quinta-feira, 30 de maio de 2013

Economia, aspirinas e urubus

Semana de 20 a 26 de maio de 2013


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]




            Nas últimas semanas temos apresentado números nada animadores sobre a economia. Não é de hoje que esta necessária mas combalida atividade humana, de produção e distribuição da riqueza, está doente. Tão enferma que os urubus já estão sobrevoando em círculos as nossas cabeças.
            Já falamos aqui do capital fictício, que deriva da valorização do capital sem uma base material concreta. Falamos também que o “mercado”, tal como nós, os animais, tem apetite e que este apetite é satisfeito, principalmente, pela acumulação do capital, pela apropriação de rendimentos produzidos por pura especulação.
            Se fossemos tratar o mercado como um animal, deveríamos chamá-lo de urubu. Isto porque, segundo os “analistas de mercado”, o atual apetite está voltado para os chamados títulos podres. Estes “ativos podres” consistem em papéis que representam dívidas de clientes, seja pessoa física ou jurídica, com os bancos. Porém não são quaisquer dívidas, mas as que estão em atraso, ou seja, aquelas que não foram quitadas no prazo.
            Pois bem, bancos como o Santander, Citibank e Votorantim fazem este tipo de negociação. Outros três pequenos, Pine, Mercantil e Cetelem, negociaram, durante os últimos anos, carteiras inadimplentes com atraso superior a 6 meses. Além destes, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, pretende lançar no mercado um ativo com um saldo devedor de R$ 37,046 bilhões. Os “analistas de mercado” atribuíram a este ativo um preço de R$ 6,102 bi. Para termos uma ideia, em 2011, o total negociado em carteiras inadimplentes no Brasil, por bancos nacionais e estrangeiros, foi de R$ 16,658 bilhões. Em 2012, este número se reduziu, para R$ 9,815 bi. A expectativa para 2013 é de que sejam movimentados entre R$ 15 e R$ 20 bilhões em créditos podres. O pior é que, segundo a consultoria KPMG, a potencial oferta está aquém do apetite da demanda.
            Tal problema não é exclusividade nossa. O presidente do banco central estadunidense, Ben Bernanke, assinalou sua preocupação com as “apostas em riscos excessivos” que estão tomando os aplicadores de todo o mundo. Isto, graças ao baixo nível de taxas de juros e aos afrouxamentos monetários (leia-se derramamento de dinheiro na economia), que estão sendo praticados pelos países desenvolvidos. A situação é tal que, até o ouro, a mercadoria mais aceita do planeta, está em baixa: entre os dias 01 de janeiro e 21 de maio de 2013 a desvalorização do metal no mercado mundial chegou a 17,25%, enquanto em 2012 a valorização havia sido de 8,56%.
            Tudo isto não é à toa. A atividade produtiva no mundo ainda não decolou e está a dar sinais de afundamento. Durante os últimos dez anos as economias emergentes foram responsáveis por mais de 50% do crescimento do PIB mundial. Só nos anos, entre 2008 e 2012, as vendas no varejo destes países cresceram, em média, 8,8%. Isto é consideravelmente maior do que o pífio 0,9% dos EUA, zona do Euro e Japão. Porém, a expectativa de grande parte dos economistas é de que a atividade irá desaquecer no trimestre que vai de abril a junho de 2013. Esta percepção é fruto da redução para 6,5% no crescimento das vendas dos países em desenvolvimento, no mês de março. Somado a isso, a margem de endividamento das famílias em alguns países está esgotada: na Indonésia e na Malásia, a proporção entre o endividamento das famílias e o PIB cresceu 20% em quatro anos, enquanto na China o crescimento foi de 13%; já na Coréia do Sul, o total de dívidas acumuladas pelas famílias é equivalente a 136% da renda disponível em todo o país. Para agravar o cenário internacional, os estadunidenses colocaram em prática os cortes automáticos de US$ 85,3 bilhões. Segundo estimativas do HSBC, esta cifra irá retirar 0,3% de crescimento do PIB dos EUA, em 2013, e outros 0,3%, em 2014.
            Diferentemente do que pensa Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES, os dados da economia não nos permitem afirmar que a crise global está em seus últimos capítulos. Ele fez esta afirmação com base nas novas medidas adotadas pelos governos de países desenvolvidos: o profundo ajuste fiscal dos EUA e a nova e agressiva política monetária do Japão, que irá jogar entre 60 e 70 bilhões de ienes na sua economia.
            Longe de ser a solução, estas medidas não obrigam os livres empresários a investirem. Tal como a aspirina, apenas aliviam as dores dos urubus em uma situação de dificuldade.



