sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

2010: a odisséia da recuperação

Semana de 04 a 10 de janeiro de 2010

As boas notícias quanto ao ritmo de recuperação da economia brasileira e da econômica mundial, parecem favorecer o argumento de que o pior da crise já passou. Sabemos que cada fase do ciclo econômico prepara as condições para a passagem à fase seguinte. Na depressão, os custos caem, os estoques são liquidados, ocorre a liquidação das dívidas, as taxas de juros baixam e diminui o número de falências. Com isto, as empresas sobreviventes reduzem o ritmo de atividade, abandonando as máquinas tecnologicamente mais atrasadas. É precisamente por isto que esta fase prepara as condições para o início da fase de reanimação.
Este “saneamento”, em resumo, consiste na remoção dos obstáculos para o início da próxima fase, a reanimação. À medida que aumentam as solicitações do mercado, a capacidade ociosa vai sendo utilizada, e os lucros das empresas começam a aumentar. A partir de certo grau de utilização da capacidade instalada, surge o estímulo para os novos investimentos.
No atual período de recuperação econômica, as empresas iniciam a reativação das máquinas que foram desativadas por causa da redução da demanda. Entretanto, não serão acionadas todas as máquinas, mas apenas as mais eficientes, ou seja, as máquinas tecnologicamente mais modernas. Isto, por sua vez, impacta negativamente na criação de novos postos de trabalho. Os capitalistas ao agirem dessa forma, necessitam de um número cada vez menor de trabalhadores no processo produtivo.
Estas modificações provocam alterações no processo de trabalho, com a conseqüente redução no tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma mercadoria. Em outras palavras, uma quantidade maior de mercadorias passa a ser produzida por uma quantidade menor de trabalhadores. Temos, portanto, um aumento na produtividade do trabalho, o que significa aumento da produção sem aumento no número de trabalhadores empregados É precisamente este o fenômeno que observamos na atual fase do ciclo econômico. O sistema capitalista apresenta um paradoxo: se, por um lado, o progresso técnico pode levar a um rápido crescimento, por outro lado, acaba por tornar supérflua uma massa crescente de trabalhadores produtivos.
Dessa maneira, não nos surpreende os comentários de Jorge Braga, coordenador de Sondagens Conjunturais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), quando diz: “O ritmo de contratações é mais vagaroso, porque o aumento da produtividade não depende de aumento no número de vagas”.
Apesar das taxas de emprego não mostrarem crescimento significativo, em novembro, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram para um crescimento de 1,4%, em relação à dezembro, na Indústria de Transformação. No mesmo mês, no setor de Bens de Capital, a expansão foi ainda mais forte, chegando a 6,1%. Neste setor, a expansão acumulada entre setembro e novembro atingiu 16,9%. De acordo com Luiza Rodrigues, economista do banco Santander, como conseqüência desse aquecimento, os empresários “estão prevendo problemas de capacidade instalada em um futuro próximo, então, nada mais natural que comecem a ampliar a compra de máquinas”.
Entretanto, no geral, a indústria teve uma retração de 0,2% no referido mês. Esse resultado interrompeu uma seqüência de dez meses de crescimento. Na comparação com o mesmo mês do ano anterior, a indústria apresentou expansão de 5,1%.
Apesar destes dados, o Banco Central informou que o ingresso de dólares no Brasil foi o terceiro maior da história. Segundo ele, ingressaram no país US$ 28,7 bilhões. Dois terços desse volume foram atraídas pelas aplicações em ações, títulos de renda fixa e investimentos produtivos, totalizando US$ 18,8 bilhões.
Mas, enquanto isso, os dados referentes aos Estados Unidos mostram que a recuperação da economia carece de sustentação. Economistas como Paul Krugman, Tom Sargent e Kenneth Rogoff levantam suspeitas quanto à saúde do sistema bancário norte-americano. Sargent, economista da Universidade de Nova York, afirma que o setor bancário está mais vulnerável a crises. “Nossa resposta nos tornou vulneráveis a uma crise maior. É preocupante”. Rogoff, economista da Universidade Harvard, vai ainda mais longe quando diz: “se o governo americano pudesse dizer com credibilidade (aos bancos): nunca mais vamos socorrê-los, o sistema (bancário) entraria em colapso”. Para não ficar apenas no mundo acadêmico, o mega-inverstidor, Warren Buffett, disse que, muito embora não haja sinais de uma nova crise, o sistema bancário estaria mais vulnerável. Aparentemente, portanto, tanto entre economistas, quanto entre capitalistas, há um temor de nova recaída na economia dos Estados Unidos.
Na Zona do Euro, a situação também preocupa. Em outubro, segundo o escritório de estatísticas da União Européia, as encomendas à indústria registraram recuo de 2,2%. O resultado é ainda pior quando comparado com o mesmo mês de 2008, contabilizando um declínio de 14,5%. A taxa de desemprego na Alemanha, que era de 7,8% em 2008, subiu para 8,2 em 2009. Na Espanha, um dos países mais afetados pela atual crise econômica, a taxa de desemprego atingiu o patamar de 19,4%.
A situação favorável no Brasil, portanto, se apresenta comprometida pelos aspectos contraditórios da economia mundial, o que não permite prognósticos animadores para um futuro próximo. Em contrapartida, uma coisa é certa: a solução para o enigma da recuperação da economia ainda dará muita dor de cabeça a economistas e presidentes.

Texto escrito por:

Kaio Glauber Vital da Costa: Economista, pesquisador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

Arquivo para download em formato pdf.
Download
Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog