segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A Crise Econômica e o Mundo do Trabalho

Semana de 29 dezembro de 2008 a 04 de janeiro de 2009

A redução do nível de atividade econômica mundial, a restrição ao crédito e o colapso do sistema financeiro internacional, estão afetando de maneira significativa o rendimento dos trabalhadores e o emprego. No final do ano passado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um relatório sobre a “Desigualdade de Rendimentos na Era da Globalização”, com dados reveladores sobre o atual mundo do trabalho. Segundo o Relatório, em 51 dos 73 países pesquisados, a proporção dos salários, como parte total dos rendimentos, diminuiu, nas últimas duas décadas. A maior redução foi registrada na América Latina e no Caribe (-13%), seguida da Ásia e Pacífico (-10%) e das Economias Avançadas (-9%). Durante o mesmo período, verificou-se também que a diferença entre os 10% dos assalariados, com rendimentos mais altos e os 10%, com rendimentos mais baixos, aumentou em 70%. Somente para se ter uma idéia, em 2007, os diretores executivos das 15 maiores empresas dos Estados Unidos receberam salários 500 vezes superiores ao do trabalhador médio norte-americano, quando esta diferença, em 2003, era de 300 vezes.
Essa desigualdade entre os rendimentos é fruto da atual organização institucional das grandes corporações que dominam a economia mundial em diversos setores. Tal sistema permite que os altos executivos disponham de uma posição de negociação privilegiada dentro da empresa, enquanto que os operários de chão de fábrica ficam em uma posição debilitada, com muito pouca, ou quase nenhuma capacidade de negociação, mesmo estando organizados em sindicatos. O mesmo Relatório da OIT mostra que houve uma considerável diminuição da sindicalização, nas últimas duas décadas. Entre 1989 e 2005, a densidade de sindicados diminuiu nos 51 países pesquisados, com exceção de sete deles: Brasil, China, Hong Kong, Índia, Paraguai, Singapura e Espanha, nos quais houve um aumento no número de sindicatos. Fato que já era de se esperar, pois, excluindo a Espanha, todos os outros são países ditos emergentes, onde os trabalhadores ainda estão se organizando institucionalmente para efetuar negociações coletivas. Na Europa Central e nos demais países europeus, a densidade de sindicatos foi drasticamente reduzida. Em alguns países da antiga Europa de Leste, como República Tcheca, Estônia, Hungria, Letônia e Lituânia, onde, nos anos do regime socialista, havia quase 100% de filiação dos trabalhadores a algum sindicato a redução foi de mais de 50%.
Assim, várias das conquistas históricas dos trabalhadores, concretizadas em uma série de direitos trabalhistas, estão sendo simplesmente varridas do ambiente de trabalho. Um caso ilustrativo disto foi o dagrande fabricante mundial de computadores, a Dell, que, em meio à crise, “pediu” aos seus funcionários, coagidos pelo fantasma do desemprego, para tirarem cinco dias de licença não remunerada.
Desde o início da crise econômica, milhões de trabalhadores já foram demitidos pelos bancos e multinacionais do mundo inteiro. Só no Reino Unido 1,8 milhões perderam o seu trabalho, em 2008, e atualmente o governo inglês é obrigado a pagar pensões a mais de 980 mil pessoas. Nos Estados Unidos, foi eliminado 1,2 milhão de postos de trabalho, entre janeiro e novembro, e na China o número de desempregados já chega a 4% da população economicamente ativa, um nível que é considerado como crítico pelo Ministério de Recursos Humanos e Estabilidade Social do país. E o número absoluto de desempregados é provavelmente ainda maior, pois os trabalhadores imigrantes não foram computados na estatística, embora representem mais de 200 milhões de pessoas.
A OIT prevê ainda que cerca de 20 milhões de trabalhadores poderão se somar às filas do desemprego mundial, como conseqüência da crise. “Necessitamos de ações governamentais rápidas e coordenadas para evitar uma crise social que poderá ser grave, duradoura e global”, declarou Juan Somavia, diretor geral da Organização. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que o número de trabalhadores desempregados no planeta, passará, de 190 milhões, em 2007, para 210 milhões, em 2009. Com isso o número de indivíduos que vivem com menos de um dólar por dia poderá aumentar em 40 milhões e os que vivem com menos de dois dólares por
dia, em mais de 100 milhões. Somavia ressaltou ainda que as novas projeções poderiam estar subestimadas, caso os efeitos da atual contração econômica não sejam enfrentados com rapidez. Enquanto o peso da crise cai sobre a cabeça dos trabalhadores, os pacotes de ajuda as grandes empresas não param de aumentar. Estima-se uma cifra em torno de US$ 7,5 trilhões. Segundo o professor Ernesto Lozardo, da Fundação Getúlio Vargas, a ajuda financeira dos Governos já ultrapassa a casa de 12% do PIB mundial. Com muito menos seria possível combater a pobreza e investir o necessário para acabar com o aquecimento global, lembra o professor. De acordo com a ONU, seria possível exterminar a pobreza com apenas 1,5% do PIB mundial, o que demonstra, por um lado, o tamanho do desespero das autoridades governamentais na tentativa de salvar o sistema capitalista mundial e, por outro, o profundo descaso dos mesmos em relação à fome e à pobreza mundial.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

