Semana de 04 a 10 de fevereiro de 2019
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Caro leitor, não sei se compartilhas da mesma
sensação, mas parece que o início de 2019 está sendo muito difícil para o
brasileiro. Não falo apenas dos fatos extraordinários ou da irresponsabilidade
direta com a vida de trabalhadores ou de jovens atletas. A situação está
crítica sob os mais variados aspectos.
O primeiro ponto a destacar é a tragédia que o
ministro Paulo Guedes quer impor a milhões de jovens brasileiros com sua
reforma trabalhista. A proposta é dar a um trabalhador sem qualquer experiência
profissional o “direito” de “escolher” entre duas “opções”: 1) uma relação
contratual onde sejam respeitados os atuais direitos legais e constitucionais;
2) uma relação contratual onde ele, individualmente, negocia com seu patrão os
direitos aos quais terá acesso. A ideia é anexar esta mudança à reforma da previdência.
Por mexer em direitos garantidos pela constituição, tanto a reforma trabalhista
quanto a previdenciária precisam transitar como Proposta de Emenda
Constitucional (PEC).
Se nossa sociedade fosse civilizada e capaz de
proporcionar aos jovens que entram no mercado de trabalho uma digna opção
profissional, talvez essa reforma fosse boa, ao menos na teoria. Na prática,
será a negociação entre um cidadão com pouca ou nenhuma vivência profissional e
um empresário que é seu extremo oposto: conhece todas as nuances da lei e tem
poder econômico suficiente para impor seus interesses sobre os trabalhadores. O
que garante isso? A existência de inúmeros trabalhadores jovens (e velhos)
necessitados de aceitarem qualquer coisa para sobreviverem com um salário baixo
e, a partir de então, sem muitos ou nenhum direito.
A própria reforma da Previdência tem seus “poréns”
(muitos). Ela ainda não foi apresentada, mas tudo indica que será semelhante à
do Chile. Criada na década de 1980, sob o regime ditatorial de direita de
Augusto Pinochet, a reforma levou à migração da previdência pública para a
privada. Um de seus resultados foi que quase 80% dos aposentados não recebem
sequer o equivalente a um salário mínimo. Um total de 44% se encontra abaixo da
linha da pobreza. Para as mulheres isso é ainda pior. Elas recebem o
equivalente à 25% do salário médio da ativa. Lá o modelo é o da capitalização,
onde cada indivíduo contribui com 10% da sua renda atual para sua aposentadoria
futura. Patrões e Estado não contribuem. No Brasil a proposta básica é a mesma.
Outras tragédias sociais são defendidas pela ala
mais desvairada do governo. Fazem parte desta os ministros (do Meio Ambiente,
da Educação e da Família), a “Famiglia Bolsonazi” e o partido do presidente, o
PSL. Dentre os devaneios, chegou-se a propor a proibição do “comércio, a
propaganda, a distribuição ou a doação” de alguns anticoncepcionais no Brasil.
Por sua vez, ao ser perguntado sobre Chico Mendes no programa Roda Viva, o
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, soltou a seguinte pérola (além de
outros despautérios): “Que diferença faz quem é Chico Mendes nesse momento?”
Outra notícia burlesca é a escolha de Eduardo Bolsonaro como o líder
latino-americano d’O Movimento. Esse é um “organismo” nacionalista (mas,
organizado em escala internacional...) que visa acabar com os marxistas
culturais, os globalistas, os humanistas e os secularistas (seja lá o que isso
signifique). O líder mundial é Steve Bannon, americano, criador do Movimento e
o assessor da campanha de Trump responsável por disseminar notícias falsas (as
famosas Fake News).
E olhe que nem falei sobre os incontáveis mortos e
desaparecidos num mar de lama, tragédia cuja possibilidade era conhecida desde
2017 pela Vale. Nem das chuvas que atingiram grande parte da região sudeste do
país, deixando mortos e desabrigados. Ou dos 10 jovens atletas que perderam a
vida em um centro de treinamentos no RJ (Flamengo). Muito menos do acidente de
helicóptero que calou uma das poucas vozes com tom progressista da grande mídia
nacional, o competente jornalista Ricardo Boechat a quem prestamos a nossa
homenagem.
Resta-nos torcer para que no restante do ano, apesar
de tudo (e das prometidas reformas), nossas tragédias econômicas e sociais
diminuam.
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com;
lucasmilanez@hotmail.com)
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