quarta-feira, 4 de novembro de 2009

As seqüelas da crise entravam a recuperação

Semana de 28 de setembro a 04 de outubro de 2009

Na Grande Depressão de 1929, configurada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, a economia norte-americana, após uma curta recuperação, sofreu uma nova crise em 1937 e foi atingida pelas conseqüências da guerra em 1939, o que provocou oscilações bruscas do PIB do país por mais de uma década. Na crise atual, excluída a guerra, a história poderá repetir-se. Depois da quebra do Lemhan Brothers e do escandaloso socorro governamental para que outros grandes bancos não quebrassem, a economia mundial passou por mais momentos de pânico. Os PIB´s da maior parte das economias capitalistas, principalmente das desenvolvidas, registraram retrações acentuadas durante vários trimestres consecutivos.
Contudo, nos últimos dois trimestres, houve uma trégua, de modo que algumas economias pararam de sofrer “queda livre”, e outras vêm registrando resultados positivos em suas taxas de crescimento, embora este sejam modestos. Observa-se, ainda, aumento nas exportações de alguns países.
A falta de perspectiva histórica e do devido conhecimento acerca do fenômeno crise no capitalismo têm levado a grande maioria dos analistas de mercado e os governos a acreditarem que a recuperação já começou e que, daqui para frente, é só melhora. Mas, não querendo decepcionar ninguém, nem tão pouco afirmar que o fim está por vir, acho importante esclarecer aos que fazem parte do grupo que vê a crise como coisa do passado que esta é uma conclusão precipitada. Pelo contrário, a crise é coisa do presente e continuará a fazer parte da história do capitalismo neste inicio de século.
Quem conhece o fenômeno em sua essência, sabe que são necessárias determinadas evidências empíricas muito claras para comprovar uma mudança no movimento cíclico. Com efeito, há indicadores que demonstram a fragilidade de uma possível recuperação.
Alguns dados são suficientes para comprovar esta afirmação. Um relatório sobre a saúde financeira global divulgado pelo FMI mostrou que o sistema bancário mundial ainda não percorreu metade do caminho para levantar o capital necessário para cobrir as perdas relacionadas à crise global. Estima-se que, até o final de 2010, os bancos terão de obter mais de US$ 1,5 trilhão para limpar seus balanços dos déficits resultantes dos calotes nos empréstimos concedidos e para efetuar as baixas contábeis provocadas pela perda quase total no valor de parte dos seus ativos, os tais “ativos podres”. O montante a ser levantado é maior que o PIB da maioria dos países capitalistas existentes.
De acordo com o FMI, os bancos já cobriram perdas relacionadas à crise equivalentes a US$ 1,3 trilhão. Esta cifra foi estimada considerando-se a valorização das ações dos bancos, os lucros auferidos e os capitais que levantaram no mercado com a ajuda de dinheiro público. O problema é que agora os governos já estão suspendendo os pacotes de ajuda, pressionados pelo aumento acelerado de seus déficits e devido à crença de que o processo de recuperação das economias já começou.
Mas, segundo José Vinals, do FMI, “os bancos ainda precisarão do suporte dos governos, tanto para cobrir rombos, como para oferecer mais crédito a consumidores e empresas, na medida em que a atividade econômica ganhar mais força”. Ele completa: “os governos ainda terão de continuar sustentando o sistema e o processo de desendividamento dos bancos, para que eles tenham fôlego para oferecer crédito ao mercado”.
Neste caso, pelo menos dois problemas podem ser identificados: o primeiro diz respeito à capacidade dos governos de assegurarem, ao mercado, toda a liquidez que ele necessita para evitar uma crise de insolvência generalizada. O segundo vai além da ação dos governos, constituindo-se em um comportamento espontâneo dos agentes em um momento como este. Tal comportamento é denominado de “desalavancagem” e representa o período no qual tais agentes (empresas e famílias) precisam conter seus gastos a fim de alinhar seus ativos com seus passivos. Com exceção do governo, é esta a postura assumida pela maior parte das empresas, bancos e famílias norte-americanas. Sendo assim, enquanto esta atitude predominar, existirão, ainda, grandes entraves à recuperação, mesmo que o Estado seja capaz de continuar gastando demasiadamente.
Os relatórios do FED, por sua vez, demonstram que o processo de desalavancagem está apenascomeçando. Isto é evidenciado, de um lado, pelas quedas acentuadas nos níveis de captação dos bancos e  empresas e pelos gastos das famílias. De outro, pelo imenso tamanho de suas dívidas. Ao contrário do queparece, ou do querem demonstrar, há grandes dúvidas sobre o fim da atual crise, que ainda pode estar longe!
A taxa de desemprego dos Estados Unidos continua a aumentar. No mês de setembro foram fechados 263 mil postos de trabalhos, o que elevou a taxa de desemprego da população economicamente ativa, de 9,7%, para 9,8%. Segundo o Departamento de Trabalho, esta foi a taxa mais alta desde junho de 1983, com o número de empregos caindo pelo vigésimo primeiro mês consecutivo.





