quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Recessão ou inflação: eis a questão!

Semana de 11 a 17 de agosto de 2008


Nas manchetes econômicas da semana, apareceram, com muita freqüência, expressões como “o medo de uma recessão global”, “economias em desenvolvimento vão registrar uma desaceleração”, “a economia está desacelerando”. Elas refletem a divulgação de dados sobre a desaceleração econômica e a pressão inflacionária nos Estados Unidos, como também na Europa e na Ásia.
Nos Estados Unidos, o índice de preços ao consumidor, principal indicador da inflação, registrou uma elevação de 5,6% no período de 12 meses findado em julho, a maior variação nos últimos 17 anos. O aumento foi atribuído aos preços dos alimentos, dos combustíveis e da energia. Mas, o que preocupa os norte-americanos é a desaceleração da sua economia, observada através da queda da taxa, de crescimento do PIB, que passou de 2%, no primeiro trimestre, para 1,8%, no segundo, e do aumento do desemprego. Segundo o Departamento de Trabalho, 450 mil pessoas entraram com pedidos de auxílio-desemprego na primeira semana de agosto, o que caracteriza um período de recessão.
No intuito de reativar a atividade econômica, o governo norte-americano instituiu um pacote de estímulo ao consumo, em torno de 168 bilhões de dólares, para, entre outras ações, restituir antecipadamente o imposto de renda e realizar a devolução de tributos através do envio de cheques aos contribuintes. Pergunta-se o que acontecerá quando os incentivos acabarem. Para muitos analistas, o efeito do pacote se esgotará já no quarto trimestre, e depois os consumidores voltarão a reduzir os seus gastos. O que o Tesouro já sabe é que as restituições e devoluções vão contribuir para o aumento do déficit orçamentário, o qual já bate recorde. Em julho, os cofres públicos dos Estados Unidos registraram déficit de US$ 102,8 bilhões, 182% mais alto do que em julho do ano passado.

