabem que essa mesma Selic “regula” o quanto custa o
empréstimo no Brasil. Ou seja, por um lado, se ela serve de referência para o
quanto pagamos pelo dinheiro que pegamos emprestado, por outro, serve de
referência para o quanto os bancos ganham com os empréstimos que nos concedem.
Portanto, aumentar a taxa de juros é, também, aumentar a receita das
instituições financeiras.
Não bastassem as turbulências que o Brasil tem enfrentado, no começo de maio vieram os eventos climáticos extremos, agravados pela (in)ação humana, no Rio Grande do Sul. Apesar de ainda não ter sido explicitada na última reunião do Copom, a preocupação fiscalista com os gastos da reconstrução do estado certamente será vista em alguma ata ainda este ano. É só esperar os envolvidos darem uma de Eduardo Leite e explicitarem aquilo que tentam esconder do grande público: que se preocupam mais com o dinheiro do que com a vida. Para eles, deixa que o mercado regula a tragédia.
[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB;
Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Ryann Félix, Guilherme de Paula, Lara
Souza, Valentine de Moura e Paola Arruda.
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