[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)
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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Recessão e austeridade dão samba?


Semana de 13 a 19 de maio de 2013


Nelson Rosas Ribeiro[i]




            Continua a economia mundial a navegar nos mares revoltos da crise econômica. Os 17 países da zona do euro já afundaram no que eles mesmos definiram como “recessão”, quando o PIB decresce por 2 trimestres consecutivos. No primeiro trimestre deste ano, a economia decresceu 0,2%, resultando em uma taxa anualizada de -1% de queda. Esta é a mais longa recessão da história do bloco. A França, com o seu governo “socialista” que se desmoraliza a passos largos, está novamente em recessão com uma queda do PIB de 0,2%. A Itália e a Espanha caíram 0,5% e Portugal 0,3%. As economias da Bélgica e da Áustria continuaram estagnadas e as da Holanda e Finlândia continuaram também a cair. O Banco Central Europeu baixou os juros ao menor nível histórico mas, apesar deste catastrófico quadro, a Alemanha, que por pouco escapou da classificação de “recessão”, ao ter um crescimento de 0,1%, sob o comando da enferrujada Ângela Merkel, continua batendo na tecla da austeridade. Os protestos contra a tal austeridade espalham-se por toda parte e recebem apoio até do FMI, cuja diretora Christine Lagarde reconheceu que houve um “erro de apreciação sobre o impacto da austeridade”.
            Das regiões d’além mar, a leste e a oeste, as notícias que chegam também não são animadoras. A economia dos EUA mantém-se patinando sobre indicadores contraditórios sem sinais de recuperação. A desaceleração da China continua a ser prevista por todos os analistas e da América Latina não sopram bons ventos.
            Em resumo, a barra está pesada e a crise continua a se arrastar sem que se vislumbre alguma saída no horizonte, pelo menos até finais de 2014. Cresce a unanimidade de que, com austeridade, não será possível superar a recessão.
            Esta situação reflete-se no comércio mundial que vem desacelerando nos últimos trimestres. As exportações de todos os países desaceleram obrigando as empresas a buscarem saída nos mercados domésticos esmagados pelas medidas de austeridade. A Organização Mundial do Comércio (OMC) já baixou suas previsões de crescimento das exportações, de 4,5%, para 3,5%, este ano, inferior à média anual dos últimos anos, que é de 5.2%. A expansão das exportações dos emergentes caiu de 6%, em janeiro, para 4,8% em fevereiro e, na América Latina, houve uma contração de 2,9%, em fevereiro, e 4,4%, em março.
            Mas, onde entra o samba em nossa história?
            Não é de samba de carnaval que estamos falando. É de um belo e sofisticado programa de computador, criado pelo competente “time de primeira linha”, que forma o Departamento de Pesquisa Econômica (Depep), do Banco Central (BC). Segundo se comenta, este programa é um “modelo de projeção econômica de última geração”, que é utilizado para fazer previsões sobre a evolução da economia e, particularmente, da inflação. O termo Samba é uma sigla formada pelas iniciais das palavras que formam o nome dado ao programa.
            É assim, que, sambando, o BC encontra justificativas científicas para aumentar os juros, o que já se planeja para a próxima reunião do Copom. O pretexto é sempre o mesmo: a ameaça do crescimento da inflação. Pouco interessa a desaceleração da economia, a desindustrialização em marcha, a invasão dos produtos importados, favorecidos pelo câmbio e pelas condições desumanas de exploração de trabalhadores dos países asiáticos (veja-se a recente tragédia de Bangladesh), etc. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou a informação de que a participação dos produtos importados no consumo nacional, de 2012 para 2013, passou de 21,6% para 22%, atingindo seu mais alto valor, desde 1996. Mas, o que as pessoas esquecem é que o mais sofisticado Samba é composto por doutores economistas formados em universidades dos EUA e que aprenderam seus doutos conhecimentos na mesma cartilha fortemente ideologizada e criada para servir ao sistema dominante. A teoria que a inspira é a mesma teoria que afirma que o desemprego involuntário não existe, e que os milhões de trabalhadores que estão desempregados encontram-se nesta situação por que, entre o trabalho e o lazer, optaram por este último.
            São uns curtidores do ócio!