Na zona do euro, observou-se retração econômica de 0,2% na comparação entre o primeiro e o segundo trimestre. A desaceleração da atividade econômica foi a primeira desde a adoção, em 1999, da moeda única (o euro) pelos 15 países participantes e foi influenciada pela diminuição das vendas e a disparada dos custos, o que contribuiu para a corrosão do poder de compra dos consumidores.
A Alemanha, considerada a maior economia da Europa, sofreu redução trimestral de 0,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Fato similar também ocorreu na França e na Itália, com retrações de 0,3% no PIB. A preocupação dos gestores europeus é com outra contração no próximo semestre, o que indicaria a presença de uma recessão.
No Reino Unido, o Banco da Inglaterra divulgou uma inflação prévia de 5% em função dos preços (mais uma vez) dos alimentos e da energia. O presidente do Banco, Mervyn King, resumiu a atual situação européia: “Ainda pode ser verão, mas há uma sensação de calafrio no ar econômico”.
Dentre as grandes economias, a que apresentou situação mais grave foi a japonesa. O PIB obteve a maior queda, encolheu num ritmo anual de 2,4% no segundo trimestre, e o declínio da renda pessoal foi de 4%. Desde o final de década de noventa, o BOJ, BC japonês, mantém sua taxa de juros até 0,5%, o que diminui a margem de manobra para realizar sua política monetária.
O estouro da bolha especulativa das commodities continuou, mas, agora, provoca conseqüências na economia real. A retirada dos fundos de investimentos dos mercados agrícolas futuros deixou um rastro de preços baixos, o que prejudicou os produtores de grãos, incluindo os brasileiros. A queima de capital fictício fez com que, em 30 dias, o ganho de R$ 400,00 por hectare dos produtores de soja do Mato Grosso e de Goiás fosse revisado para abaixo de R$ 300,00. Com preços em queda e a presença de custos de produção elevados, os produtores estão preocupados com a viabilidade da produção.
Conforme dados da Gazeta Mercantil, durante o período de oito de julho a oito de agosto, os mercados futuros de soja e de milho sofreram queda nas cotações de 24,02% e 26,44% respectivamente. A desvalorização acumulada na Bovespa, no ano, chegou a 14,35%, causada pelo enfraquecimento das commodities e pela saída de R$ 15 bilhões de capital externo da Bolsa, entre junho e julho.
O baixo desempenho da Bovespa afetou a empresa “carro-chefe” brasileira, a Petrobrás. Nem mesmo as descobertas das reservas pré-sal conseguiram evitar a queda de suas ações, com perda acumulada de 21,5%.
Contudo, a Petrobrás não está muito preocupada quanto aos seus rendimentos, já que registrou o terceiro maior lucro, em dólares, entre as companhias de capital aberto da América Latina e dos Estados Unidos. Com a colaboração do alto preço do petróleo, obteve lucro líquido, no primeiro semestre, de R$ 101,4 bilhões, um acréscimo de 25% em relação aos seis meses anteriores. As suas preocupações atuais giram em torno da proposta do governo de criar uma empresa (100% estatal) para gerenciar a exploração de petróleo e de gás na área do pré-sal (campo Tupi). Em julho, o governo federal criou uma comissão interministerial para propor sugestões à lei para a prospecção e a produção de petróleo nos campos do pré-sal.
Longe de ser uma unanimidade entre os interessados, a proposta de uma nova estatal tem causado barulho. O presidente Lula, em discurso nacionalista, e com um tom de “aviso aos navegantes”, afirmou, em evento da União Nacional dos Estudantes (UNE), no último 12 de agosto, que o petróleo “não pode ficar na mão de uma meia dúzia de empresas” e que os lucros obtidos com a sua exploração devem ser usados para a resolução dos problemas na educação.
Falando em divergência e ainda em commodities, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou, após a divulgação de pequena queda no Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, que a desaceleração da inflação foi reflexo da reversão no preço das commodities e de medidas tomadas pelo governo como o aumento da meta do superávit primário (para aplicar o excedente no Fundo Soberano), e da incidência do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF, nas operações de leasing, para frear o crédito na aquisição de veículos. O ministro ainda declarou que “o pior já passou”.
Ele não atribuiu qualquer importância às elevações na taxa básica de juros realizadas pelo Banco Central. Lembre-se que, neste ano, a taxa Selic foi elevada em 1,75 pontos percentuais, com o pretexto de combater precisamente a inflação, e que existe a expectativa de outro reajuste até o final do ano.
De fato, tomando-se o IPCA como base, o índice inflacionário desacelerou de 0,74% para 0,53% de junho para julho. No entanto, nos últimos 12 meses, o mesmo IPCA sofreu elevação de 6,37%, batendo no teto da meta da inflação estabelecida pelo governo, que é de 6,5%. Os especialistas consideram muito cedo para o ministro dizer que o pior já passou, pois mesmo com o recuo do preço dos alimentos, são previstos reajustes nos preços administrados, como na telefonia e energia elétrica, nos próximos meses. Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a pressão nos preços das commodities ainda persistirá nos próximos meses, implicando em resultados acima da média nos índices inflacionários nos últimos meses de 2008.
Verifica-se, portanto, que, como disse o economista do Bank of América em Londres, Gilles Marc,
as principais economias vivem uma “corrida contra o tempo” na luta contra a recessão. Podemos acrescentar que a corrida é contra a estagflação, pois, junto à estagnação, as economias vivenciam também um processo inflacionário.
Além disso, a elevação dos preços dos bens primários, no primeiro semestre, colaborou diretamente para a mudança na pauta da exportação brasileira. Antes do processo de aumento das cotações das commodities, os itens brasileiros mais exportados para os Estados Unidos (principal destino das exportações) eram os manufaturados. Atualmente são os produtos básicos. A valorização da moeda brasileira frente ao dólar colaborou para esta mudança, fazendo com que produtos como os calçados praticamente sumissem da lista dos dez mais importantes bens exportados, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para compensar a queda do dólar, os setores industriais mais afeitos à exportação, como calçados, vestuário e têxtil, estão realizando demissões, ou então, abrindo filiais no exterior para produzir o que antes era fabricado no Brasil.
A presença do binômio, taxa de câmbio elevada – juros, altos torna o crescimento econômico brasileiro uma incógnita. Por conseguinte, a expectativa dos analistas para o PIB do presente ano
permaneceu abaixo de 5% e para o PIB de 2009 foi revisada para baixo, passando de 3,9% para 3,73%.


Texto escrito por:

Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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Seminário Permanente

Olá Caros Leitores,

além do Grupo de Análise de Conjuntura – GAC e do Grupo de Produção Informática – GPI, o Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira - PROGEB é formado pelo Seminário Permanente – SP, o qual promove apresentações sobre os temas que são estudados pelos pesquisadores do PROGEB.

E é com satisfação que o convidamos a todos para a apresentação do seminário “A Crise Econômica"Atenciosamente,

Seminário Permanente – SP e Grupo de Produção Informática – GPI, partes integrantes do Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira - PROGEB.



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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A Crise Econômica: uma visão marxista

É com prazer que divulgamos aos leitores deste blog o livro do professor Nelson Rosas Ribeiro, denominado "A Crise Econômica: uma visão marxista". A seguir disponibilizamos uma breve resenha sobre o conteúdo do livro:

O fenômeno da crise econômica, também conhecido como ciclo econômico, ciclo de Juglar ou crise cíclica de superprodução, vem atingindo a economia capitalista há mais de um século. Inicialmente manifestando-se como crises parciais, foi se generalizando até assumir a forma atual de crises gerais que atingem toda a economia mundial.
Embora tenha uma regularidade quase decenal, a crise tem sido escondida e escamoteada por algumas correntes do pensamento econômico incapazes de explicá-la. Uma outra tendência observada é a tentativa de explicá-la por razões casuais ou acidentais; daí se falar em crise do petróleo, crise das torres gêmeas e agora crise do mercado imobiliário americano.
Este livro, partindo das formulações de Marx, procura construir uma teoria capaz de explicar as crises, caracterizadas como crises cíclicas de superprodução, por causas que estão nas leis gerais que regem a economia capitalista e, portanto, inerentes ao sistema.



Aos interessados na aquisição do livro segue o email do PROGEB:

progeb@ccsa.ufpb.br



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quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A queda das commodities

Semana de 04 a 10 de agosto de 2008


Os produtos agrícolas, que até então estavam servindo de refúgio para os capitais especulativos, enlouquecidos com a atual crise econômica, despencaram de vez na cotação das principais bolsas do mundo. A tendência, que já vínhamos acompanhando há algumas semanas se agravou com a conseqüente desvalorização dos ativos financeiros atrelados as commodities como os grãos. A novidade é que os analistas admitem publicamente que este agravamento foi impulsionado pelo temor generalizado de uma desaceleração da economia global, fato que continua assombrando todos os investidores e especuladores nos mercados internacionais.
Segundo pesquisa da Economática, considerando-se o período que vai de 20 de maio até o fim de julho, a Bovespa registrou uma desvalorização de 19,06%, provocada, na maior parte, pela queda das commodities. A soja foi um dos produtos que teve a maior baixa em sua cotação. A desvalorização sofrida é tamanha que pode até mesmo comprometer o plantio. Na semana passada a soja sofreu mais um tombo na bolsa de Chicago, nos Estados Unidos, chegando a ser cotada a US$ 12,13 o buschel, o que torna a sua produção economicamente inviável, já que o preço mínimo que viabiliza o plantio situa-se entre os 13 e os 14 dólares o buschel.
Com esse novo estouro, mais uma vez, os capitais procuram desesperadamente encontrar outros ativos que os remunerem e, enquanto isso, a crise continua se arrastando lentamente. “Estamos experimentando um verdadeiro desastre em câmera lenta”, disse Paul Krugman em artigo publicado no The New York Times, sendo obrigado a reconhecer que a “crise financeira, decorrente desse ciclo econômico, está amplamente alastrada” e que “a situação ainda vai se agravar consideravelmente antes de melhorar”.
Como se vê, as previsões que temos feito, nem são alarmistas, nem pessimistas. Elas são confirmadas pelas opiniões de um economista respeitado como o Paul Krugman e, portanto, teremos de assistir pacientemente a caminhada da economia global em direção ao fundo do poço, para só depois retomar o crescimento.
De fato, parece que a crise ainda não cumpriu a sua função. Ao mesmo tempo em que crescem as perdas registradas pelas grandes empresas, aumenta também o nível do desemprego, características clássicas desta fase do ciclo econômico. A General Motors, por exemplo, contabilizou um prejuízo de US$ 15,5 bilhões no segundo trimestre, devido a queda acentuada de suas vendas nos Estados Unidos. Na Espanha, o desemprego atingiu o seu nível mais alto, nos últimos dez anos,para o mês de julho. O númerode desempregados aumentou em mais de 36 mil pessoas. Além disso, o governo japonês, por sua vez,desconfia que a tímida expansão do país tenha chegado ao fim, e admitiu que há uma alta probabilidade de que a economia tenha entrado na recessão.
Agora, com mais este estouro, desencadeado pela especulação em torno dos produtos agrícolas, que, diga-se de passagem, foi a grande responsável pela subida nos preços dos alimentos, afetando diretamente os consumidores, deveremos continuar assistindo ao desenrolar da crise com o seu efeito saneador sobre a economia. Este efeito, até agora, tem sido reprimido pelas políticas econômicas conjuntas realizadas pelos Bancos Centrais dos principais países afetados, cujo objetivo é tentar salvar empresas da falência, impedindo, entretanto, a eliminação daquelas que são menos eficientes. Com isto, não se verifica a necessária destruição de capitais, o que retarda o movimento econômico mundial.
Na verdade, a situação é extremamente incômoda para os responsáveis pela política econômica dos mais importantes países. Se não intervém para salvar as empresas à beira da falência, a destruição poderá ter conseqüências imprevisíveis do ponto de vista político e social. Se intervém, injetando dinheiro na economia, prolongam o sofrimento, exaurindo lentamente o enfermo e retardando a recuperação. A explosão das contradições do sistema arrasta a humanidade, mais uma vez, para o velho dilema: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.”
Segundo previsão do Dresdner Kleinwort, divisão do Dresdner Bank, terceiro maior banco da Alemanha, cerca de 6% ou 7% das empresas européias tomadoras de empréstimos deverão deixar de pagar suas dívidas dentro do prazo, no ano que vem, o que representa um percentual dez vezes maior que o de junho deste ano. “As empresas que tinham capacidade para refinanciar suas dívidas, um ano atrás, estão descobrindo que não poderão fazer isso agora”, disse Andy Stoneman, sócio da MCR Corporate Restructuring.
O Brasil, com a sua política monetária, continua mais uma vez remando contra a maré. Enquanto os principais bancos centrais reduzem suas taxas de juros referenciais, no Brasil, a Selic continua aumentando, e a previsão é que ela termine o ano em 14,75%, conforme aponta a Pesquisa de Projeções e Expectativas do Mercado, realizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O objetivo de tal política, que é tentar combater a inflação, está cada vez mais em xeque. Não bastasse o fato do Banco Central não produzir petróleo, como já dissera Ben Bernanke, e por isso não ser capaz de reduzir os preços dos produtos, no caso do Brasil, tal política ainda cria efeitos contraditórios. Quando a Selic sobe, provoca
um aumento da rentabilidade dos bancos que possuem títulos indexados a esta taxa referencial, o que aumenta os recursos disponíveis nos cofres destes bancos. Conseqüentemente, cresce a sua capacidade de emprestar, contrariando o objetivo inicial de reduzir o crédito e conter a demanda. Isto tem sido o responsável pelo aumento do crédito as camadas de baixas rendas que é feito pelas pequenas instituições de credito, possuidoras de títulos públicos.
Indiferentes ao esforço do governo e estimulados pelas elevadas taxas de juros, os grandes bancos também têm ampliado a oferta de dinheiro. O Bradesco, por exemplo, apresentou uma alta de 38,8% na sua carteira de crédito em 12 meses. Já o Itaú registrou um avanço de 41,3% no saldo de empréstimos.
Além disso, o banco teve um lucro líquido de R$ 4,08 bilhões no primeiro semestre, 1,7% a mais em comparação com igual período do ano passado. Como vemos, enquanto os bancos do mundo inteiro amargam os prejuízos do subprime, a lucratividade dos bancos brasileiros continua indo de vento em popa, resultado da “robusta política monetária do governo”, que é, ao mesmo tempo, restritiva para o crescimento econômico do país, mas expansionista para o crescimento econômico das grandes instituições financeiras.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira. (progeb@ccsa.ufpb.br)

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sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Não vamos ficar de fora da crise

Semana de 28 de julho a 03 de agosto de 2008

Nos EUA, foi criado um critério para determinar quando uma economia entra em recessão. Segundo este critério, só se considera que há recessão quando há uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) por dois trimestres consecutivos. Baseado nessa definição, o NBER, organização privada de pesquisa, identifica o começo e o fim das recessões. Só na semana passada, eles divulgaram a conclusão de que a economia americana sofreu uma recessão na virada de 2007 para 2008. Finalmente descobriram o que nós, do Progeb, já havíamos previsto, desde o ano passado.
Mais atrasado ainda está Alan Greenspan. Para ele, a economia americana ainda esta “à beira” de uma recessão. Greenspan disse que, diante da atual situação financeira, ficará surpreso se a recessão não acontecer, e que, quanto aos preços residenciais, o mercado americano ainda está muito longe de atingir o fundo do poço. Acrescentou ainda que as instituições financeiras Fannie Mae e Freddie Mac eram “um desastre esperado para acontecer” e sugeriu que o governo deve nacionalizar as duas agências e reestruturá-las em cinco ou dez entidades, dando-lhes mais capital para depois devolvê-las ao mercado.
Este é mais um exemplo da utilização do Estado pelos grupos capitalistas. Na hora do prejuízo, socializem-se as perdas (com o dinheiro dos contribuintes), e na hora dos lucros, entreguem-nos novamente aos empresários privados.
Adiantado nas previsões está Paul Krugman, professor de economia da Universidade de Princeton, que já prevê uma próxima crise muito pior que a atual. Para ele, “é tarde demais para evitar esta dor. Porém, nós podemos procurar evitar que novas e maiores crises apareçam no futuro”.
Apesar da crise, e contrariando as expectativas, em julho, as empresas norte-americanas criaram cerca de nove mil novos empregos, o que não compensou os resultados dos seis primeiros meses do ano. Os dados do Departamento do Trabalho dos EUA mostram que, no semestre, em média, nas folhas de pagamento das empresas privadas, foram eliminados 94 mil postos de trabalho por mês.
Enquanto o FMI não avista, no horizonte, o fim da crise nos EUA, parece que, no Brasil, ela começa a dar as caras. Pelo menos é o que sugerem os dados do PIB. Segundo os economistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a atividade industrial já apresenta os primeiros sinais de desaceleração, com o aumento dos estoques, o que é agravado pelos problemas de acesso ao crédito graças à elevação dos juros, patrocinada pelo governo. Essa também é a visão da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que, além disso, prevê, nos próximos trimestres, um crescimento dos preços na indústria de transformação, como conseqüência da elevação dos custos.
Os números do crescimento da economia, no primeiro semestre do ano, são positivos, mas, de acordo com uma sondagem da CNI, as previsões apontam para uma possível mudança de ritmo na economia, no segundo semestre.
Segundo Flavio Castelo Branco, gerente de política econômica da CNI, o que deve ocorrer, ao longo do ano, é “uma adequação do ritmo. Começamos com um ritmo forte, refletindo o final do ano passado. A duvida é se a acomodação será mais lenta ou forte”.
Não só a alta da taxa Selic é apontada como culpada, mas, para os próximos dois anos, o cenário externo volta a ter peso significativo. Cláudio Porto, diretor-presidente da Macroplan, aponta três elementos de preocupação: a crise dos Estados Unidos, que deve se agravar, a generalização da inflação mundial, causada pela alta acentuada dos preços dos alimentos e das commodities industriais, e a maior volatilidade das cotações do petróleo. Para o economista, atualmente há um efeito simultâneo entre pressão de demanda, por haver mais pessoas consumindo, e pressão de custos. Mesmo não estando em um céu de brigadeiro, Porto aposta que a economia brasileira ainda vai manter o crescimento, este ano, pelo efeito inercial: “este ano sentiremos um ajuste suave. O aperto mais forte virá em 2009”, quando a taxa de crescimento do produto deve cair para 3,5%.
Para piorar ainda mais a situação, as transações correntes, um dos principais indicadores das contas externas, apresentaram, no primeiro semestre, o pior resultado desde o início da série histórica do Banco Central do Brasil em 1947. Puxado pelas remessas de lucros e dividendos de empresas com sede no exterior, pela queda do superávit da balança comercial e pelo aumento dos gastos de brasileiros no exterior, o déficit atingiu, em junho, US$ 2,596 bilhões.
Já o superávit primário, economia feita pelo Governo Central, Estados e Municípios para o pagamento dos juros da dívida pública, somou R$ 86,1 bilhões, o maior desde o início da série histórica do BC em 1991. A cifra equivale a 6,19% do PIB e foi impulsionada pelo aumento da arrecadação tributária. Especialista em contas públicas, o economista Raul Velloso acredita que o Brasil “ainda não caminha” para zerar o déficit nominal por causa dos juros elevados, que aumentam automaticamente as despesas.
A dívida tem crescido em virtude da elevação da taxa básica de juros, Selic, que é justificada pelo BC, como meio de conter o aumento da inflação, que, na opinião de muitos analistas, já atingiu o seu pico e tende a diminuir agora.
O grau de investimento conferido ao Brasil por duas agências de classificação de risco acenava como uma dádiva caída do céu para a economia brasileira. Como não podia deixar de ser, o “upgrade” foi trombeteado pelo governo quase a exaustão. E o mercado de ações acompanhou a euforia. Quando os especuladores consideraram que as cotações já tinham alcançado o nível conveniente, decidiram vender e buscar novos nichos mais seguros para aplicar o dinheiro. Nesse momento, e por mera coincidência, o Banco Central, salvador dos capitais especulativos, tratou de aumentar a taxa Selic em 1,75% de abril para cá. O resultado foi a migração das aplicações, dos “investidores” estrangeiros, para os papéis de renda fixa.
Talvez a verdadeira intenção do BC seja mesmo garantir a remuneração dos capitais especulativos, o que, convenhamos, é menos indecente do que comprar instituições financeiras quebradas, como está sendo feito pelo governo americano.
Apesar da elevação da taxa Selic, das ameaças inflacionárias e dos aumentos da alíquota do Imposto sobre Movimentação Financeira (IOF) e da taxa de compulsório sobre as empresas de leasing, as operações do sistema financeiro mantiveram a fôlego. O Banco Central informou que, em junho, o estoque de recursos emprestado atingiu R$ 1,067 trilhões, o equivalente a 36,5% do Produto Interno Bruto (PIB). É a maior participação deste setor no PIB, desde janeiro de 1995, quando chegou a 36,8%. Mas, o Banco Central afirma que está acompanhando o crédito e pensa que o aumento da taxa de juros restringirá a demanda.
Mas, preocupado com a situação das empresas que atuam no comércio exterior e que estão visivelmente penalizadas por conta da valorização da moeda brasileira, que neste ano já acumula mais de 11,5%, o governo liberou R$ 3 bilhões em crédito dos recursos destinados à nova política industrial.
Outra medida para tentar proteger o setor foi a prorrogação, até 2010, da redução de 14%, para 2%, do Imposto de Importação, na compra de máquinas e equipamentos destinados ao setor produtivo sem similar nacional. O beneficio deveria terminar no primeiro dia de dezembro deste ano.
Outro fator que corrobora com as nossas previsões de que a economia brasileira estaria entrando em recessão são as informações sobre a criação de emprego. Os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), elaborada pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e estudos Socioeconômicos (Dieese) referentes a junho, revelam uma leve queda na criação de empregos formais no setor privado, que apresentou redução de 0,3%, em junho, comparado a maio.
Há uma nuvem negra pairando sobre a economia brasileira, mas temos que esperar para ver se é apenas uma chuva ou se o Banco Central, aumentando ainda mais as taxas de juros, vai contribuir para transformá-la em uma tempestade.

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo: Professora do Departamento de Economia da UFPB e Pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (progeb@ccsa.ufpb.br)

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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

De “bolha” em “bolha”, a crise continua

Semana de 21 a 27 de julho de 2008

Na Análise da semana passada, já prevíamos que a bolha das commodities estouraria. Pois bem, o estouro já começou. Como também já afirmamos antes, a elevação dos preços destes bens não tinha como causa fundamental o aumento da demanda, mas sim a especulação do capital financeiro, enlouquecido e desesperado, à procura de aplicações alternativas, já que as ações e títulos negociados nas bolsas de valores não mais mereciam confiança. Começaram a comprar e vender papéis que representavam mercadorias, principalmente alimentos (grãos) e matérias primas (minérios). Ora, era inevitável que a crise, fase do ciclo econômico atual, fizesse cair violentamente a procura, já que provocaria a estagnação da produção. Com isto, os papeis lastreados em commodities perderam a referência, o corpo, e começaram a desabar, acompanhando a queda dos preços destes bens.
Durante toda a semana, as notícias sobre essa queda se sucederam. O preço da soja, na bolsa de Chicago, caiu para US$ 13,73 o bushel, aproximando-se do limite mínimo para a cultura ser rentável. Se cair mais, o cultivo se torna inviável (a viabilidade econômica desta atividade situa-se entre 13 e 14 dólares o bushel). A queda acumulada até agora é de 14,4%. No mercado interno, o preço também foi arrastado, acumulando perda de 11,9%. Segundo Glauber Silveira, presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), se os preços continuarem a cair, abaixo de US$14, “os produtores vão quebrar”. Em relação ao milho, entre 11 e 25 de julho, os preços já caíram 17%. A nível internacional, a queda nos preços fez o Indice Reuters-Jefferies CRB Commodity cair 7,4% em uma semana, e o presidente da Marketfield Asset Management de Nova York, Michael Aronstein, declarou que “Todas essas commodities estão começando a mostrar sinais de que o grande mercado altista acabou e que os produtos...vão começar a cair substancialmente de preço”.
O petróleo também está em baixa. Desde o preço recorde de US$ 145,18 o barril, até agora, a redução foi de 10,95%. Desde o início de julho, a queda foi de 8.1%. Neste período, o milho despencou 17% e o cacau, 12%. Dezesseis das 19 commodities monitoradas pelo Índice CRB tiveram queda de preços na semana passada.
Com o estouro da “bolha” das commodities, para onde irá o capital especulativo? Quem poderá socorrê-lo agora?
O famoso economista Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton, nos EUA, lamentando a violência da crise e comparando-a com as do passado, mostra sua dificuldade em encontrar uma resposta: “Foi fácil acabar com o velho estilo de recessão (...). Terminar com as quedas modernas é bem mais difícil, pois a economia precisa encontrar algo para substituir a bolha estourada.” E continua, citando a publicação “The Onion”: “Pais afetado pela recessão exige nova bolha na qual investir”. Concluindo, ele completa melancolicamente: “Provavelmente não encontraremos outra bolha, pelo menos não uma grande suficiente para alavancar uma rápida recuperação”.
Com base nisto, Krugman considera que a recessão na economia americana deverá arrastar-se por mais dois anos, apesar de toda a intervenção do Banco Central (Fed), que ele elogia como acertada, para minorar a situação de um rombo estimado em US$ 8 trilhões. Justificando-se, ele afirma: “Hoje somos todos keynesianos”. E completa dizendo que “O Consenso de Washington foi seriamente afetado com esta crise.”
Como se não bastasse, o Professor Krugman foi além em suas análises. Em uma conferência (certamente muito bem remunerada) feita no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no dia 24 passado, manietado pela teoria econômica que lhe serve de base, tentou explicar a crise financeira como uma terrível coincidência de várias crises: choque de preços do petróleo, crise financeira no mercado dos EUA, provocada pela “criatividade financeira norte-americana”, crise no câmbio, por culpa dos países emergentes que resolveram atrelar suas moedas ao dólar, criando uma espécie de segundo Brettonwoods, etc. Tudo isto fez surgir uma “bolha” que “teria de estourar em certo ponto”.
