quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Recessão ou inflação: eis a questão!

Semana de 11 a 17 de agosto de 2008


Nas manchetes econômicas da semana, apareceram, com muita freqüência, expressões como “o medo de uma recessão global”, “economias em desenvolvimento vão registrar uma desaceleração”, “a economia está desacelerando”. Elas refletem a divulgação de dados sobre a desaceleração econômica e a pressão inflacionária nos Estados Unidos, como também na Europa e na Ásia.
Nos Estados Unidos, o índice de preços ao consumidor, principal indicador da inflação, registrou uma elevação de 5,6% no período de 12 meses findado em julho, a maior variação nos últimos 17 anos. O aumento foi atribuído aos preços dos alimentos, dos combustíveis e da energia. Mas, o que preocupa os norte-americanos é a desaceleração da sua economia, observada através da queda da taxa, de crescimento do PIB, que passou de 2%, no primeiro trimestre, para 1,8%, no segundo, e do aumento do desemprego. Segundo o Departamento de Trabalho, 450 mil pessoas entraram com pedidos de auxílio-desemprego na primeira semana de agosto, o que caracteriza um período de recessão.
No intuito de reativar a atividade econômica, o governo norte-americano instituiu um pacote de estímulo ao consumo, em torno de 168 bilhões de dólares, para, entre outras ações, restituir antecipadamente o imposto de renda e realizar a devolução de tributos através do envio de cheques aos contribuintes. Pergunta-se o que acontecerá quando os incentivos acabarem. Para muitos analistas, o efeito do pacote se esgotará já no quarto trimestre, e depois os consumidores voltarão a reduzir os seus gastos. O que o Tesouro já sabe é que as restituições e devoluções vão contribuir para o aumento do déficit orçamentário, o qual já bate recorde. Em julho, os cofres públicos dos Estados Unidos registraram déficit de US$ 102,8 bilhões, 182% mais alto do que em julho do ano passado.

Na zona do euro, observou-se retração econômica de 0,2% na comparação entre o primeiro e o segundo trimestre. A desaceleração da atividade econômica foi a primeira desde a adoção, em 1999, da moeda única (o euro) pelos 15 países participantes e foi influenciada pela diminuição das vendas e a disparada dos custos, o que contribuiu para a corrosão do poder de compra dos consumidores.
A Alemanha, considerada a maior economia da Europa, sofreu redução trimestral de 0,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Fato similar também ocorreu na França e na Itália, com retrações de 0,3% no PIB. A preocupação dos gestores europeus é com outra contração no próximo semestre, o que indicaria a presença de uma recessão.
No Reino Unido, o Banco da Inglaterra divulgou uma inflação prévia de 5% em função dos preços (mais uma vez) dos alimentos e da energia. O presidente do Banco, Mervyn King, resumiu a atual situação européia: “Ainda pode ser verão, mas há uma sensação de calafrio no ar econômico”.
Dentre as grandes economias, a que apresentou situação mais grave foi a japonesa. O PIB obteve a maior queda, encolheu num ritmo anual de 2,4% no segundo trimestre, e o declínio da renda pessoal foi de 4%. Desde o final de década de noventa, o BOJ, BC japonês, mantém sua taxa de juros até 0,5%, o que diminui a margem de manobra para realizar sua política monetária.
O estouro da bolha especulativa das commodities continuou, mas, agora, provoca conseqüências na economia real. A retirada dos fundos de investimentos dos mercados agrícolas futuros deixou um rastro de preços baixos, o que prejudicou os produtores de grãos, incluindo os brasileiros. A queima de capital fictício fez com que, em 30 dias, o ganho de R$ 400,00 por hectare dos produtores de soja do Mato Grosso e de Goiás fosse revisado para abaixo de R$ 300,00. Com preços em queda e a presença de custos de produção elevados, os produtores estão preocupados com a viabilidade da produção.
Conforme dados da Gazeta Mercantil, durante o período de oito de julho a oito de agosto, os mercados futuros de soja e de milho sofreram queda nas cotações de 24,02% e 26,44% respectivamente. A desvalorização acumulada na Bovespa, no ano, chegou a 14,35%, causada pelo enfraquecimento das commodities e pela saída de R$ 15 bilhões de capital externo da Bolsa, entre junho e julho.
O baixo desempenho da Bovespa afetou a empresa “carro-chefe” brasileira, a Petrobrás. Nem mesmo as descobertas das reservas pré-sal conseguiram evitar a queda de suas ações, com perda acumulada de 21,5%.
Contudo, a Petrobrás não está muito preocupada quanto aos seus rendimentos, já que registrou o terceiro maior lucro, em dólares, entre as companhias de capital aberto da América Latina e dos Estados Unidos. Com a colaboração do alto preço do petróleo, obteve lucro líquido, no primeiro semestre, de R$ 101,4 bilhões, um acréscimo de 25% em relação aos seis meses anteriores. As suas preocupações atuais giram em torno da proposta do governo de criar uma empresa (100% estatal) para gerenciar a exploração de petróleo e de gás na área do pré-sal (campo Tupi). Em julho, o governo federal criou uma comissão interministerial para propor sugestões à lei para a prospecção e a produção de petróleo nos campos do pré-sal.
Longe de ser uma unanimidade entre os interessados, a proposta de uma nova estatal tem causado barulho. O presidente Lula, em discurso nacionalista, e com um tom de “aviso aos navegantes”, afirmou, em evento da União Nacional dos Estudantes (UNE), no último 12 de agosto, que o petróleo “não pode ficar na mão de uma meia dúzia de empresas” e que os lucros obtidos com a sua exploração devem ser usados para a resolução dos problemas na educação.
Falando em divergência e ainda em commodities, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou, após a divulgação de pequena queda no Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, que a desaceleração da inflação foi reflexo da reversão no preço das commodities e de medidas tomadas pelo governo como o aumento da meta do superávit primário (para aplicar o excedente no Fundo Soberano), e da incidência do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF, nas operações de leasing, para frear o crédito na aquisição de veículos. O ministro ainda declarou que “o pior já passou”.
Ele não atribuiu qualquer importância às elevações na taxa básica de juros realizadas pelo Banco Central. Lembre-se que, neste ano, a taxa Selic foi elevada em 1,75 pontos percentuais, com o pretexto de combater precisamente a inflação, e que existe a expectativa de outro reajuste até o final do ano.
De fato, tomando-se o IPCA como base, o índice inflacionário desacelerou de 0,74% para 0,53% de junho para julho. No entanto, nos últimos 12 meses, o mesmo IPCA sofreu elevação de 6,37%, batendo no teto da meta da inflação estabelecida pelo governo, que é de 6,5%. Os especialistas consideram muito cedo para o ministro dizer que o pior já passou, pois mesmo com o recuo do preço dos alimentos, são previstos reajustes nos preços administrados, como na telefonia e energia elétrica, nos próximos meses. Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a pressão nos preços das commodities ainda persistirá nos próximos meses, implicando em resultados acima da média nos índices inflacionários nos últimos meses de 2008.
Verifica-se, portanto, que, como disse o economista do Bank of América em Londres, Gilles Marc,
as principais economias vivem uma “corrida contra o tempo” na luta contra a recessão. Podemos acrescentar que a corrida é contra a estagflação, pois, junto à estagnação, as economias vivenciam também um processo inflacionário.
Além disso, a elevação dos preços dos bens primários, no primeiro semestre, colaborou diretamente para a mudança na pauta da exportação brasileira. Antes do processo de aumento das cotações das commodities, os itens brasileiros mais exportados para os Estados Unidos (principal destino das exportações) eram os manufaturados. Atualmente são os produtos básicos. A valorização da moeda brasileira frente ao dólar colaborou para esta mudança, fazendo com que produtos como os calçados praticamente sumissem da lista dos dez mais importantes bens exportados, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para compensar a queda do dólar, os setores industriais mais afeitos à exportação, como calçados, vestuário e têxtil, estão realizando demissões, ou então, abrindo filiais no exterior para produzir o que antes era fabricado no Brasil.
A presença do binômio, taxa de câmbio elevada – juros, altos torna o crescimento econômico brasileiro uma incógnita. Por conseguinte, a expectativa dos analistas para o PIB do presente ano
permaneceu abaixo de 5% e para o PIB de 2009 foi revisada para baixo, passando de 3,9% para 3,73%.


Texto escrito por:

Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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