Taxa mensal de desemprego para os Estados Unidos - Jan.99/Sep.09(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.


Para se ter uma idéia do tamanho do prejuízo, desde o início da crise, o número de pessoas desempregadas praticamente dobrou, passando, de 7,6 milhões, para 15,1 milhões.
Na Zona do Euro, a situação do emprego também é complicada, tendo a taxa de desemprego, que era de 9,5% em julho, subido para 9,6% em agosto, o maior patamar dos últimos 10 anos. As empresas continuam a eliminar postos de trabalho, apesar das duas maiores economias do bloco (França e Alemanha) terem registrado resultados positivos no PIB no segundo trimestre do ano. A previsão do FMI é que o desemprego no bloco atinja uma taxa de 11,7%.



Taxa de desemprego para a União Europeia - Set.09(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

A crise atual fez com que as taxas de desemprego das economias desenvolvidas suplantassem aquelas registradas nas economias subdesenvolvidas. Atualmente, enquanto a taxa de desemprego no Brasil, historicamente elevada, está em 8%, nos Estados Unidos e na Zona do Euro, ela aproxima-se de uma taxa de dois dígitos.
O G-20, criado com a missão de impor rédeas ao mercado financeiro mundial e meios de coordenação de política econômica num mundo globalizado, continua com muitas dificuldades em criar as normas necessárias para tanto. Até agora, o G-20 sabe o que quer fazer, mas o grande problema é como operar.
Em sua última reunião, concluiu-se que é necessário aumentar o tamanho das reservas em capital por parte dos bancos e controlar o pagamento de bônus aos executivos das finanças. No entanto, tudo se complica no momento de definir como fazer isto.
Durante o encontro do G-20 em Pittsburgh, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, demonstrou muita revolta contra os banqueiros. Sarkozy acusou-os de terem contado “duas grandes mentiras” aos governos. Segundo ele, os banqueiros mentiram quando argumentaram contra a necessidade de regulamentação, para ajudar na integração econômica global, e quando insistiram que sempre administraram os recursos de modo mais prudente que os governos. Ele disse ainda que estava farto de ouvir mentiras dos banqueiros e conclamou os outros líderes a não deixarem passar a ocasião para endurecer a regulamentação do sistema bancário e o controle dos bônus de executivos financeiros. Apesar da revolta do presidente francês, até o momento, o G-20 não conseguiu estabelecer marco regulatório nenhum.
O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, tem demonstrado preocupação neste sentido. Segundo ele, o risco, neste momento, não é mais de um “colapso na economia mundial”, mas o da “autocomplacência”. Afirmou que “se a crise melhorar, haverá uma tendência natural de as coisas voltarem a ser feitas como antes e será mais difícil convencer os países a cooperarem na solução de muitos dos problemas que provocaram esse colapso”.
Zoellick afirmou ainda que esses problemas puseram em perigo as vidas de milhões de pessoas, destacando a importância de aproveitar o momento para promover todas as reformas necessárias. Na visão dele, um dos legados desta crise foi o de demonstrar a importância de uma mudança na estrutura econômica global do poder.
Finalmente, concluiu que a importância de várias economias emergentes na atual recuperação aponta para a necessidade da construção de uma economia multipolar, menos dependente do consumidor americano.


Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. 
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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