[i] Professor Emérito da UFPB e Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Novamente o Pibinho...


Semana de 06 a 12 de maio de 2013


Rosângela Palhano Ramalho[i]



            A estagflação, estagnação com inflação, fenômeno pelo qual passa a economia brasileira, tem dividido a opinião dos economistas e preocupado o governo. Para piorar, o IBGE divulgou a queda de 0,5% da produção industrial no primeiro trimestre comparado ao mesmo período de 2012. O número surpreendeu, pois se esperava um crescimento de 1,3% para o trimestre.
            O ministro da Fazenda Guido Mantega, que esperava, em 2013, realizar a “colheita” com um crescimento maior que 4%, diante dos últimos números, foi obrigado a assumir publicamente, que o PIB crescerá 3,5%, mas, segundo ele, melhor ainda é usar a estimativa do FMI de 3%. E para amenizar o fiasco, o ministro desviou o foco e declarou que “tão ou mais importante que o PIB é a geração de empregos formais”. Dilma, o ano passado, já tinha usado a mesma estratégia declarando que “país rico é país sem miséria”. Mantega ainda afirmou que a economia está numa “trajetória de crescimento gradual”. Já o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, indagado sobre o porquê das medidas anticíclicas ainda não terem surtido efeito, afirmou que talvez a economia já tenha reagido, mas a produção industrial mostrou que não. Ele declarou também que o crescimento, já está a caminho e será reforçado pela melhora da infraestrutura.
            Com crescimento gradual ou estando a caminho, o fato é que a economia brasileira passa por um momento delicado. Os últimos dados do comércio exterior mostram que a importação voltou a tomar espaço da produção doméstica. A produção industrial encolheu 0,5%, no primeiro trimestre, e o volume importado, no mesmo período, avançou 8,1%. Segundo a Fiesp, mesmo com a baixa demanda interna, os importados têm conseguido mercado pois chegam ao país com preço menor. No setor têxtil, a produção caiu 7% com aumento de 10,7% no volume importado. No setor de vestuário houve queda de 7,1% da produção, enquanto o volume importado cresceu 9,3%. A indústria farmacêutica também sofreu com a concorrência externa, pois produziu 9% menos, enquanto o volume importado cresceu 13,1%.
            Segundo o Iedi, o produto nacional vem sendo substituído desde 2009. Não está havendo, segundo o instituto, uma complementação da produção interna, fato que se justifica pelo PIB baixo e importações em alta.
            Outro dado reforça a debilidade da produção interna. O nível de utilização da capacidade instalada na indústria caiu de 82,5% para 82,2%, entre fevereiro e março. Em contrapartida, o faturamento industrial aumentou em 3,6%. Se houve aumento da capacidade ociosa e aumento simultâneo do faturamento, significa que não ocorreu neste período aumento da produção, mas o ganho industrial aconteceu com a venda de mercadorias que estavam estocadas.
            O setor externo que poderia ser um alento nos momentos de crise tem produzido sucessivos déficits. Na indústria de transformação, a importação cresceu 3% e a exportação caiu 5%. A desaceleração da economia mundial, com falta de recuperação dos mercados e a alta dependência da nossa balança em relação às commodities tem justificado esta diferença, mas outro fato ganha força: a perda de competitividade. O maior parceiro comercial do Brasil, a China, aumentou suas exportações com destino ao nosso país em 8,4%, enquanto que as nossas exportações para o país asiático caíram em 2,2%. O problema se repete com o Chile e a Argentina. Os embarques brasileiros para a União Europeia caíram 9,7% e para os Estados Unidos, 25%.
            Quando se olha para a logística do país é que o problema fica mais sério. Segundo a Fiesp, o Brasil precisaria aumentar os índices de desempenho da infraestrutura de transportes para se equiparar aos seus principais competidores. A malha rodoviária brasileira é 43% menor que o padrão de excelência internacional e o frete rodoviário, por exemplo, de US$ 51,75 para cada mil toneladas por km (dados de 2010) é 270% maior que este padrão.
            O presidente do BNDES afirma que os investimentos em infraestrutura estão sendo feitos e abrirão uma fronteira de investimentos em vários setores, mas a Fiesp não concorda. A realidade está mostrando que os problemas internos associados à crise internacional, produzirão, provavelmente, mais uma vez, um Pibinho...