2009: Ano de crise

Semana de 22 a 28 de dezembro de 2008

Como é costume, não poderíamos iniciar este novo ano sem enviar a todos os leitores e amigos, em meu nome pessoal e dos pesquisadores que compõem o PROGEB, os nossos votos de muita paz e felicidade.
Embora este seja o nosso desejo, a função de analistas da realidade econômica nos obriga a apresentar, da forma a mais objetiva, o cenário que nos espera em todo o ano de 2009, agora reconhecido, quase por unanimidade, como um ano de crise. Preparemo-nos para o ano das vacas magras.
Com efeito, todas as notícias que são divulgadas continuam a apontar nessa direção, confirmando o que já havíamos previsto desde 2007. A crise atual não é um mero acidente, o resultado da ação de capitalistas desonestos ou de operações financeiras irresponsáveis e muito menos das loucuras do “companheiro Bush.” Estamos diante de mais uma fase de crise do ciclo econômico mundial, fenômeno inerente a todas as economias capitalistas e que se repete periodicamente. Preparemo-nos também para suportar todo o charlatanismo e cinismo das autoridades que tentarão enganar as pessoas manipulando as estatísticas referentes a 2008 que serão divulgadas no início do ano e que esconderão a dureza e profundidade da crise. Por serem estatísticas anuais, diluirão a violenta queda observada no último trimestre do ano, quando, finalmente, a crise chegou ao Brasil, para ser mais preciso, a partir da última semana de setembro.
A crise internacional continua o seu curso, puxada pela economia dos EUA, onde o ProdutoInterno Bruto (PIB) caiu 0,5% no terceiro trimestre e onde também se espera uma queda de 6,0% no quarto. Os gastos dos consumidores já tiveram uma queda anual de 3,8% e o número de pedidos de auxílio desemprego na última semana ultrapassou os 30.000, atingindo o maior nível em 26 anos. O mercado imobiliário também continua em crise com uma redução de 7,6% na compra de casas novas e usadas, apesar da queda de 13% nos preços destas últimas. As montadoras General Motors (GM), Ford e Chrysler encerram o ano à beira do colapso, apesar do socorro de US$ 17,4 bilhões, aprovado pelo congresso americano. A GMAC, braço financeiro da GM, à beira da falência, solicitou ao Fed, Banco Central dos EUA, autorização para se tornar banco comercial, mesmo tendo a GM de perder o controle acionário da instituição. O agravamento da situação e o desespero dos agentes econômicos é tal que a AssociaçãoCrisis-Link, que atua na região de Washington e atende aos pedidos de ajuda nos casos de depressão e suicídios, teve um aumento de 132% nas solicitações recebidas, em outubro, em relação a 2007 e de 81%, em todo o ano.
A economia do Japão, a segunda mais desenvolvida do mundo, teve uma queda de 8,1% emnovembro, em relação a outubro, a maior queda desde 1953, e a produção de automóveis reduziu-se de 15% no mesmo período. A Toyota, a maior empresa do país, reconheceu que no próximo ano terá o primeiro prejuízo nos seus 70 anos de história. A montadora Suzuki reduziu sua produção em 10%, no mês de novembro e já se admite que as 10 montadoras japonesas se fundirão em apenas três. No mesmo mês, as exportações registraram a maior queda da história, o número de desempregados aumentou, as vendas caíram e a economia do país foi tecnicamente considerada em recessão. Na Rússia, a ruptura do sistema bancário e do crédito fez o rublo atingir a sua menor cotação, em três anos, frente ao dólar e euro, apesar do governo ter gasto 25% de suas reservas cambiais para segura-lo. Agora, ele se prepara também para intervir diretamente em 295 indústrias, para impedir falência destas. Já foram escolhidas as gigantesestatais Gazprom e Rosnet (petroleiras), a mineradora Norilsk Nichel, a operadora de celular Vimpelcom e a empresa aérea Aeroflot. A economia do Reino Unido encolheu 0,6% no terceiro trimestre, e a produção da indústria de transformação, 1,6%. O BC inglês já reduziu a taxa básica de juros para 2,0% ao ano. Na Espanha, o PIB caiu 1,5% entre outubro e dezembro, caracterizando a primeira recessão do país em 15 anos. Apesar de todo o empenho das autoridades dos diversos países, a economia mundial continua em desaceleração. Segundo a Associação Mundial de Aço (Worldsteel), somente em novembro, a produção de aço caiu 19%, em relação ao mês anterior. No meio da quebradeira geral, uma nota cômica: o fabricante dos sapatos atirados no presidente Bush, no Iraque, contratou mais 100 empregados para dar conta das novas encomendas recebidas de todo o mundo. O modelo solicitado é o 271 agora rebatizado de “Bush Shoes”. Apesar do aumento da demanda, a fábrica garante que não pretende aumentar os preços.
No Brasil, a crise afetou diretamente o comércio exterior com a redução dos preços e do volumedas mercadorias negociadas. Embora ainda haja superávit, este se reduzirá a quase metade, em relação ao ano passado, caindo de US$ 40 bilhões, para um valor estimado de US$ 24 bilhões. Os preços dos produtos exportados caíram 8,4% em novembro, e espera-se uma queda ainda maior para 2009. Com a queda dos preços dos produtos agrícolas, a cotação do suco de laranja reduziu-se 84% só em novembro. A redução de 26% nos embarques de carne fez o preço do boi cair de R$ 90 para R$79 a arroba. A Sadia pretende suspender as atividades de 20% de seus 63 mil empregados. A pecuária de corte tende a encolher e a demanda por adubos segue o mesmo caminho. Os estoques já se acumulam nas empresas produtoras e importadoras, as quais anunciam prejuízos nos balanços de 2008. Só no mês de novembro, as vendas caíram 41,3%, em relação ao mês anterior.
No setor industrial, as vendas de aço laminado diminuíram 24% em novembro, conseqüência daparalisação das montadoras. A GM, que trabalhou um dia em novembro, trabalhou apenas cinco em dezembro e já programa novas férias coletivas, que reduzirão a atividade, em janeiro, a menos de 10 dias. No Paraná, a Volvo já anunciou a demissão de 430 trabalhadores e a Volkswagen, de 74. A Bosh afastou 800 trabalhadores. A Renault descobriu uma forma mais engenhosa em um acordo com o Sindicato. Suspenderá o contrato de 1.000 trabalhadores que continuarão “empregados”, mas sem ganhar salário por cinco meses. Finalmente, o ministro do Trabalho reconheceu que, em novembro, em relação a outubro, foram fechados 40.821 postos de trabalho.
Para o ano de 2009, o presidente Lula, que nunca sabia de nada, agora “sabe” que o crescimentoserá de 4,0%, mas o Banco Central estima que será de 3,2% e o mercado projeta modestos 2,4%. Quem terá razão?
Os nossos recursos técnicos não nos permitem tamanha precisão nas previsões, mas a base teórica que utilizamos nos garante que, no Brasil, a crise está apenas começando e obrigatoriamente seguirá o seu curso completamente indiferente às bravatas de presidentes e ministros. É para esta dura realidade que nos devemos preparar neste novo ano de 2009 que se inicia.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia cr
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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Piada Sem Graça

