sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

TRUMP, EUA E O COMÉRCIO MUNDIAL: ALGUNS DADOS PARA ILUSTRAR O PROBLEMA

 Semana de 18 a 24 de novembro de 2024

 

           Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

  

Os nossos leitores mais assíduos têm acompanhado algumas discussões sobre os experimentos do líder louco, Donald Trump. Vimos que, neste capitalismo em mudança, a retórica e a realidade têm colidido e divergido bastante. Mas, não podemos negar que ele tem colocado o mundo à prova, seja blefando, seja executando suas promessas de campanha. Nesse contexto, a presente análise traz alguns elementos que nos dão uma dimensão do poder que os EUA têm de interferir no comércio mundial, o que, ao mesmo tempo, é sua fraqueza (no final do texto tem uma tabela com os dados).

Antes de mais nada, é importante lembrar que, no capitalismo atual, a atividade produtiva se organiza com base nas chamadas cadeias produtivas globais. Ou seja, o processo de produção de bens e serviços foi fragmentado, descentralizado e espalhado por diversas partes do planeta. Com o objetivo de aumentar a lucratividade, quem liderou este processo foram as próprias empresas multinacionais, a partir dos anos 1980. Elas passaram a operar, direta ou indiretamente, os diversos elos da cadeia produtiva em vários países simultaneamente, transformando-se em empresas transnacionais.

Naturalmente, as grandes empresas que lideram e coordenam as cadeias produtivas globais são originárias dos países mais avançados, como EUA, Alemanha e Japão. Assim, mesmo que uma parte da produção tenha deixado de ocorrer nesses territórios, as empresas lá sediadas continuaram a conduzir a produção de mercadorias, agora, em escala global. A grosso modo, esses são os elementos que conformaram a globalização produtiva.

Pois bem, um dos resultados diretos disso é que muitos países, centrais e periféricos, aumentaram significativamente o comércio com outros países (centrais e periféricos). O leitor mais desatento pode achar que isto ocorreu porque as nações simplesmente resolveram estimular o comércio com as demais. É como se o espírito liberal de Adam Smith tivesse baixado em todos os governantes ao mesmo tempo... Contudo, o intenso aumento do comércio entre países desde os anos 1980 está essencialmente ligado ao aumento de compras diretas realizadas entre empresas sob o mesmo controle. É uma montadora de automóveis do Japão que passa a importar peças da Malásia, ao invés de produzi-las em terras nipônicas.

Pois bem, de novo. Como maior economia capitalista até aqui, os EUA também ampliaram intensamente seu comércio internacional por esta via. Isto se deu por meio da negociação entre empresas localizadas no país (principalmente americanas, mas também estrangeiras) e suas controladas espalhadas pelo mundo (uma empresa controlada é qualquer empresa sobre a qual outra empresa exerce controle significativo).

Entre 2021 e 2023, dos 8 setores classificados pelo Sistema de Classificação Industrial da América do Norte (NAICS, na sigla em inglês), em 4 deles mais de 20% das vendas externas se deu entre empresas com algum grau de controle entre si. Em outras palavras, as vendas das empresas destes 4 setores para o resto do mundo foram, na verdade, vendas para outras empresas ligadas àquela que exportou. O destaque foi a “Manufatura, Parte 2” (setor de matérias-primas de médio valor agregado), tendo em vista que 40,1% das suas exportações corresponderam a comércio entre empresas controladas e controladoras. No caso da “Manufatura, Parte 3” (atividades de maior valor agregado), 35,9% das vendas externas foi para empresas relacionadas com a empresa exportadora.

No caso das compras externas a situação é ainda mais interessante. Entre 2021 e 2023, dos 8 setores da NAICS, 7 tiveram mais de 20% das suas importações correspondendo a comércio entre empresas controladas e controladoras. Ou seja, foram empresas localizadas nos EUA que compraram produtos estrangeiros produzidos por outras empresas espalhadas pelo mundo, sendo que estas tinham alguma relação de controle com aquelas que importaram. Em 3 setores, mais de 50% das compras externas se deram entre empresas controladas/controladoras: “Manufatura, Parte 2” (56,1%); “Petróleo, Gás, Minerais e Minérios” (55,0%); “Manufatura, Parte 3” (50,1%).

Buscando sintetizar, mas deixando mais reflexões do que conclusões, os dados mostram uma complexa rede de conexões comerciais entre empresas localizadas nos EUA e no resto do mundo. Por um lado, vê-se o poder que o capital estadunidense tem, ao emaranhar-se em meio às cadeias fornecedoras e consumidoras de empresas das mais diversas nacionalidades. Por outro, isto também é a fraqueza das propostas de Donald Trump, pois são muitos os flancos através dos quais os países podem retaliar os EUA.

Resta esperar para ver quem vai ganhar e quem vai perder, pois, apesar dessas medidas atenderem aos interesses de alguma fração da burguesia ianque, está claro que elas vão afetar fortemente todo o mundo. É pegar a pipoca e assistir ao desfecho.

