terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A herança maldita

Semana de 10 a 16 de janeiro de 2010

É difícil a situação de quem se reelege. A desculpa da “herança maldita” recebida do governo anterior não pode ser usada. Embora o atual caso presidencial não seja de reeleição, a sombra do Presidente Lula tem que defender seu criador a qualquer custo. Como agravante, temos a situação internacional, neste começo de mandato. A recuperação mundial tão esperada e desejada arrasta-se. Continua o impasse na economia americana apesar da tentativa do Federal Reserve (Fed), Banco Central dos EUA, e do presidente Obama de provocar a retomada da produção industrial interna mesmo tendo de recorrer às medidas protecionistas ou à desvalorização do dólar.

Na União Europeia (UE), o problema da dívida pública continua sem solução. Países como Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha e Bélgica tentam desesperadamente lançar títulos no mercado para financiar o rolamento de seus rombos orçamentários.

Índia, China e Japão impedem a valorização de suas moedas neutralizando as manobras do Fed. A guerra cambial transforma-se em uma guerra comercial. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista ao “Financial Times”, definiu assim o problema e ameaçou tomar medidas drásticas para evitar a valorização do real. Pretende ainda fazer uma denúncia na Organização Mundial do Comércio (OMC) e um pedido para que a manipulação cambial seja considerada subsídio à exportação.

Nesses mares revoltos deverá navegar a presidente Dilma de posse da seguinte herança.

O processo de desindustrialização continua em curso. Em 2010, 43,4% do valor total das exportações, ou seja, quase a metade, corresponderam às vendas de cinco commodities (produtos primários): ferro, petróleo, soja, açúcar e carnes. Estes produtos, em 2004, correspondiam a 27% do total. Só os minérios de ferro passaram de 5%, para 14%, neste período. Outro indicador do problema são os produtos industriais. A participação de produtos industriais importados no consumo doméstico passou de 12,6%, no quarto trimestre de 2005, para 21,4%, na média de setembro, outubro e novembro de 2010. Para o mesmo período, no setor têxtil, o salto foi, de 8,2%, para 21,5% e no setor de máquinas e equipamentos foi, de 22,1%, para 36,1%. De janeiro a novembro de 2010, a importação de material eletrônico e de comunicação aumentou 43% em comparação com o mesmo período de 2009, e a produção local cresceu 5,1%. O aumento do consumo das famílias tem sido atendido pela importação de produtos. Deste modo, a política de distribuição e crescimento de renda exporta seus efeitos aceleradores para o exterior. Entre dezembro de 2009 e novembro de 2010, as vendas no comércio cresceram 14,5%, o volume dos bens importados cresceu 28,2% e a indústria nacional apenas 4,1%.

Esta herança maldita, que já vem do governo FHC, foi agravada no governo Lula e é decorrente da política econômica implementada pelo primeiro e continuada pelo segundo. Tal política, a pretexto de conter a inflação, tem recorrido unicamente à elevação das taxas de juros, o que colocou o Brasil como campeão do mundo neste quesito. O anunciado “tripé macro econômico” foi assim reduzido a uma só perna, que nós temos apelidado de “saci macro econômico”. A elevação das taxas de juros tem sido o fator mais importante para provocar a enxurrada de dólares especulativos que tem invadido o país. E os atuais policymakers do governo continuam a bater na mesma tecla por não terem alternativa, já que a teoria keynesiana não tem nenhuma receita para a inflação. Ao lerem estas linhas, provavelmente, a taxa Selic já terá sido aumentada na reunião do Copom, em 0,5%, passando para 11,25%, atraindo mais dólares e agravando a dívida pública. Veremos novamente a ação desesperada do Banco Central (BC) para retirar os dólares de circulação e evitar a valorização. As outras medidas como o swap cambial reverso, o recolhimento compulsório sobre venda de dólares, etc., têm se mostrado meros paliativos para enxugar o derrame de reais. Eis outro aspecto da herança maldita que o governo Dilma, seguindo a mesma cartilha, tem que amargar.


Texto escrito por:

Nelson Rosas Ribeiro: Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog