quarta-feira, 13 de maio de 2009

Crise na economia e crise na política

Semana de 20 a 26 de abril de 2009

Mais uma vez a política roubou a cena à economia. O escândalo das passagens aéreas presenteadas por mais da metade dos 513 deputados a familiares, amigos, apadrinhados, etc., e usadas para destinos turísticos, nacionais e internacionais, abalou a Câmara Federal. As atenções voltaram-se para a degradação da moral pública dos representantes do povo. Os jornais divulgaram dados sobre o custo de cada parlamentar estimando o valor mensal de R$ 119,7 mil para cada senador e 62 mil para cada deputado. As benesses vão de “cafezinho à jatinho” e são extensivas também às famílias. No caso do Senado, qualquer um que ocupar o cargo por seis meses passa a ter o direito a tratamento médico vitalício para toda a família. Atualmente, quase 20% dos 81 senadores são suplentes, isto é, são pessoas que não tiveram nenhum voto e foram escolhidas pelos respectivos titulares, entre parentes, amigos, financiadores, etc.
Mal se recuperava a sociedade do impacto dos escândalos e as televisões transmitiram ao vivo, o bate-boca no Supremo Tribunal Federal (STF), entre os ministros Gilmar Mendes (presidente) e Joaquim Barbosa. Irritado com as afirmações do Presidente Mendes, Barbosa o acusou de destruir a credibilidade do judiciário. Certamente o desentendimento foi causado por razões que a câmaras não captaram, ou seja, há fogo dentro do monturo e o Ministro Barbosa deve ter informações que não pode usar e que justificam sua irritação. Em torno do caso o país se polarizou e Joaquim Barbosa tem recebido manifestações de apoio da população e dos movimentos sociais.
Mas, enquanto a República expõe as suas mazelas, a crise continua.
Nos EUA anuncia-se para a próxima semana o pedido de concordata da Chrysler e sua possível compra pela Fiat. A General Motors comunicou o fechamento de 13 fábricas nos EUA e no México. Em todo o mundo, ela pretende demitir 47 mil trabalhadores e só nos EUA, nesta semana, cortou 1.600 postos de trabalho. A Ford, que desde 2005 não apresenta lucro, em 2008, teve um prejuízo recorde de US$ 14,7 bilhões. No primeiro trimestre deste ano, ela já perdeu US$ 3,2 bilhões. A Marriot, a maior rede hoteleira dos EUA, anunciou um prejuízo, no primeiro trimestre do ano, de US$ 23 milhões. Até as funerárias sofrem os efeitos da crise. Dos 600 fabricantes de caixões, sobreviveram apenas 150. O número de trabalhadores que pediram seguro desemprego continuou a aumentar, as vendas de moradias usadas caíram e os chamados ativos podres continuam a entupir os bancos. Apesar de toda a injeção de dinheiro do contribuinte, estes ativos ainda são estimados em 4 trilhões e 25 bilhões de dólares. As instituições financeiras e de seguros parecem insaciáveis. Agora a AIG que já recebeu US$ 150 bilhões, solicita mais uma ajuda de US$ 30 bilhões. Em meio à confusão geral, o economista Joseph Stiglitz afirmou que apolítica do governo Obama, para salvar os bancos, “é um caos absoluto” e vai fracassar. Por seu lado, Bem Bernanke, presidente do Fed, Banco Central americano, declarou que o prejuízo patrimonial dos cidadãos será duradouro. Reconhecendo a gravidade da situação, o diretor gerente do Fundo Monetário Internacional afirmou que “a crise econômica e financeira global está longe de ter terminado e a retomada virá dos EUA”.

Taxa de desemprego dessasonalizado - Estados Unidos (abril) (*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

No resto do mundo as notícias mantêm o mesmo tom. Na Suécia a Volvo anunciou a demissão de mais 1.543 trabalhadores. A Volkswagen informou que, no primeiro trimestre, o seu lucro será 76% menor que no mesmo período do ano passado. A sueco-finlandesa Estora Enso comunicou o prejuízo de 66,1 milhões de libras esterlinas e a demissão de dois mil empregados. No Japão, a Toshiba, que já havia anunciado a extinção de 4,5 mil postos de trabalho, anunciou a liquidação de mais 3,9 mil. A Sony Ericson, com um prejuízo de US 383 milhões, comunicou que demitirá 2.000 trabalhadores. Segundo a empresa, um em cada cinco empregados perderá o emprego durante o ano. A Forbes anunciou que dos 110 bilionários russos existentes no ano passado restaram, até agora, apenas 32. O desemprego na Espanha atingiu 17,4% da população, o maior da Europa. A economia britânica tem a maior queda em 30 anos e o orçamento do país alcançou o maior déficit desde a segunda guerra mundial. O Banco Mundial (Bird) anunciou que a crise poderá jogar na miséria entre 55 a 90 milhões de pessoas. Na América Latina o número de pobres aumentará de 37,6 milhões para 40,3 milhões.

Taxa de desemprego dessasonalizado - União Européia (Março)(*)
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Número de desempregados (em milhões) - União Européia (Março)(*)
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No Brasil, apesar do esforço tardio do governo, os sintomas da crise continuam a se expandir. No primeiro trimestre a produção industrial caiu 4,4%, quando comparada com período igual de 2008. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea aponta como causa a queda de 26% das exportações da indústria de transformação, particularmente os setores de veículos, madeira, petróleo, couro e calçados. A dura realidade obrigou o Ipea, a reconhecer que a economia do país entrará em “recessão técnica”, no primeiro trimestre do ano. Mas, como órgão do governo e, portanto, obrigado a defendê-lo, pelas palavras do Diretor de Estudos Setoriais, Márcio Wohlers de Almeida, o Instituto assegurou que o crescimento da economia será entre zero e 1%, no final do ano. Márcio consegue ainda ver sinais de aquecimento graças às “políticas anticíclicas” do governo. É curioso como o Ipea muda de opinião e de estimativas sendo apenas superado pelo ministro Guido Mantega cujas previsões, para serem levadas a sério, devem ser inicialmente reduzidas à metade. Outra expressão curiosa usada pelo Diretor do Ipea, “política anticíclica” de vez em quando, também é usada pelo Ministro Mantega. No entanto eles não dizem o que entendem por “ciclo” e nunca justificaram anteriormente as políticas adotadas com base neste conceito. Afinal,
senhores ministros, o que é ciclo e o que nós temos a ver com ele?

Produção Industrial - Brasil(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Produção Industrial por categoria de uso - Brasil(*)
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Enquanto isso, o otimismo do governo, na Lei de Diretrizes e Bases, se mantém. Nesta lei esta previsto um crescimento de 2% para o PIB. O mercado não concorda com esta estimativa e aponta um número bem mais modesto: uma queda de 0,49%, ou seja, uma retração. Para o Fundo Monetário Internacional – FMI o desastre será ainda maior: a economia do país terá uma queda de 1,3%.
Enquanto governo e mercado discutem, a inadimplência aumentou atingindo um recorde, em 18 anos, de devolução de cheques (24,6 devolvidos por mil compensados). Nos cartões de crédito, em fevereiro, ela chegou a 27%, para os atrasos superiores a 90 dias. A queda nas exportações fez a Mercedes- Benz e a Scania darem licença remunerada aos empregados de suas fábricas em São Bernardo, em São Paulo. A Mercedes-Benz deu licença remunerada por 15 dias a 1.200 trabalhadores e estendeu o Programa de Demissões Voluntárias – PDV ao pessoal da produção. A empresa deixou de exportar motores para os EUA e suas exportações para a América Latina foram reduzidas de 50%. Em Canoas, (R.G.S.), a fábrica de máquinas agrícolas AGCO demitiu 340 trabalhadores o que provocou uma greve de protesto. O número de desempregados no setor subirá para 1.900, em um ano. Em março, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a taxa de desemprego no setor industrial praticamente dobrou, em relação a outubro do ano passado, afetando principalmente os trabalhadores jovens (entre 16 e 24 anos). Nesta faixa a taxa chega a atingir 21,1%. No conjunto do país, ainda segundo o IBGE, a taxa de desemprego subiu para 9%. A Usiminas, que opera com 50% de sua capacidade, lançou um PDV para seus empregados e além das 600 demissões já efetuadas pretende demitir mais 406 trabalhadores.
A dívida pública, que vinha em constante crescimento, com estes resultados econômicos cresceu ainda mais atingindo, no final de março, o acumulado de R$ 1,393 trilhões. Deste total, a Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi) representa 90,67%, o que é conseqüência da opção demagógica do governo de trocar a dívida externa, barata e de longo prazo, pela interna, cara e de curto prazo. Em relação ao mês anterior, o aumento foi de 1,25% graças à emissão de novos títulos e à soma de R$ 11,95 bilhões de juros que não se conseguiu pagar. Uma outra observação importante é que, agora, os títulos remunerados pela Selic (que o BC concorda em reduzir) representam apenas 23,1% do total enquanto os com remuneração pré-fixada representam 69,64%. Como temos denunciado, a política do governo Lula, sob o comando do Henrique Meirelles, continua a privilegiar os especuladores financeiros. Agora que o BC conseguiu garantir, através de outros títulos, a remuneração do capital financeiro e dá a estes capitais o devido tempo para se desfazerem dos títulos indexados à Selic, o BC levantou a bandeira da redução desta taxa.
É este o cenário da semana. Como vemos, agora, além da crise na economia, temos uma crise na política. Como diz o ditado popular: além de queda, coice.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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