segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O déficit salvou o mundo

Semana de 24 a 30 de agosto de 2009


Até que enfim os economistas e governos começaram a respirar aliviados. A tensão está baixando, mas isso não significa que a recuperação começou.
Temos chamado a atenção dos leitores para o fato de que estamos nos aproximando do fundo do poço, ou seja, o barco da economia mundial navega no entorno dele.
Mas o que vem a ser o fundo do poço? A expressão generalizou-se, mas poucos refletem sobre o seu conteúdo. Se o poço tem um fundo, tem também uma borda, o que significa que a economia oscila de um extremo a outro. Aí está a noção de ciclo que dá origem a uma teoria que tenta explicar por que a economia das sociedades capitalistas não evolui de forma linear, mas oscila entre aceleração e desaceleração, com uma freqüência de aproximadamente 10 anos. Isto pode ser facilmente observado através de diversos dados estatísticos como, por exemplo, as taxas de crescimento do PIB ou do produto industrial.
Embora esta constatação possa ser feita, e o tema seja tratado até nos manuais de macro-economia, não se tem a coragem de falar claramente dele. Os jornais da semana trazem com alguma freqüência as palavras anticíclico e contra-cíclico, referindo-se às medidas de política econômica adotadas durante a crise. Falam isso agora, quando o pior da situação está passando.
Também tem voltado ao debate a questão alfabética: se o ciclo será em V, U ou W. A grande maioria dos economistas parece optar pela letra U, ou seja, a fase de crise seria representada pela perna da esquerda do U, a curva inferior seria o fundo do poço e a perna da direita representaria a fase de recuperação ou reanimação, como nós a temos chamado. A forma V significaria que, após a queda, haveria um ponto de mínimo, que seria o vértice, seguido por uma rápida recuperação, representada pela segunda perna do V. Ninguém aposta nessa hipótese. A forma de W significaria que, após a primeira crise, que seria representada pela primeira perna do W, terminando no primeiro vértice inferior, haveria uma forte recuperação, que terminaria no vértice superior central, seguida de nova queda, repetindo assim o movimento inicial. Esta hipótese parece agradar a alguns, mas com certos reparos. Nenhuma das recuperações seria rápida e, por isso, o W seria muito aberto e com o vértice superior central rebaixado.
Tendemos a apontar para a opção de U, embora o nosso U seja aberto à direita, ou seja, a perna da direita seria também inclinada para a direita, o que significaria que a recuperação, que, ainda não se iniciou, será lenta e arrastada. Esta é também a opinião de Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York que ficou famoso por prever a crise financeira. Segundo ele, a recessão só terminará no final do ano, e o crescimento “será anêmico e ficará abaixo da tendência por pelo menos alguns anos”.
Atualmente, os dados mostram que os países se encontram em pontos diferentes da curva inferior da letra U, que representa a fase chamada de depressão, que se caracteriza pela redução dos ritmos da queda da economia, pela estabilização do desemprego, e algum aumento na produção para a reposição dos estoques, que se esgotaram na fase anterior.
Este é o ambiente que se observa em países da zona do euro como a Alemanha e a França.
No entanto, ainda surgem abundantes notícias sobre o agravamento da situação em outros países. Na Espanha, por exemplo, a queda do PIB no segundo trimestre foi de 1,1% em relação ao primeiro. Em relação ao ano passado, foi de 4,2%, a maior queda desde 1970. A taxa de desemprego já atinge os 17,92% da população economicamente ativa.



Taxa mensal de desemprego para a União Europeia - Jan. 1995/Jul. 2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.


