sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

O DISCURSO DE TRUMP: ECOS DE UM CAPITALISMO EM MUDANÇA

Semana de 13 a 19 de janeiro de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

   

“O mundo está mudado”. Essa é uma frase que temos repetido inúmeras vezes nos últimos tempos. Mas, diferentemente dos seus avós, que certamente já disseram isso ao caro leitor, nossas análises trazem as causas reais dessa mudança (que não tem nada a ver com os jovens e a forma como eles levam a vida). O que mudou e está em constante transformação é a maneira como o capitalismo se impõe no nosso dia a dia.

Se hoje existem os “tios do zap”, é graças ao avanço tecnológico alcançado pelo capitalismo. Se hoje os jovens se vestem igual a um personagem de desenho animado, é graças à globalização capitalista. Se a estranheza às diferenças está sendo transformada em ódio, também é graças ao capitalismo. A grande dificuldade da imensa maioria da população é entender isto.

De fato, encontrar as conexões entre o nosso cotidiano e as estruturas da sociedade é difícil e requer raciocínios complexos, que só são alcançados com um grau considerável de reflexão. Ou seja, infelizmente, pensar o mundo em suas várias dimensões não é uma coisa acessível para a maior parte da população. Nesse pacote de “limitações” estão elementos que vão desde as nossas crenças e valores, até chegar à educação formal, dada pelas escolas e faculdades. Por isso mesmo, frequentemente, parte considerável da população acredita em soluções simples para problemas complexos (uma máxima dos economistas).

O discurso de posse de Donald Trump segue essa linha de raciocínio. Primeiro, mas jamais o faria, ele não ataca o cerne do problema: o próprio capitalismo. Com a ascensão das tecnologias da informação e comunicação, bem como com a conformação das cadeias globais de valor, as potências ocidentais, em especial os EUA, perderam parte do controle sobre o desenvolvimento capitalista mundial. Dentre as consequências, esses países vivenciaram a desindustrialização, o empobrecimento da classe trabalhadora, o aumento das desigualdades e a concentração exacerbada de riqueza. O descontentamento social gerado por isso, por sua vez, mirou naquilo que é mais aparente nesse processo: a globalização.

Como temos tratado há algum tempo, a reação contrária tem sido chamada de desglobalização. Este é um fenômeno que tem um caráter essencialmente econômico, mas com fortes elementos geopolíticos. O CHIPS Act e o movimento “Make America Great Again”, por exemplo, são duas faces dessa mesma moeda. De um lado, o grande capital norte-americano (leia-se: as big-techs) busca tirar o atraso em relação ao desenvolvimento tecnológico dos países asiáticos. Do outro, a burguesia interna e a classe trabalhadora sentem na pele as mudanças atribuídas a deus e o mundo (vide o discurso de Trump). No meio, a busca por um líder forte, que salve a tudo e a todos...

O problema é que, quando o assunto é a defesa estatal de interesses econômicos nacionais, ou seja, quando o assunto é usar o poder público para fins de interesses privados em escala internacional, a história mostra que o capitalismo não mede qualquer esforço. No século passado, viu-se a complacência do mundo capitalista com o nazismo, enquanto este tinha apenas a União Soviética como alvo. Na época, o contexto também era de um país buscando recuperar as glórias do passado, com inimigos externos e “traidores” internos. Sob a justificativa do desenvolvimento, a burguesia alemã patrocinou Hitler sem mais demora.

Como Elon Musk deixou absolutamente escancarado, o próximo mandato de Donald Trump vai tirar, cada vez mais, o fascismo do esgoto. Não apenas porque ele precisa manter sua base eleitoral, mas porque o capitalismo e a hegemonia dos EUA dependem disso. Não podemos achar que um país beligerante de nascença mude seu modus operandi. O que ainda não está claro é como a China, a única potência capaz de fazer frente ao poderio estadunidense, vai atuar no tabuleiro internacional.

Aqui, no Brasil, infelizmente, não temos muito a fazer, além de continuar seguindo nossa tradição diplomática. Internamente, a extrema-direita brasileira, que se diz patriota, tende a ter os EUA como um grande aliado político. Isso preocupa muito no contexto da guerra de informações em que vivemos, sobretudo porque ano que vem tem eleições presidenciais. Espero que a mudança na comunicação do governo Lula seja efetiva, pois, os bons números que a economia tem apresentado não são garantia de nada. Pelo contrário, é preciso entrar nessa guerra de cabeça. À luta.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Brenda Tiburtino, Rosângela Palhano, Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Lara Souza e Paola Arruda.

 

Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog