quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Nem São Tomé duvidaria!

Semana de 18 a 24 de agosto de 2008


Os mais recentes indicadores econômicos, de várias economias do mundo, jogaram por terra duas teses levantadas por analistas ingênuos ou mal intencionados: “a de que a economia mundial não está em recessão, estaria passando apenas por uma breve turbulência” e a de que “o atual descolamento das economias menos desenvolvidas, em relação às desenvolvidas, as imunizaria contra uma possível crise que o mundo desenvolvido viesse a sofrer”.
Cada vez mais, os dados sobre a economia mundial que são divulgados provam que estas duas teses não passam de mentiras. Não são os dados que estão errados, são as teses. No entanto, os ingênuos continuam a acreditar nelas e os mal intencionados procuram esconder a realidade e por isso insistem no discurso.
Não podemos negar que, mesmo lamentando o cenário negativo que marca os dias atuais, temos certa satisfação ao comprovar o rigor das nossas análises e a concretização das nossas previsões: a crise se aprofunda e estende-se a todos os paises.
Os resultados dos PIB´s de várias economias no segundo trimestre do ano (já mencionados no artigo da semana passada) alargaram o bloco dos que defendem que a recessão já está instaurada. Isto ocorreu porque, simplesmente, estes resultados foram catastróficos: entre as maiores economias do mundo, os Estados Unidos e o Japão sofreram retração de 0,6% e a Alemanha de 0,5%. A França e a Itália decresceram 0,3%. Em todos estes países, o mercado imobiliário está em crise, paralisando a construção civil, os bancos estão resistentes a emprestar e as pessoas a tomar empréstimo, o consumo interno e as exportações estão caindo (excetuando-se os EUA, que, ao desvalorizar sua moeda, exporta sua crise para os outros países). A produção e os postos de trabalho também diminuem, ou seja, uma típica e velha crise capitalista está em marcha. E, embora o estouro da bolha das commodities tenha freado a escalada da inflação mundial, as economias ainda amargam um quadro inflacionário com a queda no ritmo econômico.
O ex-economista chefe do FMI, Kenneth Rogoff, afirmou que o pior da crise está por vir e um dos
grandes bancos americanos está prestes a falir: “eu acredito que a crise financeira está, talvez, no meio do caminho. Eu chegaria até a dizer que o pior ainda está por vir... nós não veremos apenas bancos de médio porte afundando nos próximos meses, veremos um gigante, um dos grandes bancos de investimento ou dos grandes bancos”.
No Reino Unido, o diretor geral da Confederação da Indústria Britânica, Richard Lambert, em carta aos líderes empresariais, reconheceu que a federação de empregadores “havia sido consistentemente otimista demais com relação às perspectivas econômicas ao longo dos últimos 12 meses”.
Já o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, destacou que a inflação fechará o ano em mais de 5% e que este percentual é mais de duas vezes a meta inflacionária em vigor. Ressaltou ainda que é possível que haja crescimento negativo por dois ou mais trimestres (veja como sua perspectiva acerca da crise é superficial. Para o professor Nouriel Roubini, da Stern School de Nova York, conhecido pelo elevado teor de pessimismo em suas previsões, “todas as economias do G7 parecem caminhar para recessões com aterrissagem dura”.
Conforme Roubini, a crise financeira, a compressão do crédito e da liquidez, o estouro das bolhas da habitação, a queda nas Bolsas de Valores, o fardo dos preços elevados do petróleo e das commodities, as conexões comerciais com os Estados Unidos, a força do euro e a incapacidade das autoridades econômicas de reagir (por medo de estimular ainda mais a inflação) funcionam como uma mistura venenosa que “empurrará a economia mundial – e não apenas a americana – a uma séria e prolongada recessão”.
Roubini falou ainda sobre a tese do descolamento e insistiu que o desastre nos países desenvolvidos porá fim à corrida dos capitais para o bloco chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), pois afetará as exportações destes países com impacto nas suas economias.
Com efeito, a queda na demanda por commodities, por parte das economias importadoras, está levando os países emergentes, inevitavelmente, para a crise. O dragão chinês e outras economias emergentes já dão sinais de desfalecimento. As fábricas chinesas tiveram queda nos pedidos em julho e as exportações ficaram praticamente estagnadas. O mercado de imóveis está enfraquecido e a desaceleração da China é apontada como um dos motivos para que os preços da gasolina e de vários metais (cobre, estanho, zinco e alumínio) estejam caindo, devido ao fechamento de grandes indústrias chinesas e a conseqüente queda no consumo de matérias-primas. Desmorona-se, assim, a falácia de que teria havido um descolamento das economias menos desenvolvidas, em relação às desenvolvidas.
Para o vice-presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros, José Augusto de Castro, os dados não negam que as mais importantes economias do mundo estão desacelerando, o que deixa o Brasil numa situação muito complicada, pois, como a maioria importa commodities brasileiras, a queda do PIB deles repercutirá aqui através da redução das exportações, com o agravante de que os preços também estão em queda. Ou seja, o prejuízo será duplo, pois a perda será em volume e em preço. Para se ter uma idéia, 25% das exportações brasileiras vai para a União Européia e 65% deste total é constituído por commodities.
Este quadro pode ser ainda piorado, quando se leva em consideração o câmbio brasileiro, bastante valorizado, já que o real foi a moeda mundial que mais ganhou valor frente ao dólar nos últimos anos, o que prejudica a competitividade da indústria do país.
Assim, o país acelera sua marcha em direção à crise, e esta poderá ser muito pior aqui do que em outras economias graças à política do “Ilustre Senhor” Henrique Meirelles, que, empunhando o espantalho da inflação, voltou a elevar a taxa básica de juros, que já era a maior do mundo. Com isto, as medidas de política econômica tomadas estimulam cada vez mais a especulação e desestimulam a produção e, o nosso “honroso” presidente do BC, em visita aos Estados Unidos, ainda teve a coragem de discursar dizendo que a política que condena a economia brasileira à marcha lenta permanente (há mais de uma década) já está surtindo efeito sobre os preços. Parece que ele ainda não foi informado de que o estouro da bolha das commodities arrefeceu os preços no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
E, enquanto o BC brasileiro eleva a taxa de juros básica para 13% ao ano, o BC japonês decide manter a sua em 0,5% ao ano, face ao quadro recessivo. O premiê Yasuo Fukuda definiu a situação econômica atual como “severa”.
Diante dos fatos e dos dados, nem São Tomé duvidaria que a calmaria e a bonança estão longe de fazer parte de um futuro próximo, a não ser que ele pertencesse a um daqueles dois grupos anteriormente citados, o dos ingênuos ou o dos mal intencionados.
Para concluir, uma pequena referência à atitude do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, no passado, marxista e defensor da classe proletária. Ele sugeriu ao presidente Lula que vetasse a lei, já aprovada no Congresso, que estende a licença-maternidade de 4 para 6 meses, alegando a pressão do setor produtivo (que vem se manifestando contra a prorrogação) e o impacto fiscal, que deve ultrapassar R$ 800 milhões por ano.
Quem te viu e quem te vê!

Texto escrito por:

Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

Arquivo para download disponível em formato pdf.
Download


Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog