quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Fundo do poço à vista

Semana 03 a 09 de agosto de 2009


É verdade, o fundo do poço está às nossas vistas. O problema é saber exatamente onde ele está: se adiante do pára-brisa ou no retrovisor. Os integrantes do governo brasileiro garantem que a crise já é coisa do passado e, portanto, pode ser vista pelo retrovisor. Porém, algumas considerações devem ser feitas.
O mundo dá sinais de que o pior da crise está passando. Ou seja, os indicadores apontam uma diminuição no ritmo de desaquecimento da produção, revelando que a economia ainda se encontra na fase de desaceleração. Isso nos faz questionar a afirmação sobre a ultrapassagem do fundo do poço. Entretanto, fica a pergunta: quais os parâmetros que estão sendo utilizados para se fazer tal afirmação?

Vejamos o que os fatos nos revelam.

Na Espanha, o emprego recua a taxas decrescentes há três meses. Nos EUA, o corte de empregos atingiu, no mês de julho, o menor patamar em 11 meses, ao registrar o fechamento de 247 mil vagas (no mês passado, a cifra foi de 443 mil). Já o abalado setor automobilístico deste país vive um momento de esperança. Empresas como a Hyundai, a Ford e a GM anunciaram a retomada da produção em fábricas fechadas durante a crise, graças aos incentivos do governo Obama.


OCDE - Crescimento do PIB no 2º trimestre de 2009
Variação % em relação ao trimestre imediatamente anterior e a igual trimestre do ano anterior
(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: OCDE Quarterly National Accounts - Disponível em http://www.iedi.org.br

Em contrapartida o setor de serviços apresentou, em julho, seu décimo mês consecutivo de declínio, mas com um ritmo superior ao de junho, e a renda do consumidor americano caiu 1,3% no mesmo mês.
O índice ISM (do inglês Institute for Supply Management), que mede a expansão (acima de 50) ou retração (abaixo de 50) de um setor, mostrou que a contração da atividade econômica se dá a passos cada vez mais lentos nos EUA e Europa. Ao subir 4,1 pontos, atingindo 48,94 pontos, a indústria estadunidense alcançou o ritmo de contração mais lento, desde agosto de 2008. Na Inglaterra e no Japão os números foram 50,8 e 52,8, respectivamente.

O estudo atribui isso ao reflexo da queima de estoques, aliada a uma recuperação chinesa.

No Brasil, a indústria cresceu 3,4%, no 2º trimestre em comparação com o 1º e 0,2% de maio a junho, sendo puxada principalmente pela indústria de bens de capital (2,1%). De janeiro até julho, esta última teve um crescimento médio de 5,5% ao mês e as vendas cresceram 10,6%, em junho em comparação com o mês anterior. Já as vendas de todo o setor industrial atingiram um crescimento de 3,8% no mesmo período. Com a eliminação de efeitos sazonais, o crescimento foi de 1,6%. Está é a segunda expansão consecutiva e a quarta no semestre.


Produção Industrial - Indústria geral (*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: http://www.cni.org.br


Variações da produção industrial - Julho 2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: IBGE - Disponível em: http://www.iedi.org.br


E o eufórico mercado de veículos, por sua vez, teve um mês de julho acima das previsões aolicenciar 285,4 mil unidades. O acumulado do ano já chegou a 1,735 milhões de unidades, representando um avanço de 2,34% em relação aos mesmos sete meses de 2008. O segmento de motos é que não tem estado bem. Entre janeiro e julho, a queda chegou a 20,9%.

Ainda assim, a Confederação Nacional das Indústrias fez um alerta sobre os indicadores de junho, os quais “ainda não apontam uma trajetória definida de recuperação da atividade industrial”. O nível de utilização da capacidade instalada, na indústria de transformação, diminuiu de 79,8% em maio, para 79,3% em junho. Neste último mês, o emprego industrial recuou 0,1%, diante do mês anterior (menor queda em oito meses). No acumulado até junho, esse número foi de 5,1%.
Além do que já apresentamos, há outros dados que nos mostram que o que está ocorrendo é uma
grande queima de estoques, característica desta fase do ciclo.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, em janeiro, as empresas com estoques excessivos chegavam a 21,8% do total, ao passo que nenhuma delas declarou ter estoques insuficientes. Em maio, o número chegou a 14,1%, mas as que tinham estoques insuficientes eram 3,3%. Em junho, apenas 12,4% das indústrias de transformação tinham estoques excessivos, mas 5,9% delas declararam ter estoques insuficientes.

Entre os motivos apontados para a existência de dados mais favoráveis estão as novas condições de financiamento do BNDES e de outros bancos públicos somadas aos incentivos fiscais, como a redução do IPI. Isso estimulou as empresas a anteciparem ou retomarem os seus investimentos em modernização ou ampliação da capacidade produtiva.

Alertamos, portanto, aos nossos leitores que, ao ouvirem alguém falar que o fundo do poço é visto
pelo retrovisor, reflitam e olhem para frente. O fundo do poço ainda está lá. Cuidado!

Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.
E-mail: progeb@ccsa.ufpb.br

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