Semana de 15 a 21 de dezembro de 2008


Os leitores da nossa coluna já têm conhecimento da gravidade da crise atual e sabem que ela jáatingiu o Brasil. Reforçamos as nossas constatações com algumas opiniões de autoridades internacionais.
O economista Paul Krugman considera que esta crise é a pior das últimas décadas, e contra ela, as medidas habituais geralmente adotadas para um período de declínio econômico, como cortar as taxas de juros, não estão funcionando. Para ele está política está chegando ao seu limite e as ajudas dos governos, em grande escala, parece ser a única maneira de acabar com o “mergulho econômico”.
Dominique Strauss-Kahn, diretor gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), por seu lado, considera que a economia global pode cair em uma crise prolongada espalhando tensões sociais, se os governos não expandirem e implementarem os pacotes de estímulos prometidos. Admitiu também a possibilidade de uma recessão mundial. Segundo ele, o crescimento dos países emergentes não conseguirá compensar a recessão nas economias desenvolvidas. Na China, por exemplo, o crescimento está desacelerando à medida que a economia global sofre uma queda de produção sem precedentes e ruma para uma recessão, elevando os riscos de mais distúrbios civis como os vistos na Grécia desde a semana passada.
De fato, sem emprego, milhões de chineses retornam ao campo. “Não há nada para fazer na zona rural, a não ser trabalhar na terra”, disse Daí, um chinês de 21 anos. “Não quero ser agricultor”, completa. Com a crise financeira, fábricas de vestiário, brinquedos, computadores e outros produtos estão sendo fechadas, o que levará até 20 milhões de cidadãos chineses a deixarem as cidades em 2009.
Na Índia, a produção industrial teve, em outubro, a primeira queda em 15 anos, pressionando as autoridades a baixarem os juros e os impostos.
A Coréia do Sul aceitou fazer um acordo de swap cambial bilateral com o Japão e com a China, em um esforço para garantir a estabilidade financeira da Ásia. A Coréia do Sul e o Japão vão aumentar um esquema won-iene que já existe desde 2005 de US$ 3 bilhões para US$ 20 bilhões.
A produção industrial americana caiu em novembro, pela terceira vez em quatro meses, puxadapela crise das montadoras de automóveis, cujas vendas desabaram.
No Brasil, continuou repercutindo a decisão do Copom, órgão do Banco Central (BC), que manteve em 13,75% ao ano a taxa básica de juros. A autonomia do BC, concedida espontaneamente pelo presidente Lula, tem levado o Banco a continuar a cometer a eutanásia, contrariando os setores empresariais e sindicais e boa parte do próprio governo. Irritado, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, declarou que não considera o banco parte do governo. “Se o BC fosse governo, o presidente Lula daria uma ordem e ela seria cumprida”, afirmou o ministro, evidenciando a discrepância entre o discurso do presidente e a decisão do órgão. Na defensiva, o presidente do BC, Henrique Meirelles, afirmou: “A crise atinge os países de formas diferentes. Temos que ter cuidado para não prescrevermos remédios iguais.” Ele avaliou que as operações de crédito estão sendo normalizadas, depois das medidas adotadas para combater os efeitos da crise. A concessão média diária de empréstimos, em novembro (até o dia 26), em comparação com outubro, cresceu 4,7%.
Parecendo desconhecer o problema, o presidente Lula, em uma reunião com empresários, afirmou: “Eu acho que é muito engraçado. Os empresários poderiam pagar [os funcionários] com parte dos lucros que acumularam. O governo não vai deixar de assumir a responsabilidade de cuidar dos trabalhadores, mas nenhum empresário tem motivo para mandar trabalhadores embora”.
Engraçado é o presidente querer dar ordens a capitalistas, o que não está em suas atribuições,quando poderia mandar na política econômica do seu governo, o que é a sua obrigação. Por que, em vez de pretender determinar a utilização do dinheiro alheio (os lucros dos capitalistas), não usa os recursos do próprio governo? Por exemplo, por que não usar os superávits primários, para estimular os investimentos, criar empregos e aumentar os recursos para seguro desemprego e outros programas sociais? Lembremos que esta economia é feita em função de uma duvidosa e impagável dívida, que é anualmente ampliada pelos mais elevados juros do mundo, paradoxalmente estabelecidos pelo próprio governo.
Afinal, quem é mesmo o engraçadinho?

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br

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O Capitalismo e a crise atual: arte de destruir o que não existe!

Semana de 08 a 14 de dezembro de 2008


Depois do estouro da “bolha imobiliária” nos Estados Unidos, virou consensual o fato de que, nas últimas décadas, e mais intensamente, anos, houve um descolamento entre o mundo financeiro e o mundo material. O relativo equilíbrio entre os ativos financeiros mundiais (ações, debêntures, títulos públicos, depósitos bancários, etc.) e o PIB mundial foi substituído por uma situação onde os ativos financeiros ultrapassam mais de 3,5 vezes o PIB. Além disso, o fluxo internacional de ativos financeiros passou de US$ 1,1 trilhão em 1990, para US$ 11,2 trilhões em 2007. Pode-se destacar ainda que o crescimento do crédito atingiu uma velocidade muito superior ao aumento da renda e do emprego.
O economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia em 2001, apontou outra inconsistência na dinâmica atual do sistema financeiro, quando destacou que este sistema, nos Estados Unidos, é responsável por parcela considerável dos lucros totais (algo em torno de 30% a 40%) e muito pouco ou quase nada pelo aumento da produtividade.
O mercado de derivativos (mercado onde se intercambiam títulos derivados de outros títulos), até então livre de críticas, passou de anjo a demônio. Sua principal função é negociar “riscos”, ou seja, se um determinado título oferece um risco qualquer (cambial, de taxa de juros etc.), o mercado de derivativos torna possível vendê-lo a outrem que, por sua vez, será remunerado por assumir este risco potencial. Pois bem, o que parecia antes ser a solução de “problemas” para o “bom e harmonioso” funcionamento dos mercados financeiros, agora é tido como uma das causas da catástrofe estabelecida.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em Conferência no Rio de Janeiro, destacou que, “da mesma forma que o Ministério da Saúde adverte sobre os medicamentos de alto risco, os derivativos não deveriam ser comercializados sem ostentarem uma tarja preta em sua embalagem”. O ex-presidente do conselho de administração da Bolsa de Nova York, William Donaldson, emitiu uma opinião na mesma direção: “precisamos dar uma boa olhada em alguns instrumentos financeiros criados nos últimos anos, dada a sua toxidade para o sistema”. Ao se referir especificamente aos derivativos, declarou: “eles sequer eram compreendidos pelas próprias pessoas que os criaram”.
Então, o que se tem experimentado é a criação de novos mercados para negociar, apenas e tão somente, papéis e um poder crescente de criação de riqueza por parte da esfera financeira. O fato de uma grande parcela dos valores manipulados nestes mercados guardarem pouca ou nenhuma relação com o processo de geração de riqueza material ou com os aumentos de produtividade têm feito muitos estudiosos denominá-los de riquezas fictícias. De fato, é assim que se deve chamar, pois é exatamente isto o que ocorre, isto é, a autonomia dos mercados financeiros foi capaz de criar uma soma imensa de “dinheiro” que só existe na cabeça dos agentes e é materializada em papéis. É isto que a crise está mostrando agora!
Para se ter uma idéia, as ações de 2.267 empresas, em várias partes do mundo, caíram tanto que passaram a ser cotadas na bolsa por um valor inferior ao dinheiro “vivo” que possuíam em caixa. Este fato curioso é conseqüência da crise mundial ter feito “desaparecer”, este ano, US$ 32 trilhões em capitalização. Isto significa que, “teoricamente”, estas empresas poderiam se recomprar na bolsa!!!
O que está ocorrendo é a destruição de riqueza! O engano dos indivíduos só teria ficado evidente, se, no momento em que os papéis, magicamente do dia para a noite, estivessem em processo de valorização, numa velocidade muito maior que a capacidade produtiva da economia, os agentes tentassem converter-los em meios de consumo materiais, isto é, tentassem transformar o valor de uso ideal do dinheiro em valor de uso material (bens de consumo ou bens de produção). Só assim ficaria claro que aquela riqueza só existia em suas cabeças, pois ocorreria a impossibilidade de todos realizarem suas necessidades de consumo. O resultado seria uma hiperinflação generalizada que teria como finalidade eliminar os consumidores “excessivos”.
Porque isto não ocorre? Porque, enquanto os papéis estão aumentando de valor, ninguém quer convertê-los em poder de compra material. Pelo contrário, quer mantê-los no lugar que irá fazer este valor continuar crescendo num processo que parece ser infinito.
É esta a grande questão! Assim, quando os governos tentam resolver o problema aumentando a liquidez do sistema, eles o estão alimentando e não resolvendo. Em crises anteriores, era necessário destruir capital, na forma de capacidade produtiva e de mercadorias, para que o sistema voltasse a funcionar bem novamente. Nesta, é preciso, antes de qualquer coisa, destruir capital na forma de riqueza imaginária, para que as coisas voltem a fluir. A manutenção da liquidez está impedindo que isto ocorra de forma mais rápida, o que só prolongará a crise ainda mais. Destruir riqueza imaginária não deveria ser simples? Como pode ser tão problemático destruir o que não existe?
A falta ou insuficiência de conhecimento a respeito da essência do fenômeno leva os economistas a darem uma explicação superficial e uma solução que não consegue estancar o problema, apenas muda sua dinâmica ou adia um pouco mais a sua solução (porque, de fato, ele não é corrigível, faz parte do capitalismo atual, assim como a inflação, o desemprego, a concentração de renda etc.). Para esta crise, muitas explicações já foram dadas, mas a solução está longe de ser encontrada. Entre os que arriscam uma explicação é praticamente unânime a afirmação que esta crise é culpa da falta de regulação dos mercados financeiros.
O economista Joseph Stiglitz, por exemplo, ao comentar acerca da falta de regulação adequada no mercado norte-americano, declarou: “isso permitiu que se gastasse muito além da capacidade de pagamento, principalmente na questão da habitação”. William Donaldson, concordando com o pressuposto, afirmou: “boa parte da regulação existente nos Estados Unidos foi criada a partir do crash de 1929. São mecanismos que têm mais de 70 anos e que não dão conta dos novos instrumentos criados pelas instituições financeiras.”
Ao lembrar que os manuais de macroeconomia, nas últimas décadas, têm gasto um considerável número de páginas e argumentos para defender a independência dos bancos centrais, o mais surpreendente foi ver a defesa de Stiglitz no tocante à ampliação do papel destes bancos. Segundo ele: “eles deveriam (os bancos centrais) dispor de vários outros instrumentos. Não é suficiente que sejam orientados apenas ao combate da inflação. È preciso garantir a estabilidade econômica no longo prazo.”
O economista prêmio Nobel de Economia em 2006, Edmund Phelps, reconheceu a impossibilidade de impedir a ocorrência das crises e negou que sua origem fosse de ordem monetária: “não as vejo como tendo uma origem monetária e, portanto, não está claro para mim que devamos olhar para o Fed e demaisbancos centrais como a resposta para as bolhas no preço dos ativos.” Segundo ele as “bolhas” só seriam controladas em economias planejadas e, neste caso, o capitalismo perderia seu dinamismo.
Enquanto se buscam explicações e soluções para o problema, ele se agrava e os indicadores econômicos pioram, ou seja, está se pagando o preço da globalização.
No Brasil, aumentou em 146% o número de empregados demitidos nas indústrias de Caxias do Sul (RS) em novembro, comparativamente a igual mês do ano passado (787 rescisões, ante 320 em novembro passado), a queda dos preços dos grãos poderá levar a uma redução no volume de produção de alimentos, o que resultará em uma nova crise alimentar; o setor imobiliário, embora disponha de liquidez, está sentindo os efeitos da recessão, já que a demanda caiu bruscamente. O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Confiança (Abecip), Luís Antonio Nogueira de França, está negociando, com o governo federal, medidas que possam dar novo estímulo à demanda para uma retomada nos lançamentos. O governo já anunciou medidas para estimular o setor automobilístico, reduzindo impostos sobre a produção e venda de veículos.
O consumo de energia, um dos termômetros da atividade econômica, já apresentou contração. Praticamente em todos os ramos de produção, houve redução no consumo de energia, com exceção apenas dos setores de mineração, papel e celulose e eletroeletrônicos, os quais apresentaram discretos aumentos. Nos demais ramos, o consumo de energia caiu, com destaque para veículos e peças (-23,79), vidros (23,91), plásticos e borracha (-13,77), materiais de construção civil (-12,59), química e petroquímica (- 12,99).
Na China, as exportações caíram pela primeira vez em sete anos, indicando que a retração dos EUA e do Japão está empurrando para baixo o terceiro maior PIB do mundo. A queda foi de 2,2% nas exportações e 17,9% nas importações no mês de novembro, em relação a igual período do ano passado. Segundo Lu Zhengwei, economista-chefe do Industrial Bank, “os dados são horrorosos. A queda das importações mostra que, além da redução da demanda mundial, a demanda doméstica também está encolhendo com o enfraquecimento da economia.”
Nos Estados Unidos, em novembro, foram cortados 533 mil postos de trabalho, elevando a taxa de desemprego para 6,7%. Esta queda no número já é a maior registrada desde dezembro de 1974. As estimativas mais pessimistas sugeriam uma perda de 350 mil empregos. Até o momento, mais de 1,9 milhão de pessoas ficaram desempregadas. Em conseqüência, os pedidos de auxílio-desemprego atingiram, no começo de dezembro, o maior nível em 26 anos, tendo aumentado em 58 mil pedidos, totalizando 573 mil, com ajuste sazonal. Os pedidos de prorrogação do auxílio-desemprego (pessoas que requisitam o benefício por mais de uma semana) saltaram para 4,43 milhões na semana de 29 de novembro, também o maior volume em 26 anos.
O diretor de pesquisa sobre consumo feita pela Reuters e pela Universidade de Michigan, Richard T. Curtin, declarou: “registramos a maior queda na confiança dos consumidores em toda a nossa história.” Segundo Mark Zandi, economista-chefe da Mood´s Economy.com: “muitos negócios fecharam suas portas em novembro, outras empresas estão lutando para sobreviver e estão cortando mão-de-obra e investimentos em um esforço para economizar. A não ser que o problema de liquidez seja rapidamente resolvido, os grandes cortes de pessoal continuarão no próximo ano.”
No setor imobiliário (princípio de tudo), o total de pagamentos atrasados e a taxa de execuções de hipotecas atingiram um recorde no terceiro trimestre, com perspectiva de piora se o desemprego continuar crescendo e se não forem aprovados os diversos programas para alterar as condições dos empréstimos. A parcela dos contratos de crédito imobiliário com atraso de pagamento de 30 dias ou mais subiu para 6,99%, corrigido sazonalmente, enquanto os financiamentos já em fase de execução de hipoteca subiram para 2,97%. De acordo com a Associação dos Bancos de Crédito Imobiliário dos EUA, ambos os percentuais representam altas recordes numa pesquisa cujo início se deu 29 anos atrás.
Mais trágico é o aumento da inadimplência das hipotecas renegociadas. Simplesmente, quase 53% dos mutuários, cujos contratos de empréstimos foram modificados no primeiro trimestre, estavam com atraso de 30 dias ou mais no pagamento das prestações no terceiro trimestre.
Até as vendas de Natal foram afetadas, uma vez que as vendas de novembro tiveram o pior resultado dos últimos 30 anos, conforme o Conselho Internacional de Shopping Centers. Foram registradas ainda reduções nos gastos da construção civil, quedas nos preços das casas, nos gastos dos consumidores, nos investimentos empresariais e nas exportações.
Companhias de quase todos os segmentos anunciaram demissões no começo de dezembro: a AT&T, companhia de telecomunicações, cortou 12 mil postos; a DuPont, fabricante de produtos químicos, 2,5 mil e a Viaco, companhia de mídia, 850.
No Japão, os últimos dados divulgados no dia 09 de dezembro mostraram que o país entrou mais fundo em uma recessão, tendo o PIB se contraído a um ritmo anualizado de 1,8% no terceiro trimestre deste ano. Grandes empresas asiáticas apertam os cintos: a Sony informou que vai demitir 5% do quadro de funcionários, economizando US$ 1 bilhão; a Samsung Electronics está cortando metas de vendas, investimentos e lucro; a Mitsubishi Motors informou que estará suspendendo a produção em uma planta em Illinois, no próximo ano, por sete semanas, devido a uma queda na demanda.
Tentando contornar a situação, governos do mundo inteiro buscam aprovar pacotes fiscais, pondo em prática o velho-novo receituário keynesiano, apontado como um dos fatores que retiraram a economia norte-americana da Grande Depressão e contribuíram para o longo período de crescimento do capitalismo no pós 2ª Guerra. Agora, não havendo uma 3ª Guerra Mundial, as políticas keynesianas terão a oportunidade de demonstrar quem realmente reavivou a dinâmica capitalista naquele período (Keynes ou a Guerra?). Vamos ver!
O primeiro ministro da Índia, Manmoran Singh, planeja gastar US$ 4 bilhões para recuperar a economia do país, a partir de março, e o Banco Central indiano já reduziu a taxa de juros três vezes em menos de dois meses.
O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, considerou os dados acerca do desemprego como dramáticos, o que reflete o agravamento da crise, e planeja aprovar, já em janeiro, um plano de US$ 500 bilhões para gastar parte significativa em obras de infra-estrutura e, assim, recuperar uma parte dos empregos perdidos.
O Japão espera gastar US$ 216 bilhões para ajudar a economia a enfrentar a crise. De acordo com Kaoru Yosano, ministro para Política Econômica e Fiscal: “precisamos implementar políticas para evitar que a economia se desintegre.”
Acompanhando o resto do mundo, o governo da China pretende aprovar um plano de US$ 581 bilhões (4 trilhões de iuanes) em gastos, continuar reduzindo a taxa de juros e desvalorizar mais sua moeda.
Mais um país entrou na lista negra e assumiu estar em recessão; foi o Canadá, que buscando agir contra a crise, reduziu em 0,75 ponto percentual sua taxa de juro básica, ficando esta em 1,5% ao ano, o menor nível em 50 anos. A ausência das crises hipotecária e bancária, no país pareceu uma proteção contra a crise, mas a queda radical nas exportações para os Estados Unidos, particularmente de automóveis e autopeças, combinado com o colapso nos preços de energia e commodities, acabaram com o isolamento da economia.
Enquanto países do mundo todo estimam aprovar pacotes fiscais bilionários e reduzem suas taxas de juros a níveis próximos de zero, o Brasil mantém sua política monetária arrochada, mantendo a taxa de juros em níveis estratosféricos e cada vez mais distantes do mundo inteiro, confiando que a manutenção da liquidez, por parte dos bancos públicos, e o PAC sustentarão a economia. O resultado desta política será certamente agravar a situação do país colocando-o em desvantagem em relação ao restante da economia mundial. Isto fica claro quando se tem em mente que esta política impediu o país de crescer no momento em que a “farra financeira” puxava o crescimento do mundo todo; imagine agora com o mundo em crise! Se a política monetária do Brasil não for revista rapidamente a situação ficará insustentável.

Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG - e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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sábado, 20 de dezembro de 2008

Agora Parece Ser Oficial!

Semana de 01 a 07 de dezembro de 2008


Mais do que uma simples contração da atividade econômica, a crise, caracterizada pela redução do nível de produção, pelas falências e pela elevação do nível de desemprego, denominada eufemisticamente de recessão, se transformou numa questão de reconhecimento oficial por parte das autoridades e órgãos governamentais de cada país. Estes órgãos, com “definições técnicas” e, na maioria das vezes, utilizando um “economês” de difícil compreensão para a maior parte da população, baseiam-se em critérios cujas razões não são explicadas e atestam se a economia está ou não em recessão.
Depois de vários países já terem admitido, com “certificado oficial”, estarem passando por umarecessão, no início deste mês, o respeitável National Bureau of Economic Research, grupo privado
americano, anunciou, por meio do seu comitê de “ciclo econômico” que, desde dezembro de 2007, a economia dos Estados Unidos está em recessão. Segundo o relatório divulgado pela entidade, que é a responsável pelo registro dos dados sobre a atividade econômica do país nos livros de história, esta é a primeira recessão nos EUA desde 2001, tendo o período de expansão durado 73 meses, de novembro de 2001 a dezembro de 2007.
Oficialmente, portanto, está declarado e constará nos registros da história econômica dos EUA que, a partir do final de 2007, a economia americana entrou em recessão. Com isto, o que nós já havíamos previsto, quando ainda nem sequer se cogitava a hipótese de uma redução do nível da atividade econômica mundial, recebeu uma certificação oficial. Uma breve consulta às Análises de Conjuntura nos arquivos do jornal Contraponto permite localizar frases, como a que foi publicada no dia 24 de dezembro de 2007: “todos os dados continuam a confirmar que estamos, novamente, prestes a assistir a um quadro de desaceleração do crescimento econômico mundial”. Hoje em dia isto parece óbvio, entretanto, naquela ocasião, a opinião predominante era a de que a crise estava relacionada apenas ao setor imobiliário americano.
Com o reconhecimento oficial da crise econômica, que já não era mais possível esconder, este tema se tornou comum ao jornalismo econômico, que vem divulgando um volume crescente de notícias indicando o agravamento do cenário internacional. Somente para citar alguns dados, nos Estados Unidos, centro das atenções, foram fechadas 533 mil vagas de trabalho, somente em novembro. Este foi o 11º mês consecutivo de retração do nível de emprego no país, fazendo com que a taxa de desemprego já chegue a 6,7%, a pior em 15 anos.
Na China, de acordo com Hu Jintao, presidente do país, a desaceleração está claramente reduzindo a demanda externa e exercendo pressão para enfraquecer as tradicionais vantagens competitivas chinesas. Com a redução das exportações, a produção da indústria vem diminuindo e os protestos de trabalhadores chineses contra o fechamento de fábricas não para de crescer. O Banco Mundial já revisou para baixo a sua previsão de crescimento para a China, de 9,2% para 7,5%, o que, se confirmado, seria a menor expansão em quase duas décadas.
No Brasil as fábricas estão ampliando as paralisações e a produção industrial registrou queda de1,7% entre setembro e outubro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 27 ramos de indústrias pesquisados, 15 cortaram a produção e a indústria de petroquímica foi a que mais se retraiu, com um corte de 11,6%. A indústria automobilística fechou o mês de novembro com 305.660 carros encalhados nos pátios das montadoras, o que, conforme a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), representa um custo de R$ 12 bilhões. Como resultado, além das demissões, a quantidade de trabalhadores colocados em férias coletivas, na indústria brasileira, não para de crescer. Somente a Companhia Vale do Rio Doce já demitiu 1300 operários e concedeu férias coletivas a mais 5500 empregados. No setor imobiliário, mais de R$ 7 bilhões em projetos de investimento já foram cancelados e a euforia do início do ano, que prometia volumes recordes de vendas e lançamentos de imóveis, nos fazendo lembrar do período do milagre econômico brasileiro, foi apagada. Com isso, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo já calcula que cerca de 100 mil funcionários do setor poderão perder o emprego até o final do ano.
Desta maneira, a economia brasileira, da mesma forma que entrou, com certo grau de defasagem, no movimento de expansão da economia global, continua atrasada em relação ao seu movimento de contração. No entanto, cada vez mais, não só empresários, mas entidades empresariais e sindicais, e mesmo autoridades do governo, vão sendo forçados a reconhecer a entrada na crise.
Enquanto aguardamos a expedição do nosso certificado oficial de recessão, a economia mundialprossegue em sua trajetória de queda, esta sim já reconhecida pelos certificados oficiais emitidos pelas autoridades e órgãos governamentais dos mais diversos países do mundo.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)


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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A encruzilhada da economia brasileira

