Semana de 14 a 19 de outubro de 2024
Rosângela Palhano Ramalho [i]
Treze anos atrás, em setembro de 2011,
publicávamos uma análise com o seguinte questionamento: “A quem interessa a
autonomia do Banco Central?”. À época, o Copom cortou a taxa de juros Selic em
0,5 ponto percentual. A decisão foi considerada “audaciosa”, pois apenas 30% do
mercado financeiro “apostou” que o Comitê “teria coragem” suficiente para
enfrentá-lo. Quase dois anos depois, em abril de 2013, na análise intitulada
“De novo a independência do Banco Central”, voltamos a falar sobre o assunto,
já que o “mercado” estava incomodado com a presença, no Palácio do Planalto, de
alguns economistas de espectros teóricos diferentes. Eles tentavam entender por
que a inflação continuava alta mesmo diante de uma política monetária austera.
“Um absurdo”, diziam os rentistas. Aquela era uma interferência política! Para
encerrar este retrospecto, em setembro de 2014, publicamos a análise “A
(in)dependência do Banco Central”, que resgatou os interesses envolvidos na
defesa da autonomia e independência do órgão, discussão que fora alimentada
desde o início dos anos 1990.
O retorno recorrente do tema demonstra,
caro leitor, que, independentemente do espectro político do governante, essas
pressões continuarão a ser exercidas pela fração econômica da sociedade que tem
influência política e ideológica sobre as instituições de governo, e o Banco
Central está aí incluído. Olhando para eventos mais recentes, duas de nossas
análises no final do ano de 2020, retomaram esta questão. Intituladas “A
autonomia do BC” e a “Autonomia política no BC... E nas Universidades?”, as
colunas relatam que em novembro daquele ano aprovou-se, no Congresso Nacional,
o Projeto de Lei Complementar n° 19, que passou a garantir legalmente a
autonomia do Banco Central do Brasil tão desejada pelo “mercado”.
Mas, este assunto ainda não foi superado.
Ao olhar para a situação econômica atual, é bom lembrar que a economia cresce
sem pressões inflacionárias. O governo tem agido em várias frentes, e esta
semana destaco os resultados positivos derivados da implementação do novo PAC
(Programa de Aceleração dos Investimentos), que tem estimulado a demanda por
bens de capital, setor que avançou 4,9% nos últimos doze meses, segundo o IBGE.
Por outro lado, a Moody’s, agência de classificação de risco, elevou, há duas semanas,
a nota do país, deixando-o a apenas um grau abaixo da nota de investimento,
situação desejada tanto pelo setor produtivo quanto pelo financeiro, já que a
melhora na classificação ajuda a atrair investimentos. O fato não acalmou o
“mercado”. As críticas à gestão fiscal proliferaram e iniciou-se o processo de
cooptação do novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.
Fernando Haddad respondeu, declarando que o
governo lançará um conjunto de medidas “para que não pairem mais incertezas
sobre a trajetória das finanças públicas no Brasil”, mas afirmou que do lado
fiscal não há motivos para preocupações. E alfinetou: “Temos espaço para conter
o gasto primário, diminuir o tributário para que o financeiro se reduza (...)
Sem crescer, não acredito que isso vá acontecer.” Já Galípolo apresentou
argumentações dúbias em seu primeiro pronunciamento, após ter sido aprovado na
sabatina do Congresso. O mesmo admitiu que, associadas, políticas fiscais e
monetárias restritivas reduzem o crescimento, mas disse reconhecer o mérito de
políticas fiscais que expandem a renda dos mais pobres. Entretanto, assumiu,
assim como o “mercado”, que os dados da economia real são um problema: “o
mercado de trabalho mais apertado, surpresas de crescimento... a questão de
crédito...” diz ele, estão “dando sustentação para o consumo das famílias e
para a demanda agregada.”.
Ao que parece, a queda de braços entre os que gerem o arcabouço fiscal e os que definem a política monetária continuará. E como se não bastasse, o ainda presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, evocou, da sua deprimente verborragia, que a autonomia da autoridade monetária não está completa e rememorou a tramitação no Congresso Nacional da PEC 65/2023, que versa sobre a independência orçamentária e financeira do Banco Central. A proposta visa a transformar o Banco Central em empresa pública, mas com personalidade jurídica de direito privado e com servidores regidos pela CLT, ao invés do regime estatutário da União. A superinstituição derivada daí, teria amplo poder decisório, que poderia chocar-se, inclusive, com os interesses do governo ao qual estaria vinculada. Isso a tornaria, como já dissemos em nossas análises, um quarto poder da República, sem ter recebido um único voto popular. Resta saber se Galípolo, ao assumir a presidência do Banco Central, terá força suficiente para enfrentar as aberrações desejadas pela classe rentista e pelos seus representantes.
[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Maria Fernanda Vieira, Guilherme de Paula, Ryann Félix e Lara Souza.