segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A flutuação suja do câmbio e a livre atuação do Estado na Economia

Semana de 19 a 25 de outubro de 2009


A taxa de câmbio representa o valor da moeda de um país em termos da moeda de outro país. Esta taxa varia de acordo com as condições econômicas internacionais, saída e entrada de moeda estrangeira na economia e medidas de política econômica. Nos últimos anos, o regime cambial predominantemente adotado na maioria dos países tem sido a flutuação suja, que consiste na flutuação da taxa de câmbio, mas sempre dentro de certos limites, normalmente estabelecidos pela autoridade monetária de cada país (Banco Central), que, quando necessário, intervém no mercado, geralmente comprando ou vendendo moeda estrangeira (leia-se dólares), para assegurar que não haja desvalorização nem sobrevalorização “excessiva” da moeda nacional. Atualmente, porém, a flutuação do câmbio tem sido cada vez menos livre e cada vez mais suja, isto é, determinada pela intervenção dos bancos centrais nos mercados de câmbio, não refletindo, frequentemente, as reais condições econômicas de um país.
A esse respeito, muito se tem falado da moeda chinesa, o yuan. Uma das principais críticas é a manutenção, por parte da autoridade monetária chinesa, de uma taxa de câmbio artificialmente desvalorizada em relação ao dólar, o que, juntamente com o aumento da produtividade da indústria do país e com os baixos salários, tem elevado significativamente o grau de competitividade dos produtos chineses no mercado internacional. Como consequência, os produtos dos demais países emergentes, como o Brasil, estão perdendo espaço no comércio internacional. Ao contrário do que vem ocorrendo na China, a intervenção do banco central brasileiro no mercado de câmbio não tem sido suficiente para manter o real desvalorizado, o que está prejudicando o setor exportador, já que a apreciação do real frente ao dólar torna os produtos brasileiros mais caros no mercado externo.
Este movimento de valorização do real se deve, em grande medida, ao enorme volume de capitais que tem entrado no país para compra de ações e outros ativos financeiros. De acordo com o banco central brasileiro, o investimento estrangeiro em ações de empresas brasileiras atingiu, em outubro, o seu nível mais elevado em 60 anos, chegando a um total de mais de US$ 13 bilhões. Se considerados ainda os investimentos externos em ativos de renda fixa, como os títulos públicos, esta cifra chega a quase US$ 40 bilhões. O fato curioso é que cerca de um terço deste dinheiro sequer chegou a entrar no país, já que se refere à compra de papéis de empresas brasileiras negociados na bolsa de Nova York. Ou seja, apenas os outros dois terços atuaram no sentido de pressionar o dólar.
Para tentar controlar o crescimento no fluxo de dólares, para esse tipo de “investimento”, o governo brasileiro passou a taxar, desde o dia 20 deste mês, as operações com ações e títulos. A partir de agora, elas irão pagar 2% de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Segundo o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, caso essa medida não tivesse sido tomada, o dólar já estaria abaixo de R$ 1,50. Nas três primeiras semanas de outubro, as transações comerciais e financeiras internacionais já trouxeram para o país US$ 13,7 bilhões. Desse total, o banco central comprou quase a metade na tentativa de evitar uma queda ainda maior do dólar.
O câmbio valorizado também está afetando o investimento no setor produtivo. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), este ano, a formação bruta de capital fixo, que mede os investimentos realizados em máquinas, equipamentos e na construção civil, cairá de 15% a 17%, em relação a 2008. Com o real apreciado, aumentam as importações de bens de capital, diminuindo a demanda e a produção internas desse tipo de produto. Assim, os produtores brasileiros continuarão protestando e implorando pela desvalorização do real, sob pena de perderem mais competitividade e ficarem em condições desvantajosas em relação aos produtores chineses e dos demais países. Desse mesmo modo, os produtores de cada país continuarão solicitando aos seus governos medidas no mesmo sentido, o que nos leva a concluir que, em se tratando de comércio internacional, a intervenção do Estado continuará ocorrendo ativamente.
No estágio atual do desenvolvimento do capitalismo mundial, essa intervenção, porém, não se restringe apenas ao comércio internacional, estando direcionada a diversas esferas da economia. Mais uma vez, a China é um exemplo notório disto. O programa de estímulo à produção executado pelo governo chinês aplicou quatro trilhões de yuans, o equivalente a US$ 586 bilhões, em ferrovias, rodovias, usinas de energia elétrica e habitação pública. A preocupação de alguns analistas agora é como manter o ritmo de crescimento da economia chinesa com o fim do programa, que termina no próximo ano. Mas esta intervenção do Estado na economia não se restringe apenas a países em desenvolvimento. Países economicamente avançados, como Estados Unidos e Inglaterra, também estão realizando grandes intervenções em suas economias, principalmente depois da destruição financeira e das falências de empresas provocadas pela crise.
No Brasil, os economistas do mercado financeiro esperam uma elevação na taxa básica de juros, a Selic, em 2010, de acordo com pesquisa realizada pelo banco central. Atualmente, em 8,75% ao ano, a aposta dos analistas é que suba para 10,5% até o final do próximo ano. Dentre os fatores que contribuíram para essa expectativa de elevação da Selic, estão os incentivos fiscais e a elevação dos gastos com a proximidade das eleições presidenciais. A preocupação com a inflação continua sendo bem maior que a preocupação com o desemprego. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego caiu para 7,7% em setembro, mas, em contrapartida, houve uma piora na criação de empregos formais. Conforme os dados do instituto, os empregos com carteira assinada atingiram 54,9% da população ocupada, o menor nível do ano. Em setembro, os empregos com carteira assinada tiveram uma redução de 29 mil postos, o que significa uma piora na qualidade dos empregos criados no país.
A busca incessante do governo para conseguir manter a inflação sob controle é algo que já se tornou marcante na política econômica brasileira, tendo sido o seu principal objetivo nos últimos anos. Entretanto, a redução do desemprego não tem se mostrado, nem de longe, uma meta que a política econômica persistentemente busque alcançar. A intervenção nesse sentido parece não ser tão importante dentro do jogo de interesses políticos, ainda mais num país em que o assistencialismo social constitui uma arma importante para a obtenção de votos e para a promoção de candidatos em campanhas eleitorais.




Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira 
Email: progeb@ccsa.ufpb.br 

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