Semana de 24 a 30 de novembro de 2008

As opiniões sobre a situação da economia brasileira diante da crise mundial dividem-se em dois blocos antagônicos. De um lado, analistas e empresários constatam a escassez de crédito, a redução dos investimentos e do emprego. De outro lado, a equipe econômica do governo, acreditando na “solidez” da economia brasileira, continua a afirmar que haverá apenas uma “desaceleração” em 2009. Para dar robustez às suas opiniões, veiculam informações positivas sobre a economia. Contudo, tais notícias devem ser lidas com cautela, porque os dados apresentados referem-se às apurações feitas até setembro, quando a crise ainda não se havia manifestado no Brasil.
Um destes dados é o aumento de 2% no consumo de alimentos, bebidas e produtos de limpeza em comparação com o mesmo período do ano passado (dados do instituto de pesquisa Latinpanel). Conforme o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, Sussumu Honda, o que colaborou para manter as vendas nos supermercados nos últimos meses foi o fato de que, ao contrário de outros setores que dependem do crédito, o setor supermercadista depende mais da renda do consumidor. Honda, entretanto, demonstra preocupação em relação ao primeiro trimestre de 2009, diante da perspectiva de queda do nível de empregos, que afetará o rendimento dos consumidores.
Outra fonte de preocupação para as famílias brasileiras é o aumento do nível dos preços. A mesma pesquisa da Latinpanel afirma que o preço médio da cesta de produtos subiu 8% entre o terceiro trimestre deste ano e o do ano passado.
A subida dos preços nos últimos 12 meses também foi observada pelo IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que atingiu 6,54% e é considerada uma prévia da inflação oficial do país. Isto significa que a taxa de inflação já supera a meta, estabelecida pelo Banco Central, de no máximo 6,5%. Os responsáveis pela variação do índice foram os alimentos, especialmente a carne, o feijão preto, o arroz e o leite.
Diante disto, a previsão dos analistas é de que o Banco Central, em sua próxima reunião, decidirá manter a taxa básica de juros do país, a Selic, nos atuais 13,75%.
Estatísticas do Banco Central mostram ainda a restrição de crédito atual. Comparando a concessão de empréstimos nos oito primeiros dias úteis de outubro e de setembro, constata-se a redução de 13%. De outubro pra cá, mesmo com todas as medidas tomadas pelo governo para aumentar a liquidez, a concessão de crédito para as empresas teve alta de apenas 1,2% fazendo crescer o risco de quebra em série, especialmente das médias e pequenas empresas. As maiores, não conseguindo financiamento no exterior, voltaram-se para o mercado interno, restringindo ainda mais o espaço das menores.
Isso mostra que grande parte do dinheiro liberado pelo governo continua debaixo do colchão dos grandes bancos. Os bancos privados, por exemplo, aumentaram somente em 2% os financiamentos em outubro e concedem empréstimos com spread elevado (diferença entre o custo de captação do dinheiro e o juro cobrado aos clientes). Mesmo assim, o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Fábio Barbosa, considera que “o sistema bancário não deixou de operar.”
Este cenário leva os empresários a revisarem os seus planos de investimentos. Montadoras de veículos, como a Peugeot-Citroen e a Volkswagen, diante da queda da demanda do mercado nacional e da queda das exportações, antecipam as férias coletivas para o início de dezembro, e a Fiat, General Motors e Renault param, visando reduzir os estoques. Nos primeiros meses do ano, os carros ficavam parados nos pátios das montadoras até 15 dias. Com a restrição de crédito em outubro, as vendas caíram 11% em relação ao mês anterior e nos últimos 38 dias os carros vêm se acumulando nos pátios das revendas e das montadoras. Em valores absolutos, o estoque já atinge 297,7 mil veículos.
As grandes operadoras de celular, como Vivo e TIM, reduziram suas compras, mesmo com perspectiva de vendas no natal. Na Zona Franca de Manaus, empresas de tecnologia divulgam cortes de 900 postos de trabalho. Tal fato soma-se ao anúncio da Xerox de encerrar a produção no Amazonas. A ação faz parte de um plano mundial de cortes nas despesas, em torno de 400 milhões de dólares, o que tem como conseqüência a eliminação de três mil empregos no mundo.
Enquanto isso, as remessas de lucros de janeiro a novembro já superam todo o ano passado. Até novembro as empresas enviaram para suas matrizes no exterior 29,3 bilhões de dólares, valor que ultrapassa em muito os 17 bilhões remetidos no mesmo período do ano passado.
Ao que tudo indica, na encruzilhada em que se encontra a economia brasileira, o único caminho a ser seguido nos próximos meses é o da crise, e o coro dos que acreditam nos fundamentos sólidos desta economia a cada dia está desafinando e emudecendo.
Na economia mundial, a expansão da crise na economia real, com as falências, queda da demanda, aumento do desemprego, etc., continua a preocupar os governos dos Estados Unidos, dos países europeus, da China e do Japão. Na tentativa de contornar a situação, praticamente todos os dias surgem notícias de
mais pacotes de estímulos econômicos.
Nos Estados Unidos, o último alvo de atuação do governo foi o socorro ao Citigroup em uma operação utilizando quantias inimaginavelmente vultosas: 300 bilhões de dólares na compra de ativos do banco, fazendo com que o governo passe a ter uma grande participação no capital. É interessante informar que o Citigroup é um caso típico de queima de capital fictício: em um intervalo de um ano, o valor do banco decresceu de 237,2 bilhões de dólares para “míseros” 20,5 bilhões. O montante que evaporou decorreu das perdas e prejuízos oriundos da crise do sub-prime.
Já a General Motors corre o risco de ficar sem dinheiro este ano e de atrasar o pagamento para o fundo de saúde dos seus aposentados. A GM, a Ford e a Chrysler negociam ajuda do governo para garantir a sua sobrevivência. Para 2009, o Congresso norte-americano quer enviar para o presidente eleito, Barack Obama, outro pacote de estímulo econômico, voltado para o investimento em obras e para cortes de impostos para a classe média, com valor podendo variar de 500 a 700 bilhões de dólares. O número crescente de demissões e a queda dos gastos dos consumidores fazem parte da herança que o novo líder estadunidense vai receber.
Nos últimos dias, Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália, Holanda, Alemanha, Hungria e Áustria, além da Comissão Européia (braço executivo da União Européia), criaram planos para restaurar suas economias. Em geral, as ações são voltadas à redução de tributos e outras facilidades fiscais, ajuda aos setores automotivos e de construção e formação de fundos soberanos nacionais. A preocupação com os resultados de 2009 é grande, já que a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) prevê que a economia da zona do Euro vai se contrair por três trimestres consecutivos, deixando a entender que o próximo ano será um ano perdido.
A China, o país que mais contribui para o crescimento mundial, deve ter a menor expansão em quase duas décadas. A razão para isso é a queda da demanda externa pelos produtos chineses. Analistas concordam que o desemprego será o grande drama do país. Para o economista chinês Mao Yushi, diretor do Instituto de Economia Unirule de Pequim, “o governo diz que a China cresce de 8% a 9% em 2009, mas acho que serão 6% ou 7% no máximo”. Com este valor, afirma Yushi, o país não vai ter como empregar os milhões de chineses que buscam emprego, ou porque atingiram a idade de entrada no mercado de trabalho ou porque migraram do campo para as cidades.
Tudo isto demonstra que o pior ainda não passou, a destruição ainda não foi suficiente para a passagem à nova fase da crise, a depressão, e que a economia mundial continuará caminhando em direção ao fundo do poço.

Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Apagão Econômico

Semana de 17 a 23 de novembro de 2008


Talvez, ao cruzar com um pedinte na rua e negar-lhe algumas moedas, o peso na consciência tenha impedido um sono tranqüilo de algum cidadão. O que dizer do governo americano que tem negado apenas US$ 25 bilhões aos pedintes presidentes da General Motors, da Chrysler, e da Ford? Neste caso, o apelo ganhou o coral bastante afinado dos parlamentares do partido do presidente eleito e salvador da pátria, Barack Obama. Os democratas estão pressionando para que parte da verba do plano Paulson, secretário do Tesouro americano, seja utilizada nas medidas de apoio à economia, sobretudo ao setor automobilístico, ameaçado de falência generalizada. “A crise do nosso sistema financeiro já se alastrou para o resto da economia. Vai demorar um pouco antes que o crédito seja reativado e conserte o sistema financeiro, algo essencial para a recuperação da economia”, avisou Paulson em discurso aos parlamentares.
Dos US$ 700 bilhões liberados pelo governo americano através do Plano Paulson já foram gastos US$ 250 bilhões, dos quais US$ 200 bilhões com os bancos e US$ 50 bilhões com a seguradora AIG. Realmente é uma decisão muito difícil para o governo optar entre a ajuda aos necessitados banqueiros ou aos necessitados do setor automobilístico, que fazem o sacrifício de viajar de jatinho particular para pedir uns míseros bilhões de dólares. O pior é que todo esse dinheiro será insuficiente para estimular a economia, pois, para os especialistas, são necessários mais US$ 1,2 trilhões.
O corajoso presidente da Repsol YPF, empresa espanhola, queixou-se, no entanto, da postura intervencionista de alguns países. Sem citar nomes, lamentou que “ainda hoje usam a intervenção do Estado para compensar, para mitigar as forças da livre economia.” Para ele a América Latina continuará sendo uma fonte de crescimento mundial nos próximos anos, em grande parte, devido a sua demografia, formada por uma sociedade jovem, cosmopolita e dinâmica.
O presidente francês foi mais comedido ao criar um fundo estratégico de investimentos de € 20 bilhões (US$ 25 bilhões) para ajudar suas empresas de setores chave a enfrentarem a crise financeira mundial. “Diante da crise há duas estratégias: ou a pessoa fica trancada em casa ou enfrenta o mau tempo de forma ofensiva”, disse Sarkozy. “Reforçamos os meios das empresas, reforçamos as universidades, colocamos dinheiro a serviço do desenvolvimento, em vez de adotar políticas chamadas sociais que só servem para adiar o drama.”
Estes são acontecimentos que mostram que a economia mundial esta no meio de um tornado. A zona do euro mergulhou em sua primeira recessão em 15 anos, abrindo o caminho para maiores reduções na taxa de juros. A economia do Japão, a segunda maior do mundo, entrou em sua primeira recessão desde 2001, e o governo e os economistas dizem que a situação pode piorar. O Japão tem a mais baixa taxa básica de juros entre as 20 maiores economias do mundo e sua dívida pública ultrapassa os 180% do PIB. O maior banco japonês, o Mitsibishi UFJ Financial Group, sofreu uma queda de 61% no lucro do segundo trimestre. Já os americanos, com a atual crise, passaram a sofrer de depressão, perda de apetite, insônia e “compulsão por sandaes com calda de chocolate.” A morte do dinheiro das pessoas deixou-as de luto.
No Brasil, segundo Waldir Quadros, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, o forte ciclo de consumo, apoiado na expansão do financiamento sujeito a “bolhas”, acabou. “O crescimento de 2004 a 2008 já acabou e esta estrutura já está em crise.” Para o presidente Luís Inácio Lula da Silva, porém, o dinheiro está sobrando tanto que anda pulando das mãos dos brasileiros. Segundo ele, a falta de dinheiro não é problema no Brasil. Aliás, para quem tem dinheiro em caixa, o presidente recomendou gastar. “Esta é a hora das pessoas aprenderem a fazer bons negócios, a comprar o carro, a televisão mais barata, sempre com cuidado de que um ser humano não pode gastar mais do que ganha.” É necessário tirar o “dinheiro do colchão”, para fazer a economia girar.
Quem é mesmo que está torcendo contra o Brasil?
E será preciso, pois 35 empresas do setor metalomecânico, fornecedoras do setor automobilístico de Curitiba e região, vão dar férias coletivas para seus funcionários em dezembro, como reflexo direto da crise econômica que vem provocando paradas para o realinhamento da produção em várias montadoras de
veículos. No Paraná, a Volkswagen já deu férias coletivas para 1,8 mil dos 3,6 mil funcionários a partir deste mês, e a Renault, que tem quatro mil trabalhadores, depois de adotar o banco de horas negativo para dispensar temporariamente alguns trabalhadores, resolveu parar completamente a unidade de veículos de passeio, a partir de 2 de dezembro, até 7 de janeiro.
A General Motors do Brasil afirmou que a manutenção do quadro de empregados nas três fábricas do grupo, duas em São Paulo e uma no Rio Grande do Sul, vai depender do comportamento do mercado até o final do primeiro trimestre do ano que vem. Se o mercado não reagir, a empresa poderá demitir 1,6 mil trabalhadores.
Com a queda de 20% nas vendas de automóveis e veículos comerciais, os preços dos carros novos deverão reduzir-se. “Com essa parada do setor automotivo um carro que custava R$ 30 mil não vale hoje mais que R$ 24 mil e a tendência é que o preço caia ainda mais”, segundo fontes do mercado.
A crise econômica mundial também afetou a gigante Petrobrás. Diante da queda no preço do barril no mercado internacional, a empresa adiou alguns projetos da carteira de exploração e produção. “Quando o petróleo cai de US$ 140 para US$ 60 você tem impacto na geração de caixa da empresa, que é responsável pela manutenção de projetos de curto prazo. São nesses projetos que temos que fazer ajustes”, disse José Jorge de Moraes, gerente geral de exploração e produção da estatal.
Outra alavanca do crescimento dos últimos anos da economia brasileira, o crédito, está dando sinais de que já foi atingido pela crise mundial. O crédito alcançou 36% do produto nacional. O problema é que a inadimplência passou a apresentar uma escalada preocupante, refletindo o excesso de endividamento dos últimos meses.
Apesar de todas estas evidências, existe ainda quem acredite que o pior da crise já passou...

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo: Professora do Departamento de Economia da UFPB e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. progeb@ccsa.ufpb.br.

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