Em sua primeira reunião do ano e sob nova gestão, o Copom, como já era esperado, puniu o consumidor aumentando a taxa de juros Selic em 0,5%. Com uma taxa de 11,25%, fica cada vez mais claro o esforço que o novo governo está exercendo para desacelerar a economia. A inflação é de demanda, dizem eles. É necessário aumentar os juros! O que fazer, então, com a pressão inflacionária, que começa a ser observada pelo aumento dos preços das commodities, ou seja, por um choque de oferta? Não é necessário usar sua bola de cristal, caro leitor. Afinal, o mesmo remédio curará todos os males. Maravilhoso para os bancos, ruim para o povo, ruim para o setor produtivo, ruim para o governo. Os bancos recebem remunerações maiores (já planejam aumentar o spread), o povo paga mais pelo crédito, o setor produtivo cresce menos (a expansão da indústria de transformação cairá de 10,2% em 2010 para 5,4%, este ano) e o governo remunera a uma taxa maior que a Selic grande parte dos seus títulos, que atraem dólares para o país, que valoriza o real, que obriga o governo a comprar dólares, que aumenta a quantidade de moeda doméstica em circulação, que gera inflação, que é combatida com o aumento dos juros... Onde vamos parar?
Segundo alguns economistas, o Banco Central deveria ser mais “comedido” no seu ciclo de alta dos juros, pois, além da inflação, existe a questão cambial. Um estudo realizado para os emergentes, Brasil, China, Índia, México, Turquia, Coréia do Sul e África do Sul, constatou que o maior perdedor da guerra cambial foi o Brasil que apresentou a maior inflação, o maior juro e a maior apreciação cambial. Aliás, tanto interna quanto externamente, este assunto nunca foi tão discutido. A guerra do câmbio voltou à tona com a visita do presidente chinês aos Estados Unidos esta semana.
Nesse encontro, para aliviar a tensão entre os dois países, a China prometeu importar US$ 45 bilhões em produtos americanos. Segundo os EUA, os acordos com os chineses deverão criar internamente 235 mil empregos. Mas, em relação à questão cambial, não houve avanços. O governo chinês se mostrou pouco preocupado com a pressão norte-americana em relação à valorização do yuan. O presidente, Hu Jintao, declarou que um sistema monetário baseado no dólar é “produto do passado”. Nada o convence a valorizar sua moeda, nem mesmo o assombroso monstro da inflação, levantado pelos Estados Unidos.
A participação da China na economia norte-americana tem aumentado bastante nos últimos anos. Em 2010, as empresas chinesas gastaram, em projetos e aquisições, US$ 4,9 bilhões nos EUA, frente a US$ 2,2 bilhões em 2009. Além disso, o país é o maior detentor de títulos do Tesouro americano. Investindo também na agricultura desde 2002, os chineses entraram no cultivo de cítricos através do aumento da área cultivada e vêm incomodando os agricultores norte-americanos. A Flórida, principal estado produtor de laranjas do país, encomendou uma investigação de como os chineses planejam se tornar uma potência neste setor que é dominado atualmente pelo Brasil, com 55% do mercado, e pela Flórida, com 30%.
Mas, os sucessos da economia chinesa não a libertam dos problemas internos. O país elevou o depósito compulsório pela quarta vez consecutiva em apenas dois meses, para conter o aumento de novos empréstimos, e as reservas cambiais já somam US$ 2,85 trilhões. O governo já prometeu usar as reservas “politicamente”, comprando quantias indeterminadas de títulos europeus, mas, na verdade, o país não sabe o que fazer com este rio de dinheiro e já permitiu que parte da moeda estrangeira recebida pelos exportadores fique no exterior.
Apesar dos problemas internos, a economia chinesa está conseguindo superar a herança maldita de exportadora de produtos de baixo valor agregado e se transformando numa produtora e exportadora de produtos de alta tecnologia e, dependendo da metodologia adotada para o cálculo do PIB, já se pode dizer que a China alcançou o posto de maior potência mundial.
A agressividade chinesa, então, não se limita apenas a um país. A guerra cambial declarada acabou se tornando uma guerra comercial mundial. O nosso ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretende propor à OMC que o problema do câmbio chinês seja tratado como um subsídio à exportação, tese que passa a ser defendida por alguns países.
Arraigada por tantas contradições, não se sabe qual o rumo que a economia chinesa tomará. O fato é que se a China incomoda muita gente, atrelada a uma política cambial perversa, incomoda, incomoda muito mais.
Texto escrito por:
Rosângela Palhano Ramalho: Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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