As exportações do Japão, em julho, caíram pelo décimo mês consecutivo. Em relação aos mesmos períodos de 2008, os embarques para o exterior caíram 36,5% em julho, ultrapassando os 35,7% de junho. O governo da China pretende reduzir o excesso de capacidade produtiva em alguns ramos industriais como aço e cimento. Este argumenta que “a economia ainda está num período crítico de recuperação, durante o qual o governo deve conter de maneira resoluta a capacidade industrial excessiva.” Nos EUA, a Casa Branca prevê que a economia encolherá 2,8% este ano e que o desemprego superará os 10% até o final do ano. O Departamento de Agricultura americano (USDA) calculou que a crise provocou uma queda de 16,05% no comercio agrícola mundial, no primeiro semestre, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Segundo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), o comércio da região terá uma redução de 13% este ano, quando comparado com o anterior.
Como se vê, os sinais que apontam para o início da reversão do movimento de crise são débeis econtraditórios mostrando que esta mudança, está sendo lenta. A grande novidade é que ela está se dando à custa de um derrame de trilhões de dólares pelos Bancos Centrais e governos que se endividam e, agora, terão de gerir esta dívida, ou seja, estamos trocando a crise econômica pela crise dos orçamentos e dos estados. Os déficits dos orçamentos têm crescido a tal ponto que, no caso dos EUA, espera-se que, em 2019, a dívida federal líquida atinja 70% do PIB. Em 10 anos, estima-se que ela atingirá US$ 7,140 trilhões. No entanto, economistas como Paul Krugman consideram que isto foi um mal necessário e contribuiu par salvar o mundo. O que ele não sabe é que, com esta brutal intervenção, aliada à existência dos monopólios, o saneamento da economia não se completou e a crise não cumpriu integralmente sua função saneadora tão necessária para repor as condições de retomada do processo de acumulação do capital. E é esta a causa da lentidão no processo de recuperação, que a grande maioria dos observadores reconhece, mas não consegue explicar.
E existe ainda um novo perigo: o de uma crise complementar para terminar o saneamento nãorealizado. Neste caso teríamos um movimento com a forma de W, suspeita também já levantada pelo economista americano Nouriel Rubini. Lembremos que este fenômeno já ocorreu depois da crise de 1929/33. Apesar de toda a violência da destruição, foi necessária a crise complementar de 1937, seguida da II Guerra Mundial.
No Brasil, a subestimação da violência do fenômeno que se aproximava, uma “marolinha”,segundo o presidente, fez com que a política anticíclica só fosse iniciada tardiamente e de forma canhestra, mais voltada para as despesas do que para os investimentos. Apesar dos discursos e afirmações das autoridades sobre a saída da crise, alguns indicadores mostram que a situação ainda se agrava. O desemprego na região metropolitana de São Paulo passou, de 14,2%, para 14,8%, retomando a trajetória de alta, segundo os dados do Dieese. Foi o maior movimento já registrado para o mês de julho na séria histórica. O número de desempregados no mês foi de 67.000, elevando o total para 1,562 milhão. A inadimplência das famílias também aumentou, passando, de 17% em julho, para 19% em agosto, de acordo com pesquisa da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio). Alguma euforia tem sido registrada no setor siderúrgico com a retomada das exportações e da produção a nível mundial, o que tem afetado as indústrias brasileiras. Mas o próprio presidente da CSN, Benjamim Steinbruch, alertou que a ajuda do governo continua a ser necessária. Flávio Azevedo, presidente do Instituto Aço Brasil (IABR),pensa que a redução do consumo no mercado brasileiro este ano será de 22% e que só voltará aos níveis de 2008 daqui a três anos. O dado que mais tem causado alvoroço tem sido o crescimento da produção industrial em julho, em comparação com o mês anterior, que foi de 1,.9%, segundo o Ipea. Mas, se comparado com o mesmo mês do ano anterior, a queda é de 10,7%.
As medidas que mais têm contribuído para conter a crise são a redução dos impostos e dos juros,além do aumento da oferta de crédito pelos bancos oficiais. Estas medidas, porém, mostram que também estamos trocando a crise pelo rombo do orçamento. Com efeito, a dívida do setor público subiu, de 43,2% do PIB, para 44,1% em julho, atingindo o valor de R$ 1,283 trilhão. O superávit primário acumulado de janeiro até julho atingiu apenas os R$ 38,435 bilhões, representando 2,25% do PIB, menos da metade do acumulado no ano passado, que correspondeu a 5,63% do PIB. O total não foi suficiente para pagar nem os juros da dívida, o que fez o déficit nominal mensal subir para R$ 12 bilhões em julho. No semestre, o Banco Central (BC) registrou um prejuízo de R$ 941,6 milhões, quando, no mesmo período do ano passado, o resultado havia sido positivo em R$ 3,2 bilhões. Isto foi o que as ajudas ao setor privado para a superação da crise custaram ao BC.
Estará o déficit também ajudando a salvar o Brasil? Quem está efetivamente ganhando com asalvação?

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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