E o estouro continua. As notícias sobre a crise chegam de todas as partes. Nos EUA, cai a venda de casas e sobe o desemprego. As perdas com o setor imobiliário se agravam. Diante da ameaça de falência iminente das gigantescas instituições financeiras Fannie Mãe e Freddie Mac, responsáveis pela metade dos US$ 13 trilhões de empréstimos imobiliários residenciais nos EUA, o secretário do tesouro, Henry Paulson, ex grande defensor do liberalismo econômico, pressiona o Congresso a aprovar as medidas que permitirão injetar, inicialmente, US 8,9 bilhões nestas empresas. As modificações na legislação visam autorizar o governo a comprar ações para permitir que essas empresas possam ter acesso “a um capital adequado para superar esse período”. No setor bancário, os problemas continuam, e chegou a vez do banco Wachovia, que, no trimestre, contabilizou um prejuízo de US$ 8,9 bilhões.
Mas, o problema não se expande apenas no setor financeiro. Como já havíamos previsto, a situação se agrava na economia real. A Sony-Ericson anunciou um prejuízo de US$ 3,17 milhões no segundo trimestre deste ano e pretende reduzir seus gastos. A Ford Motor Co., segunda maior montadora dos EUA, está com um programa de demissão voluntária para seus trabalhadores, diante da redução da produção provocada por uma queda, de 14%, nas vendas. Segundo Edward Altman, professor da Universidade de Nova York, não só a Ford, mas a General Motors Corp, a maior entre as montadoras, está seriamente ameaçada de falência dentro de cinco anos.
Na União Européia, segundo a consultoria Oliver Wyman, sediada em Nova York, os bancos deverão registrar mais $US 191 bilhões de prejuízo. No próximo ano, no Reino Unido, os prejuízos vão subir 44%. Na Espanha, serão $ 2,1 bilhões de euros, superiores ao deste ano. Na Irlanda, os valores deste ano serão ultrapassados em $400 milhões de euros. Em toda a União Européia, a economia desacelera de forma perigosa e em ambiente de inflação.
Neste cenário, o Banco Central do Brasil (BC) tomou a decisão de elevar a taxa de referência Selic em 0,75%, fazendo com que o país se destaque, ainda mais, na sua posição de liderança como campeão mundial em termos de magnitude da taxa básica de juros, que agora atingiu a marca dos 13%. Parece que Henrique Meirelles, presidente do BC, não aprendeu ainda a lição dada pelo seu colega Bem Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, sobre o efeito dos juros sobre os preços. Recentemente Bernanke declarou que a alta dos preços do petróleo e outras comodities se deve “100% a fatores fora do controle da autoridade monetária” e que “o Fed não pode produzir petróleo”.
As conseqüências já são conhecidas. A Bovespa caiu ao seu menor nível desde janeiro, e as perspectivas são de maiores quedas com a possibilidade de continuação de alta da selic, prevista para 15% em dezembro. A dívida interna mantém a trajetória de alta e já chegou a R$ 1,247 trilhões, 0,47% maior que no mês passado. Calcula-se que só este aumento da selic provocará um acréscimo de R$ 3,22 bilhões na dívida. A tendência para a desvalorização do dólar continuou, tendo a cotação atingido R$ 1,58, seu ponto mais baixo desde 1999, o que aumenta ainda mais as dificuldades para o setor exportador. Os protestos das federações das indústrias foram imediatos. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, afirmou que, para combater a inflação, há outros remédios e não apenas a alta dos juros, que “impede o crescimento, gera desemprego e prejudica a sociedade”. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, afirmou que a medida “resultará em maiores danos ao próprio processo de crescimento”. As exportações de produtos manufaturados, que já estão em baixa, serão dificultadas ainda mais. Pela primeira vez em 20 anos, a participação deste tipo de exportação na pauta geral deve fechar o ano abaixo de 50%. Segundo dados da Associação de Comercio Exterior do Brasil (AEB), a política do dólar desvalorizado já retirou da área exportadora mais de 300 empresas de pequeno e médio porte.
Mas, diante de um quadro tão sombrio, ainda temos alguns feitos para comemorar. A arrecadação federal, no semestre, atingiu uma cifra recorde de R$ 327,6 bilhões, 16% acima do apurado, no mesmo período do ano passado, justificado, segundo a Receita, pela expansão da economia e pelo aumento dos impostos. A venda de materiais de construção também bateu recorde, fato igualmente apontado como indicador da expansão. E, finalmente, a empresa alemã Rapunzel Naturkost, que havia registrado, como dela, a marca “rapadura”, foi derrota e nos devolveu o direito a produzi-la.
Assim, de bolha em bolha, enquanto apertamos o passo em direção à crise, com a ajuda do Meireles (que ainda não descobriu que o BC não pode produzir petróleo), pelo menos podemos gritar com todo o patriotismo tupiniquim: a rapadura é nossa.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb. (progeb@ccsa.ufpb.br)

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