quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O superministro que sabia de menos


Semana de 05 a 11 de novembro de 2018

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

A Sétima Arte já retratou histórias e estórias de espiões que, por saberem demais, deveriam findar em uma “queima de arquivo”. Infiltrado do mercado financeiro no futuro governo do capitão “aposentado” eleito, Paulo Guedes demonstrou nos últimos dias pouco conhecimento relacionado a sua futura missão de Superministro da Economia.
A primeira demonstração foi sobre o Mercosul, ao colocar no mesmo pacote Argentina, Venezuela e Bolívia, sendo que os dois últimos países não fazem parte, efetivamente, do bloco (a Venezuela está suspensa e a Bolívia em fase de adesão). Em 1991 (ainda no liberal governo Collor), assinaram o Tratado de Assunção (que deu origem ao bloco) Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. O Superministro afirmou que o comércio com estes países da região não seria prioridade, pois existiria um “viés ideológico” nas transações. A primeira pergunta que fica é: o que seria esse “viés ideológico” associado a uma transação de compra e venda?
Além disso, talvez ele não saiba que o Brasil é quem mais se beneficia neste comércio, pois, dentre outros, os três produtos que mais renderam divisas de exportações ao Brasil no comércio com o Mercosul em 2017 foram veículos rodoviários, máquinas e equipamentos para a indústria e petróleo e seus derivados. Todos eles de grande importância para a cadeia produtiva brasileira.
A segunda demonstração de desconhecimento da realidade, do Superministro, veio de algo que qualquer interessado em administração pública saberia: que a constituição obriga que o orçamento governamental de um determinado ano (a LOA – Lei Orçamentária Anual) seja definido no ano anterior através de um Projeto de Lei (PLOA) votado no parlamento. Pois bem, o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira, convidou Paulo Guedes para participar das discussões, que estão ocorrendo agora, sobre o orçamento de 2019. A resposta, pasmem, foi: pode fazer o orçamento de vocês, que, quando assumirmos em janeiro de 2019, faremos o nosso...
O problema é que o Superministro não está acostumado com a gestão pública. Ele é um agente do sistema financeiro, sócio de uma empresa de investimentos, daquelas que concentram dinheiro de vários agentes econômicos e os aplicam no que considerar mais rentável. Foi assim que ele fez fortuna: apostando contra os Planos Cruzado de Collor e a favor do Real (neste, por exemplo, ele pegou emprestado recurso no exterior a uma taxa de juros de até 2% e comprou títulos do governo, que na época de FHC pagavam até 45% de juros).
A situação é tal que, para assumir a superpasta da Economia, ele terá de vender sua participação na Bozano Investimentos, empresa que pode (e deve) se beneficiar diretamente do que Paulo Guedes vem prometendo ao longo da campanha e, agora, na transição de governo: privatizações e (contra)reformas estruturais.
A cabeça do Superministro é tão enviesada que ele equipara a administração pública com a privada. Nas palavras dele, quando “vendeu algumas subsidiárias e pagou bancos, a Petrobrás passou a valer dez vezes mais. Com o país é a mesma coisa”. Isto é tão falacioso quanto comparar o orçamento governamental com o orçamento familiar. Para início de conversa, o Estado não é um “agente” econômico que visa o lucro ou a “gestão” de 3 ou 4 pessoas, portanto, sua lógica de funcionamento não é a do simples custo-benefício empresarial ou da manutenção de um grupo pequeno de pessoas. O Estado é a instituição que reúne e “administra” os diversos interesses (muitas vezes conflituosos) das distintas classes que compõem uma sociedade. Claro que as classes mais fortes economicamente são as de maior poder político. Mesmo assim, elas não podem transformar o Estado em um instrumento exclusivo de realização dos seus interesses. E isto já é manifestado pela Confederação Nacional da Indústria, que deve se prejudicar com as medidas ultraliberais, benéficas ao setor financeiro. A própria classe trabalhadora pode se organizar e impor barreiras às mudanças que vão retirar seus direitos.
Pelo que parece, não é por saber demais que o Superministro e sua equipe vão se queimar, mas por saberem de menos como funciona a gestão pública.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)

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