Semana de 18 a 24 de janeiro de 2010
A tendência que temos observado nas últimas cinco semanas continua a se manter. Não resta dúvida que estamos no processo de reanimação, terceira fase do ciclo econômico. A questão a discutir agora, e que levanta dúvidas aos comentaristas e às autoridades dos países do mundo, é o caráter desta recuperação. É difícil encontrar alguma voz otimista. Quase todos constatam que ela será lenta e difícil. Fala-se também sobre a possibilidade de um novo mergulho, tendo sido criado já o termo “duplo mergulho” ou saída em W. Em um documento intitulado “Situação e perspectivas econômicas globais para 2010”, divulgado no dia 20 de janeiro passado, o Departamento de Assuntos Sociais da Organização das Nações Unidas (UNDESA) alerta para este perigo. O documento reconhece que “a recuperação é fraca” e existe o risco de uma recessão secundária em 2011. Por esta razão os governos são conclamados a manterem seus programas de ajuda ao sistema financeiro e às empresas. A ONU estima que, em 2009, a produção mundial decrescerá 2,2% e que, em 2010, o crescimento será modesto, indo dos 2,1% previstos para os EUA, até 0,9%, para o Japão e 0,6%, para a União Européia. De fato, os dados mostram que, para a União Européia, em janeiro, o ritmo de crescimento ficou comprometido. Jurgen Stark, membro do conselho executivo do Banco Central Europeu (BCE), alertou que o crescimento do primeiro semestre de 2010 será mais fraco do que o do ano anterior. Chris Williamson, economista chefe do Instituto Markit, que elabora os “índices dos gerentes de compras”, afirmou que a recuperação ainda não saiu radicalmente dos trilhos, mas que a Alemanha, a maior economia da zona do euro, estagnou no último trimestre de 2009.
No dia 21 passado, foi a vez do Banco Mundial divulgar suas recomendações. Estimando modestos 2,7% de crescimento para a economia mundial em 2010, também alertou para o sombrio quadro de 2011: “Uma grande incerteza encobre as projeções sobre o segundo semestre de 2010 em diante.” O Banco Mundial conclamou os governos para “calibrarem” o fim dos pacotes de ajuda sob pena da volta da recessão em 2011.
Os humores do sistema financeiro também não estão muito bons. Jamie Dimon, executivo chefe do J.P.Morgan Chase, poderoso grupo financeiro dos EUA, embora reconhecendo a boa notícia de que o banco teve um lucro de US$ 3,3 bilhões no quarto trimestre do ano passado, afirmou: “Não sabemos quando a recuperação ocorrerá”, pois os consumidores continuam com dificuldades para pagarem suas hipotecas e as contas do cartão de crédito. Michael Cavanagh, diretor financeiro do mesmo grupo, espera que, nos próximos trimestres, este perderá cerca de US$ 2,5 bilhões por trimestre.
Já o Citigroup, outro grupo dos EUA, com 27% de suas ações nas mãos do governo, encerrou o último trimestre do ano com um prejuízo de US$ 7,6 bilhões. A devolução de US$ 20 bilhões aos cofres públicos em dezembro, parte da ajuda recebida do governo, contribuiu para o prejuízo. O banco ainda passará boa parte de 2010 pagando suas dívidas.
Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), considerando-se “prudente em relação ao futuro” declarou, na Conferência de Risco País realizada pela seguradora francesa Coface, em Paris, que a situação nos mercados de trabalho continuará a piorar em 2010 e 2011. Lamy lamentou que a situação de crise, em 2009, tenha provocado uma onda protecionista que continuará a se agravar em 2010.
A China, apesar de comemorar a taxa de crescimento do PIB de 8,7% em 2009, em relação a 2008, agora teme o estouro de uma bolha imobiliária, assim como ocorreu nos EUA.
Como se vê, há um grande número de informações e opiniões que expressam as dúvidas sobre o processo de recuperação da economia mundial, e crescem os temores sobre a possibilidade de que o famoso “duplo mergulho” venha a acontecer. O que não existe é uma explicação para tal acontecimento. Falta uma teoria para acender a luz no fundo do túnel, uma teoria capaz de explicar o fenômeno do ciclo econômico e o papel que a fase de crise representa em sua evolução.
