Semana de 05 a 11 de novembro de 2018
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
A Sétima Arte já retratou histórias e estórias de
espiões que, por saberem demais, deveriam findar em uma “queima de arquivo”.
Infiltrado do mercado financeiro no futuro governo do capitão “aposentado”
eleito, Paulo Guedes demonstrou nos últimos dias pouco conhecimento relacionado
a sua futura missão de Superministro da Economia.
A primeira demonstração foi sobre o Mercosul, ao
colocar no mesmo pacote Argentina, Venezuela e Bolívia, sendo que os dois
últimos países não fazem parte, efetivamente, do bloco (a Venezuela está
suspensa e a Bolívia em fase de adesão). Em 1991 (ainda no liberal governo
Collor), assinaram o Tratado de Assunção (que deu origem ao bloco) Argentina,
Uruguai, Paraguai e Brasil. O Superministro afirmou que o comércio com estes
países da região não seria prioridade, pois existiria um “viés ideológico” nas
transações. A primeira pergunta que fica é: o que seria esse “viés ideológico”
associado a uma transação de compra e venda?
Além disso, talvez ele não saiba que o Brasil é quem
mais se beneficia neste comércio, pois, dentre outros, os três produtos que
mais renderam divisas de exportações ao Brasil no comércio com o Mercosul em
2017 foram veículos rodoviários, máquinas e equipamentos para a indústria e
petróleo e seus derivados. Todos eles de grande importância para a cadeia
produtiva brasileira.
A segunda demonstração de desconhecimento da
realidade, do Superministro, veio de algo que qualquer interessado em
administração pública saberia: que a constituição obriga que o orçamento
governamental de um determinado ano (a LOA – Lei Orçamentária Anual) seja
definido no ano anterior através de um Projeto de Lei (PLOA) votado no
parlamento. Pois bem, o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira, convidou
Paulo Guedes para participar das discussões, que estão ocorrendo agora, sobre o
orçamento de 2019. A resposta, pasmem, foi: pode fazer o orçamento de vocês,
que, quando assumirmos em janeiro de 2019, faremos o nosso...
O problema é que o Superministro não está acostumado
com a gestão pública. Ele é um agente do sistema financeiro, sócio de uma
empresa de investimentos, daquelas que concentram dinheiro de vários agentes
econômicos e os aplicam no que considerar mais rentável. Foi assim que ele fez
fortuna: apostando contra os Planos Cruzado de Collor e a favor do Real (neste,
por exemplo, ele pegou emprestado recurso no exterior a uma taxa de juros de
até 2% e comprou títulos do governo, que na época de FHC pagavam até 45% de
juros).
A situação é tal que, para assumir a superpasta da
Economia, ele terá de vender sua participação na Bozano Investimentos, empresa
que pode (e deve) se beneficiar diretamente do que Paulo Guedes vem prometendo
ao longo da campanha e, agora, na transição de governo: privatizações e
(contra)reformas estruturais.
A cabeça do Superministro é tão enviesada que ele
equipara a administração pública com a privada. Nas palavras dele, quando
“vendeu algumas subsidiárias e pagou bancos, a Petrobrás passou a valer dez
vezes mais. Com o país é a mesma coisa”. Isto é tão falacioso quanto comparar o
orçamento governamental com o orçamento familiar. Para início de conversa, o
Estado não é um “agente” econômico que visa o lucro ou a “gestão” de 3 ou 4
pessoas, portanto, sua lógica de funcionamento não é a do simples
custo-benefício empresarial ou da manutenção de um grupo pequeno de pessoas. O
Estado é a instituição que reúne e “administra” os diversos interesses (muitas
vezes conflituosos) das distintas classes que compõem uma sociedade. Claro que
as classes mais fortes economicamente são as de maior poder político. Mesmo
assim, elas não podem transformar o Estado em um instrumento exclusivo de
realização dos seus interesses. E isto já é manifestado pela Confederação
Nacional da Indústria, que deve se prejudicar com as medidas ultraliberais,
benéficas ao setor financeiro. A própria classe trabalhadora pode se organizar
e impor barreiras às mudanças que vão retirar seus direitos.
Pelo que parece, não é por saber demais que o
Superministro e sua equipe vão se queimar, mas por saberem de menos como
funciona a gestão pública.
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com;
lucasmilanez@hotmail.com)
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