Tabela 1 - Percentual do comércio externo que se deu entre empresas controladas/controladoras nos EUA: 2021-2023










Fonte: https://data.census.gov/
  • Manufatura, Parte 1: Alimentos e Produtos Similares; Bebidas e Produtos de Tabaco; Têxteis e Tecidos; Produtos de Fiação e Tecelagem; Vestuário e Acessórios; Couro e Produtos Correlatos.
  • Manufatura, Parte 2: Produtos de Madeira; Papel; Matérias Impressas e Produtos Relacionados; Produtos de Petróleo e Carvão; Produtos Químicos; Produtos de Plástico e Borracha; e Produtos Minerais Não Metálicos.
  • Manufatura, Parte 3: Fabricação de Metais Primários; Produtos de Metal Fabricados, NESOI; Maquinário, Exceto Elétrico; Produtos de Computador e Eletrônicos; Equipamentos Elétricos, Eletrodomésticos e Componentes; Equipamentos de Transporte; Mobiliário e Acessórios; Produtos Manufaturados Diversos.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Brenda Tiburtino, Gustavo Figueiredo, Camylla Costa, Jéssica Brito, Maria Júlia Gomes e Paola Arruda.

 

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sábado, 15 de fevereiro de 2025

EUA VS. MUNDO: QUANDO A RETÓRICA COLIDE COM A REALIDADE

Semana de 03 a 09 de fevereiro de 2025

   

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

  

Historicamente, os Estados Unidos vêm defendendo e difundindo os “princípios do livre mercado”, com apoio à especialização produtiva e à eliminação de barreiras tarifárias. Durante muito tempo, o pensamento econômico que predominou na economia global foi o de que seria necessário liberalizar, para desenvolver. As ideias hegemônicas eram as que fortaleciam concepções de economias abertas e do livre fluxo de pessoas e mercadorias.

O retorno de Donald Trump à cena política norte-americana, no entanto, expõe, mais uma vez, a hipocrisia desse discurso. Ao anunciar a imposição de tarifas sobre produtos vindos do Canadá, do México e, principalmente, da China, Trump contraria a lógica que sustentou a supremacia econômica americana por décadas. Mas, mais que isso, a conduta americana revela como os princípios do livre mercado e da não intervenção são frequentemente abandonados, quando determinados interesses nacionais estão em jogo.

Isso quer dizer, caro leitor, que, no fim das contas, a adesão ao liberalismo econômico por parte das grandes potências é mais uma questão de conveniência política do que de real compromisso econômico. O mesmo país que difundiu a democracia liberal pelo mundo, em oposição à regimes ditatoriais e em “defesa” da “soberania” e da “autodeterminação dos povos”, hoje, fala em acabar com a independência do Canadá e em anexar outros territórios soberanos, como a Groenlândia e o Canal do Panamá.

Veja, não é a “ditadura” chinesa que está falando em intervir em outros territórios, mas a “livre democracia” norte-americana. As ideias e ações de Donald Trump, em tão pouco tempo de governo, indicam a possibilidade de instauração de uma guerra comercial. As consequências de tais decisões é que não estão ainda claras e não há garantia de que saiam como esperadas para os EUA.

 China, Canadá e México são os três maiores parceiros comerciais do país, e a imposição de tarifas não apenas poderá gerar retaliações, como, provavelmente, impulsionará as nações a buscar novos mercados. Nesse contexto, a América Latina pode se tornar ainda mais estratégica para a China, especialmente diante da crescente tensão provocada pelas ameaças dos EUA ao Canal do Panamá e ao México, ampliando o espaço para a influência chinesa na região.

No que tange às relações com o Brasil, a postura cada vez mais agressiva dos Estados Unidos em relação a imigrantes reforça as tensões na política externa. A recente deportação de 88 brasileiros, que chegaram algemados ao país, em 24 de janeiro, evidenciou o tratamento desumano imposto pelo governo norte-americano. No campo comercial, ainda não está claro se o Brasil será alvo das tarifas protecionistas impostas pelos EUA. Apesar da gravidade do episódio e do aumento das tensões, o governo brasileiro tem adotado uma abordagem pragmática e cautelosa, com ênfase na reciprocidade.

Portanto, caro leitor, o cenário global se desenha cada vez mais instável, com os Estado Unidos assumindo uma postura protecionista, que contradiz seu próprio discurso. Espera-se, então, a remodelação das relações globais, já que as ações agressivas e os discursos retrógrados daquele país gerarão reações em cadeia. O Brasil, assim como outras nações emergentes, deve se preparar para um contexto de maior disputa geopolítica e realinhamentos estratégicos. A ascensão da China como alternativa comercial e a crescente pressão americana tornam imprescindível uma política externa equilibrada, capaz de defender interesses nacionais sem abrir mão da autonomia, da estabilidade e do crescimento econômico.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Rubens Gabriel, Antônio Queiroz, Ícaro Moisés, Miguel Oliveira, e Raquel Lima.