A primeira questão que é omitida por quase todos os comentaristas é que a crise não é financeira, mas uma crise cíclica de superprodução. Em segundo lugar, esta superprodução é de capitais sob todas as suas formas: a forma dinheiro, a forma mercadoria, a forma produtiva e a forma mais importante no capitalismo atual, que é a forma “mercadoria capital”, que chamaremos MK. Isto quer dizer que foram produzidas mercadorias demais, foram construídas fábricas em excesso e, mais ainda, o mundo foi inundado pela tal Mercadoria Capital (MK), da qual faz parte o capital fictício. Isto não significa que todas as necessidades sociais tenham sido satisfeitas, mas, nas condições capitalistas de acumulação, o que foi produzido não pode mais ser consumido, pois barreiras econômicas impedem este consumo.
Nestas circunstâncias, a solução gerada pelo sistema é a destruição dos excedentes, papel desempenhado pela crise. Desculpem-nos os leitores, mas a recuperação só se dará quando a destruição for concluída, para infelicidade nossa que nada temos a ver com isto. Para mal de nossos pecados, a parte mais perniciosa e parasita do sistema, que é o capital financeiro, a grande fábrica da tal MK, continua quase intacta. A mais protegida pelas ajudas dos tesouros dos países mantêm-se produzindo um volume crescente de MK, que se atira com voracidade sobre as Bolsas de Valores em busca da especulação e dos rendimentos parasitas. E isto, ajudado pelas teorias econômicas oficiais, que a tudo justificam, chamando de “investimento” qualquer ato de pura especulação que não cria riquezas, mas se apropria da que é gerada pelos setores produtivos.
Até quando?
Mas, enquanto as dúvidas pairam sobre o mundo, o otimismo oficial se espalha sobre a economia nacional. A acreditar no presidente do Banco Central (BC), Henrique Meireles, “depois de décadas de baixo crescimento e vulnerabilidade macroeconômica a economia do Brasil está na posição macroeconômica mais forte já vista.” Esta declaração foi feita em uma teleconferência, no BC, em Brasília, para jornalistas estrangeiros e analistas do mercado.
Mais preocupado mostrou-se o prêmio Nobel da economia, Paul Krugman, no encerramento da ExpoManegement, em São Paulo: “Temos que evitar a Bolha Brasil, uma imensa onda de liquidez capaz de derrubar o câmbio, inflar o crédito e as bolsas....”
De fato, a euforia, os juros altos e a proteção ao capital financeiro, que tornam o Brasil o paraíso para tal tipo de capital, tem provocado o aumento no fluxo de entrada de dólares no país com a conseqüente valorização do real, o que vem trazendo complicações para o setor exportador. O déficit na balança comercial deste ano já atingiu US$ 967 milhões, diante da queda das exportações. O governo tenta conter o desastre através de sobretaxas de importação (principalmente para os produtos chineses) ou com medidas de favores fiscais.
Por outro lado, a entrada de divisas provenientes dos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) vem caindo a nível mundial e no Brasil, em particular. De fato, no ranking dos recebedores de IDE o Brasil, em 2009, caiu três posições estando agora no 13º lugar, segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). Como, apesar disso, o fluxo de dólares continua a se manter, conclui-se que estes recursos que estão chegando se destinam à pura especulação financeira.
Expressões como desindustrialização, doença holandesa ou especialização regressiva são cada vez mais usadas. Em um ambiente externo muito instável e na medida em que o desenvolvimento do país se direciona para o caminho de retorno a uma economia exportadora de produtos primários, a tarefa do governo Lula de ganhar as eleições, no bojo de uma grande onda de recuperação, torna-se muito difícil. Esta dificuldade aumenta diante do progressivo esgotamento da capacidade de despejar recursos do orçamento, que está comprometido, não só pelo lado das despesas, mas pelo das receitas. A arrecadação federal, em 2009, em relação a 2008, caiu 3%.
Sem a bandeira de uma acelerada recuperação, o presidente Lula estará diante de uma difícil tarefa para empurrar sua antipática candidata pela goela abaixo do povo brasileiro.
Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
Email: progeb@ccsa.ufpb.br
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