segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Os Méritos do Governo Lula

Semana de 28 de dezembro de 2009 a 03 de janeiro de 2010


Não só sobre os economistas, como também sobre os demais agentes econômicos, paira novamente a dúvida acerca de como se dará a recuperação das economias do globo após uma das maiores crises que o Modo de Produção Capitalista já sofreu. É fato que a maioria destas economias dá, pelo menos, algum sinal de recuperação, mas a possibilidade de uma recuperação em forma de “w”, agora chamada de “duplo mergulho”, ainda não foi descartada, principalmente devido aos dados referentes aos países desenvolvidos.
Na União Européia, UE, a possibilidade de um novo mergulho baseia-se no aumento progressivo do endividamento dos governos. Os déficits de orçamento do bloco, que em 2008 representavam 2% do Produto Interno Bruto (PIB), passaram, em 2009, para 6,4%, ou seja, mais que triplicaram. Diante da situação, agências de classificação de risco rebaixaram as notas de países como Grécia e Espanha. Além disso, países como Irlanda, Portugal, França, Inglaterra (que não faz parte da UE, mas guarda relaçãoeconômica com esta) e Espanha, novamente, foram alertados sobre a possível redução de suas notas. Assim, uma vez que a função do dinheiro como meio de pagamento é apontada por nós como uma das formas de manifestação das crises, os países integrantes deste bloco econômico, que já estão em “recuperação”, devem, pelo menos, conseguir aprovação na “prova final” para afastar o espectro do “duplo mergulho”.
Nos Estados Unidos, apesar dos menores níveis de desemprego e do otimismo nas bolsas, o índice que computa os preços das moradias permaneceu estável em outubro, sinalizado ser possível uma nova queda. A confiança dos consumidores, indicador do consumo futuro, subiu, de 50,6 em novembro, para 52,9 pontos em dezembro, um nível considerado por alguns analistas como muito baixo.
Já no Brasil, os dados são mais favoráveis. Como exemplo, podemos citar o Nível de Utilização da Capacidade Instalada, Nuci, que, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), atingiu 83,8% em dezembro, apenas 2,9 pontos percentuais abaixo do maior valor da série histórica, alcançado em junho de 2008, o que mostra que estão sendo criadas as pressões para a retomada dos investimentos no país. Em virtude disto, levanta-se a questão: para quem vão os méritos das relativas boas condições nas quais o país se encontra?
Na edição do dia 28/12/2009 do seu programa semanal de rádio, o presidente Luís Inácio “Lula” da Silva apontou claramente seu governo como um candidato a receber tais méritos após atribuir ao Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, o “poder” de mitigar a crise econômica. Analisando mais detalhadamente, entretanto, não poderíamos concluir o mesmo. Segundo levantamento recente do Contas Abertas, das 12.520 obras e ações do PAC que foram anunciadas há quase três anos, apenas 1.229, que representam 9,8% do total, estão concluídas. Mesmo se considerarmos em valor, metodologia utilizada pelo governo, a porcentagem do que foi efetivamente gasto em relação ao que se planejava gastar chegou apenas a míseros 32,9%.
O restante da política fiscal do governo Lula, até a deflagração da crise no Brasil, resumiu-se, em linhas gerais, ao esforço para obtenção de superávits primários, estratégia aconselhada pelo FMI. Após a deflagração da crise, entretanto, não podemos deixar de assinalar a intervenção acertada do estado na economia, através da redução (em alguns casos, até isenção) do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Não pretendemos julgar se a intervenção estatal em períodos de crise é apropriada ou não, já que tais políticas de intervenção têm geralmente como conseqüência a piora no déficit público. Com a expressão “acertada” queremos assinalar que, ao contrário de vários outros países que utilizaram como política anticíclica a injeção incessante de recursos no setor financeiro, a política adotada pelo governo brasileiro, devido às suas características, esteve diretamente vinculada ao consumo. Ou seja, qualquer agente queusufruísse do incentivo estaria necessariamente contribuindo para a manutenção do nível de atividade econômica. Para se ter uma idéia, um estudo antigo feito pela Fiat revelou que a redução do IPI ajudou a vender 300 mil carros a mais no ano de 2009. Assim, visto que, neste ano, a indústria automobilística brasileira conseguiu vender 3,1 milhões de veículos para o mercado interno, um aumento de 8% em relação aos números de 2008, se o estudo estiver correto, as vendas teriam sofrido uma leve queda em 2009, não fosse o incentivo.
Esta postura, entretanto, provavelmente só se tornou possível, pois, devido a sua política monetária contracionista, a equipe do governo Lula fez com que, não o Estado, mas a população e as empresas tivessem que injetar incessantemente recursos no sistema financeiro durante todo o período de gestão deste governo. Observa-se que a Selic, taxa básica de juros, foi mantida em um patamar bastante elevado, chegando a ganhar o título de taxa real de juros mais alta do mundo por um tempo considerável. Beneficiada por uma tal taxa básica de juros, a prosperidade financeira dos bancos do país não sofreu nenhum dos impactos causados pela crise. Este tipo de política monetária, por sua vez, teve conseqüências. Mesmo após a redução que a Selic sofreu durante o ano de 2009, de 13,75%, para 8,75%, e mesmo com a implantação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para ingresso de recursos estrangeiros no país, o fluxo cambial, que depende em boa parte da atratividade oferecida pelas taxas de juros, acumulou, de janeiro a dezembro de 2009, um saldo positivo de US$ 28,89 bilhões. Em virtude disto, o setor exportador nacional sofreu e sofre com a valorização do Real, o que diminui a competitividade de seus produtos no exterior.
A análise teórica dos fatos observados nos leva, portanto, a concluir que, dado que o papel da crise consiste em destruir capital em excesso, a amenização das fases de crise e depressão da economia brasileira não se deve ao PAC, mas sim à inibição do crescimento desta economia durante os períodos de ascenso do ciclo econômico e, em menor grau, aos incentivos oferecidos pelo governo. A apreciação dos prós e contras de tal estratégia, deixamos a cargo do leitor.
Temos, todavia, que reconhecer um mérito pessoal do presidente Lula. Durante a inauguração de uma Unidade de Pronto Atendimento, UPA, em São Bernardo (grande São Paulo), o presidente defendeu a distribuição dos recursos de acordo com as necessidades dos estados ou municípios. Ele afirmou que “não se pode deixar de dar comida a um porco porque não gosta do dono do porco (...). Ou seja, você precisa tratar as pessoas com o respeito que as pessoas precisam ter nesse país”. Com isto, o presidente pretendia negar a prática, por sua parte, de discriminação partidária. A conclusão evidente é de que, embora nós, cidadãos brasileiros, sejamos os porcos, propriedade dos vários governadores dos estados da União, cadaum de nós que habitar este vasto grupo de chiqueiros chamado Brasil receberá alimento, de seus donos, deacordo com nossas necessidades, graças ao glorioso senso de justiça do nosso presidente.


Texto escrito por:
Antonio Carneiro de Almeida Júnior: Economista, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR, PPGDE/UFPR, e pesquisador do PROGEB - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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