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sábado, 8 de fevereiro de 2025

TRUMP: O EXPERIMENTO DE UM LÍDER LOUCO

Semana de 20 a 26 de janeiro de 2025

       

Nelson Rosas Ribeiro[i]

   

Nos dias de hoje, torna-se quase impossível falarmos de conjuntura sem fazer considerações sobre o atual presidente dos EUA, Donald Trump. É claro que ele foi eleito pelo povo americano e, por isso, tem todo o direito de tomar decisões sobre seu país. No entanto, ele não foi eleito presidente ou rei do mundo. Não podemos negar que os EUA são a maior potência econômica e militar do planeta e merece todo o respeito. No entanto, é preciso lembrar que existe o resto do mundo que, por sinal, representa a maioria da população, do território, da economia etc. A maneira como se comporta o Sr. Trump nos faz crer que ele não sabe disso. A arrogância com que ele trata o resto do mundo nos faz crer que ele considera que seu país tudo pode e não depende de qualquer relação com os outros. Durante os poucos dias de seu governo, ele não assinou nenhum ato que não fosse de agressão, nem proferiu nenhum discurso, que provocasse simpatia, nem mesmo de seus mais fiéis aliados que, ao contrário, têm sofrido agressões.

Bancar o lunático tem sido uma ferramenta recorrente na carreira de Donald Trump. Afinal, agir assim assusta seus inimigos e os força a ceder. E é assim que ele tem agido. O detalhe é que seu poder de chantagem se ampliou infinitamente. As ameaças feitas por ele estarrecem o mundo. Logo de início declarou que pretendia apropriar-se do Canal do Panamá, alegando algumas mentiras sobre os chineses. Em seguida, propôs a anexação do Canadá, tornando-o o 51º estado americano. Taxou as importações do México e do Canadá em 25%, rasgando o tratado de comércio existente entre estes países, o USMCA. É bom referir que os EUA importam 40% do petróleo que consomem, e, destes, 60% vêm do Canadá e 11% do México. Além disso estes dois países têm 75% de suas exportações destinadas aos americanos. Declarou ainda a intenção de apropriar-se da Groelândia tomando-a da Dinamarca, o que provocou protestos deste país e de toda a União Europeia, com pronunciamentos dos governos da França, Alemanha e Inglaterra. Determinou ainda a mudança do nome do Golfo do México para Golfo da América.

Mas, Trump ainda não ficou satisfeito. Resolveu fazer nova arrumação no Oriente Médio. Decretou sua posse da Faixa de Gaza propondo-se a esvaziá-la, retirando de lá todos os palestinos, a fim de limpar os resíduos da guerra, reconstruir tudo e transformar a faixa em um grande resort, uma verdadeira Riviera, melhor mesmo que Mônaco. Para o resto da Palestina, ele propõe retirar os 2 milhões de palestinos que lá vivem, exportando-os para o Egito e Arábia Saudita. O mundo árabe pegou fogo, com protestos generalizados, não só dos países islâmicos, mas de muitos países da União Europeia e do resto do mundo. Só Netanyahu aplaudiu, chamando Trump de maior amigo que Israel já teve.

A América Latina também não ficou fora dos planos do tirano. Começou enviando um avião militar com colombianos deportados algemados e acorrentados para a Colômbia. O governo colombiano protestou e recusou-se a receber seus cidadãos deportados naquelas condições. Sob pressão e ameaças o governo recuou. Aconteceu o mesmo em relação aos brasileiros deportados, que chegaram igualmente acorrentados, sendo necessária a intervenção da Polícia Federal para tirar as algemas e não permitir novo embarque, no mesmo avião, para completar o trajeto até Minas, local de destino. Depois de protestos diplomáticos, chegou-se a um acordo para não desembarcar os prisioneiros algemados, nem utilizar aviões militares no transporte, além de usar o aeroporto de Fortaleza como destino, encarregando-se o Brasil pelo restante da viagem em aviões nacionais. Para completar, Trump ordenou seus militares a prepararem a base, que os EUA possuem em Guantánamo, Cuba, para abrigar até 30.000 prisioneiros deportados, a fim de tirá-los dos EUA.

Internamente, as autoridades fazem uma varredura em busca de imigrantes ilegais, prendendo em massa, na rua, nos empregos, nos restaurantes, nos bares, provocando um verdadeiro pânico. Sua promessa de campanha foi expulsar todos os ilegais, o que ele vem fazendo até agora.

As consequências esperadas para a economia dos EUA, vão desde a paralisação das atividades por falta de mão de obra, a inflação, até a falta de produtos. Este é o resultado da eleição do líder louco escolhido pelo povo americano. O pior é que o resto do mundo nada tem com isto, mas vai igualmente pagar o preço da insensatez. Esperamos que o preço seja pago na economia e não em sangue, o que seria terrível.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Julia Bomfin, Mateus Eufrasio, Icaro Formiga, Ryann Felix e Guilherme de Paula.

        

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