sábado, 24 de maio de 2025

DOGMA ECONÔMICO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Semana de 12 a 18 de maio de 2025

    

Rosângela Palhano Ramalho[1]

 

A cada quarenta dias, o Comitê de Política Monetária do Banco Central se reúne para decidir os rumos da taxa básica de juros. Apesar de existirem outras opções, este é o único instrumento de combate à inflação que o país executa. Em sua última reunião, o Copom elevou a taxa pela sexta vez consecutiva, que passou de 14,25% para 14,75%. Temos reforçado reiteradamente que, mesmo não havendo descontrole inflacionário, há fervorosa defesa de que o arrocho econômico é essencial. O embasamento teórico que justifica a medida consolidou-se como dogma, como tabu, como verdade inquestionável. A teoria que representa a elite econômica e financeira, impôs ao país o sistema de metas inflacionárias que limita o crescimento econômico a níveis muito baixos.

No dia 13 de maio de 2025, foi divulgada a ata da última reunião do Copom. O documento reúne todas as justificativas que embasaram o aumento recente dos juros. O cenário externo, diz o relatório, “mostra-se adverso e particularmente incerto” e “alimenta incertezas”, o que exige “cautela por parte de países emergentes em ambiente de maior tensão geopolítica”. E, para nossa infelicidade, alerta o Copom, “o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho ainda tem apresentado dinamismo”. Vejam só! O brasileiro, que nos últimos anos obteve ganhos de renda continua comprando, as empresas, para suprir a demanda, continuam investindo e o governo se atreve a governar, gastando. Como então frear uma inflação de demanda, único diagnóstico que explica a alta de preços? Ora, reduzindo a demanda, a partir do único remédio da prateleira: juros nela! Então, diz a autoridade monetária, “...o arrefecimento da demanda agregada é um elemento essencial do processo de reequilíbrio entre oferta e demanda da economia e convergência da inflação à meta.” O grupo de distintos senhores sentados à mesa do Copom não se importa com o custo social de suas decisões, afinal, eles estão ali para adequar a realidade aos pressupostos teóricos que compartilham.

Mas, por que no “essencial” “reequilíbrio entre oferta e demanda” não se preserva a demanda em troca do aumento da oferta? Não, caro leitor, isto não é possível. A teoria diz que já crescemos o máximo que poderíamos, ou melhor, já ultrapassamos o produto potencial, o limítrofe do crescimento econômico interno. Se crescermos mais que isso, só herdaremos inflação. E por que não estimulamos a oferta para conduzir o nível de preços para baixo? Ah!, diz a teoria, isto é impossível no curto prazo! Transpor esta barreira exigiria muito esforço da economia e as empresas precisariam de um grande horizonte de planejamento para os novos investimentos. Deixemos isso para o longo prazo. É preciso matar a economia agora.

Entretanto, contrariando todos os postulados teóricos, a economia brasileira segue crescendo, mesmo com os aumentos consecutivos dos juros, desde setembro de 2024. Isto tem contrariado o Copom que, ressabiado, observa em sua ata: “Alguns fatores elencados durante a reunião seguem dando confiança ao Comitê de que o processo de moderação de crescimento deve ocorrer, após vários anos de surpreendente dinamismo.” A economia brasileira não está se deixando matar. Dados recentes da Pesquisa Mensal de Serviços realizada pelo IBGE apontam crescimento do setor de serviços de 0,3% em março, comparado a fevereiro. E a Pesquisa Mensal do Comércio, também do IBGE, apurou alta de 0,8% no volume de vendas no varejo totalizando crescimento de 0,9%, no primeiro trimestre do ano.

Diante dos fatos, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, se apressou em dizer que a Selic permanecerá elevada por “período bastante prolongado”. E ainda afagou os especuladores dizendo que eles não precisam “se emocionar” com os dados ainda virtuosos da atividade econômica, porque teremos “um longo período de aperto...” Independentemente de quem seja o mandatário do Banco Central, o restrito arcabouço teórico aplicado à realidade econômica, continuará a acorrentar-nos em um círculo vicioso de juros altos, inflação moderada, baixo crescimento e intensa especulação financeira. Neste cenário, todos devem cumprir o seu papel: as empresas têm que parar de investir, os trabalhadores não podem estar empregados, nem podem consumir e o governo não pode gastar. Afinal, o asfixiamento da economia é “necessário”. Durma-se com um barulho desse.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Paola Arruda, Victória Rodrigues, Guilherme Gomes, Júlia Bomfim, Julia Dayane Rodrigues, Maria Júlia Alencar.

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