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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quarta-feira, 8 de maio de 2013

E se a Solução do Problema da Seca Fosse Política Anticíclica?


Semana de 06 a 12 de maio de 2013


Antonio Carneiro de Almeida Júnior [i]




            A situação da economia mundial continua desanimadora e vem afetando a economia brasileira.
            Com a redução da demanda chinesa, por exemplo, a queda média dos principais metais na bolsa de Londres, em fevereiro, março e abril, foi de 2,7%, 4,3% e 5%, respectivamente. Para piorar a situação, a indústria brasileira, que, no acumulado de 12 meses, amarga uma queda de 2%, segundo o IBGE, perde competitividade durante a crise. Na argentina, por exemplo, onde cerca de 90% dos produtos importados do Brasil são de manufaturados, as importações totais cresceram 5%, no primeiro trimestre, ante o mesmo período do ano passado, enquanto que as de origem brasileira caíram 10,4% no mesmo período, segundo dados da OMC. A situação só não é pior porque, conforme apontamos em análises anteriores, o governo brasileiro vem adotando políticas anticíclicas para combater a crise.
            As crises na economia capitalista são crises de superprodução. As barreiras econômicas que impedem o consumo das mercadorias excedentes freiam a expansão da produção, levando, em alguns casos, à queda do produto. No entanto, recentemente, boa parte do Brasil, em especial a Região Nordeste, passa por uma seca devastadora, que arruinou colheitas e dizimou rebanhos. Aqui, portanto, a redução no ritmo da atividade econômica deve-se à escassez e não à superprodução.
            Na década de 1950, o governo da União Soviética, através de uma política de expansão de terras e da realização de grandiosos projetos de irrigação, fez com que a produção agrícola dessa república crescesse a uma taxa média de 7% ao ano, durante cinco anos.
            Diferenças geográficas à parte, caso o governo brasileiro conseguisse, através da realização de projetos de infraestrutura no campo, eliminar a influência de variações bruscas do nível de precipitação, na produção agropecuária das regiões afetadas, estaria resolvendo três problemas de uma só vez.
            Em primeiro lugar, impediria que a mesma miséria ocasionada recentemente pelo fenômeno da seca oprimisse novamente os brasileiros no futuro. Em segundo lugar, estaria realizando uma política fiscal anticíclica, mitigando, assim, os efeitos da atual crise. Em 2009, a produção do Nordeste representava 13,51% da produção nacional, segundo dados do IBGE. Supondo que este quadro não mudou, acreditamos que, somada à produção de demais regiões afetadas pela seca, esta participação poderia alcançar 20% do PIB brasileiro. Isto significa que um crescimento de 5% destas regiões, se puxado por investimentos, poderia gerar um crescimento superior a 1% do PIB brasileiro, em função do efeito multiplicador. Este crescimento, além disso, ao contrário do que é provocado pelas tradicionais políticas anticíclicas, não traria impactos negativos em um futuro próximo, visto que estaria liquidando um problema de escassez. Por fim, caso fossem bem sucedidos, os projetos reduziriam significativamente o número de deformações na dinâmica cíclica do Brasil causadas pelas alterações climáticas.
            Esta medida, todavia, além de esbarrar numa possível impossibilidade técnica, também esbarra nas relações de produção capitalistas. Enquanto a URSS era o país do planejamento econômico e das classes não antagônicas, aqui impera a anarquia da produção e a luta de classes. Pôr em prática tal plano traria à tona a questão de quem deveria fornecer os recursos necessários para viabilizar tais projetos: setor público ou privado? Ele esbarraria também na falta de coordenação entre a atividade pública e a privada que é atestada dia após dia, quando vemos, por exemplo, a venda de carros batendo recordes em abril, com uma elevação de 29,4% em relação a abril de 2012, segundo a Fenabrave, enquanto que uma pesquisa da operadora logística JSl constata uma piora nas condições das estradas brasileiras. Eis as contradições inerentes ao Modo de Produção Capitalista.


[i] Doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo PPGDE/UFPR e pesquisador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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quinta-feira, 2 de maio de 2013

E se a teoria for questionada, o que acontece na prática?


