terça-feira, 29 de setembro de 2009

Com quantas letras se faz uma crise?

Semana de 07 a 13 de setembro de 2009

Em análises anteriores, ressaltamos a falta de solidez nas afirmações de alguns economistas, os quais declaravam que o pior da crise mundial já havia passado. Embora as estatísticas confirmem que alguns setores estão realizando contratações e, de fato, retomando a produção, alertamos que isto pode ser essencialmente uma resposta aos estímulos dados pelos governos. Assim, levantamos a hipótese de que a crise atual possa vir a assumir o formato de “W”. Isto quer dizer que, após a queda, a retomada suave, que agora parece se ter iniciado, poderá ser seguida por uma nova crise, uma crise que complementaria a destruição das forças produtivas poupadas pela atuação dos governos, que atingiu níveis nunca antes vistos.
No Brasil, alguns dados nos mostram que esta retomada poderá ser efêmera, pois se baseia na redução da capacidade ociosa existente na indústria, na produção para a reposição dos estoques e nos estímulos da redução dos juros e dos impostos.
Após uma queda de 18,9% entre setembro e dezembro de 2008, a indústria de transformação viu sua produção aumentar 8,5% de dezembro de 2008 a julho de 2009. Mas esse aumento foi baseado no crescimento do Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci), o qual se encontrava em 85,4%, em setembro do ano passado, chegou a 77,8% em março de 2009 e, em julho, voltou a subir, atingindo 79,8%.  



Índice de produção industrial para a Indústria de Transformação e para o setor de Bens de Capital - índice dessazonalizado. (média 2002 = 100) (*)
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Já a produção na indústria geral teve uma retração de 20,2% de setembro a dezembro de 2008 e uma expansão de 12% de janeiro até o mês de julho de 2009, atingindo, no período, uma variação total de -10,6%. Durante os mesmos meses de 2008, a produção de máquinas e equipamentos caiu 30,8%, enquanto que, no período seguinte, houve uma recuperação de apenas 2,5%, o que representa um saldo total negativo de -29,1%, se considerarmos o período entre setembro de 2008 e julho de 2009. Como a indústria de bens de capital é a “indústria das indústrias” e responde pelas encomendas de todo o setor, a sua contração nos indica que, na verdade, não houve uma recuperação de fato, pois não houve investimentos, mas apenas um aumento da produção baseado na maior utilização da capacidade ociosa. Enquanto o setor industrial não retomar os investimentos, não se pode falar em uma verdadeira recuperação.



Nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) para a indústria de transformação(*)
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Além deste sintoma de falsa recuperação, os dados do período que vai do terceiro trimestre de 2008 ao segundo e terceiro trimestres de 2009 (ainda em andamento) reforçam nossas afirmações: as vendas no varejo subiram 2,6%, enquanto o emprego formal caiu 0,5%, o que pode ser explicado pelo aumento de 9%, do crédito à pessoa física. Já o crédito à pessoa jurídica, destinado às empresas, teve uma redução de 8,1%. Em relação ao consumo de energia, as residências aumentaram de 5,9% seu consumo (em GWh), enquanto o consumo industrial caiu 10,4%. Merece destaque o setor automotivo, cujas vendas aumentaram 5,5% e sua produção reduziu-se 3,3%.




Consumo mensal de energia na indústria - Jan. 08/Jul. 09(*)
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Este é o cenário da economia atual. Depois da evolução dos investimentos, entre os anos de 2006 e
2008, o país vive um momento de contenção. A Formação Bruta de Capital Fixo (que representa os
investimentos em edificações, máquinas e equipamentos) no Brasil saltou, de 9,8% em 2006, para 13,5% e 13,8% em 2007 e 2008, respectivamente. Porém, a previsão para o ano de 2009 é que essa taxa decresça de 10% a 15%. Para o ano atual, isto representa R$146 bilhões a menos do que o previsto em setembro de 2008.




Formação Bruta de Capital Fixo - base móvel (média do ano anterior = 100)(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

A nível mundial, a utilização da capacidade ociosa também vem aumentando e é fruto dos estímulos setoriais dados pelos governos. Já foram trilhões de dólares diretamente injetados nas economias, planos de intervenção e reestruturação de empresas, além de diversas formas de transferências utilizadas como contrapartida para quem perdeu o emprego. Tudo isso contribuiu para a tentativa de manter o aquecimento da economia no momento de crise. E dura até hoje.
No Reino Unido, a indústria registrou um avanço de 0,9% de junho para julho, puxada pelo setor de transportes (crescimento de 10,4%), que se beneficiou de um programa do governo para a compra de automóveis. Já a China teve uma alta recorde de 90% nas vendas de carros no mês passado. Isto foi reflexo dos cortes nos impostos e do aumento nos subsídios. Este ano, a China liberou um pacote de US$ 585 bilhões para proteger a economia da recessão mundial, estimulando diversos setores, como o automotivo, que cresceu 45% durante quatro meses seguidos.
Aqui no Brasil o PIB cresceu 1,9% no segundo trimestre de 2009. Quando comparado com o mesmo período do ano passado, há uma retração de 1,2%. Este resultado é atribuído ao aumento do consumo das famílias, que foi de 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado e 2,1% em relação ao 1º trimestre de 2009. No entanto, a indústria teve uma queda de 7,9% em comparação com 2008 e um crescimento de 2,1% em relação ao trimestre anterior.
O consumo do governo também influenciou o PIB, na medida em que teve um aumento de 2,2% em relação a 2008. Quando comparamos período por período, esse consumo apresenta uma queda 0,1% em relação ao 1º trimestre de 2009. Mas, no primeiro semestre do ano, o aumento foi de 2,5% em relação ao mesmo semestre de 2008 e de 4,2% nos 12 meses encerrados em junho.

Isso cria temores para muitos economistas, que vêem a possível retirada dos estímulos governamentais como um risco. Na opinião de Dominique Strauss-Kahn, Diretor Geral do Fundo Monetário Internacional, “as políticas públicas de suporte não devem ser suspensas. A demanda privada ainda está extremamente fraca e correríamos o risco de uma recaída”. Timothy Geithner, Secretário do Tesouro Americano, afirma que, apesar da tentativa de redução da ajuda dada às empresas por parte do governo, “precisamos continuar reforçando a recuperação até que ela seja autossustentada e liderada pela demanda privada”. Ele procurou dar garantias de “não puxar o freio cedo demais”. Os efeitos de tais ações criaram um problema: se o governo soltar a mão da economia, será que ela continuará andando sozinha, na trajetória de crescimento?
Talvez esta pergunta possa ser respondida com uma letra: a letra “W”


Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.  
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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