Semana de 22 a 28 de abril de 2013


Lucas Milanez de Lima Almeida[i]




            Dois renomados economistas, da também renomada Universidade de Harvard, chegaram à seguinte conclusão no ano de 2010: quando a dívida pública de um país atinge um patamar, que representa 90% de tudo aquilo que a nação é capaz de produzir em um ano, há uma tendência à supressão da atividade econômica de tal monta que esta produção pode ser menor do que foi no ano anterior.
            Pois bem. A partir de dados históricos sobre 44 países de características distintas, nos últimos 200 anos, o estadunidense Kenneth Rogoff e a ex-cubana, agora também estadunidense, Carmen Reinhart, utilizaram uma série de instrumentos estatísticos e informáticos e publicaram seus resultados na American Economic Review e no National Bureau of Economic Research. Segundo os autores, nos países onde a razão da dívida pública pelo PIB atingiu um percentual de até 30%, a taxa de crescimento do PIB do respectivo país ficou entre 3% e 4%; quando a proporção situou-se entre 30% e 60%, a taxa de crescimento permaneceu entre 2% e 3%; nos países onde a razão dívida/PIB ficou entre 60% e 90%, o crescimento percentual foi entre 3% e 4%; porém, os países que apresentaram uma dívida equivalente a 90% ou mais do seu PIB anual, a taxa de crescimento foi próxima de zero, chegando a ser negativa (-0,1% em média).
            Durante anos, principalmente nos últimos três, estes resultados foram consagrados e se tornaram um “Santo Graal” da “teoria econômica oficial”, sendo citados por, pelo menos, 103 autores de livros, artigos, ensaios, etc. Serviram também como fio condutor para a ação fiscal (decisões de despesas e receitas) da maior parte dos governos dos principais países do mundo. Se, quanto maior o endividamento menor o crescimento, então os governos deveriam primar pela redução dos gastos e elevação das receitas. E esta foi a bandeira levantada, principalmente, pelos Estados europeus e pelos países que seguem o receituário neoliberal: austeridade custe o que custar. As consequências destas medidas podem ser vistas nos indicadores socioeconômicos e nas manifestações populares de países que seguiram a risca o modelo, tais como Grécia, Portugal e Espanha.
            O problema é que, um mero doutorando da Universidade de Massachusetts, chamado Thomas Herndon, resolveu fuçar o porquê de tantos outros economistas terem tentado replicar o mesmo instrumental usado por Rogoff e Reinhart sem obterem resultados semelhantes. Para isto, juntamente com Robert Pollin e Michael Ash, Herndon pegou os dados originais e refez todos os passos. Supreendentemente (ou não...), chegou-se à conclusão de que ocorreram erros no procedimento original.
            Baseando-se no texto publicado recentemente por Herndon, Tomas Rotta, da Carta Maior, afirma que “Rogoff e Reinhart, em bom português, usaram uma metodologia altamente duvidosa com exclusão seletiva de dados, manipulação injustificável dos pesos e, pior ainda, erro nos códigos das médias. Se corrigidos, os resultados apontam que países com relação dívida/PIB acima de 90% crescem em média 2,2% ao ano, e não -0,1%”.
            Diante deste “pequeno erro”, parece que os austeros governantes do velho continente estão começando a corrigir suas cartilhas e receitas de crescimento sustentado. O presidente da Espanha, país símbolo da crise na Europa, com uma taxa de desemprego de 27%, para toda população economicamente ativa, e 57% para os jovens, Mariano Rajoy, já iniciou as discussões acerca do orçamento de 2014 e 2015 defendendo a redução no arrocho. Para já, foi anunciado um pacote de estímulos que, em quase nada, lembra as políticas até agora praticadas. Em Portugal, apesar dos problemas criados por algumas empresas estatais, já houve o anúncio de um plano de estímulos fiscais à economia, onde o desemprego atinge 17% e a previsão para o PIB de 2013 é de queda de 2,3%.
            Não foi só o estudo que provocou as mudanças na política europeia. José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, admitiu que os países com os maiores arrochos são aqueles que têm os menores avanços fiscal e econômico. Até o FMI já vê com bons olhos o afrouxamento em tais medidas. Já é um consenso entre os economistas “não oficiais” que a austeridade por si só não garante o crescimento da atividade econômica. A teoria que sustentava isto já foi abalada.
            Agora a esperança é encontrar alguém que questione outro “Santo Graal” da “teoria econômica oficial”: de que o melhor (e único) remédio para a inflação é a taxa de juros.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)
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