Semana de 19 a 25 de agosto de 2019
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Desde o fim do ano passado a presente coluna trouxe
análises que alertavam para a chegada da crise no cenário internacional. Esta é
uma das quatro fases do movimento alternado de maior e menor aquecimento da
atividade econômica, que caracteriza as economias capitalistas maduras desde o
início do século XIX.
O fenômeno é conhecido como ciclo econômico e é
composto pelas fases de crise, depressão (ou fundo do poço), reanimação e auge
da atividade econômica. Historicamente, o tempo que separou duas fases de crise
distintas (depois de se ter passado pelas demais) alternou entre 7 e 11 anos.
Ou seja, na história do capitalismo mundial, após a chegada de uma crise, outra
aconteceu dentro deste intervalo. Os motivos que justificam esta periodicidade
resultam do funcionamento do próprio capitalismo. Este é o movimento
conjuntural da economia. É aquele onde as mudanças se dão dentro dos marcos e
das bases até então estabelecidas e, apesar da crise, esta não é capaz de
abalar as estruturas do sistema diretamente. Ou seja, no essencial as coisas
voltarão ao “normal”.
Nesse contexto, pergunto ao caro leitor: lembra
quando foi a última crise econômica internacional? Obviamente, não é o simples
fato de ter se passado 11 anos desde a crise de 2008 que, por si só, podemos
afirmar que uma nova chegaria entre 2015 e 2019. Na verdade, quando alertamos
para a chegada da crise, desde o princípio, nos baseamos em diversos
indicadores da atividade econômica. Contudo, tais indicadores mostram que, para
além do aspecto conjuntural, a crise atual tem um conteúdo estrutural.
Se a crise conjuntural mantém os fundamentos
econômicos, a crise estrutural, pelo contrário, abala suas bases. E antes de
ser acusado de prever o fim do capitalismo (“deus me livre, mas quem me dera”),
a história mostra que algumas crises conjunturais trouxeram mudanças
estruturais que mantiveram os marcos capitalistas.
Foi assim com a Primeira Grande Depressão (1873),
que, para além de uma grave crise conjuntural de abrangência internacional,
dividiu as eras do “capitalismo concorrencial” e do “capitalismo monopolista”.
A Segunda Grande Depressão (1929) também teve esse caráter, sobretudo na forma
como o Estado atuaria na “socialização das perdas” advindas das crises
conjunturais. Depois da 2ª Guerra Mundial, ele regulou, inclusive, como se
daria a “socialização dos ganhos” através do Estado de Bem-Estar Social. Já os
choques do petróleo da década de 1970 marcaram o fim dessa estrutura. Foi
quando o capitalismo mudou suas bases e assumiu sua forma atual: a “neoliberal”.
Dentre as características mais relevantes,
destaca-se a “financeirização”. Este fenômeno corresponde ao papel que a
especulação financeira passou a desempenhar na dinamização da economia:
tornou-se numa relevante fonte de valorização para todas as atividades, desde a
bancária até a produtiva. Porém, já com a crise de 2008 e a posterior atuação
estatal para salvar o sistema financeiro, a forma como este se organiza entrou
em xeque.
O total de ativos sob posse dos principais bancos
centrais do mundo, no final de 2007, estavam em US$ 5 trilhões, enquanto no
final de 2017 ultrapassou os US$ 20 tri. Isto foi dinheiro dado aos bancos em
troca de ativos podres para salvar o sistema financeiro. Atualmente, outros US$
15 tri em bônus (25% dos títulos emitidos no mundo) estão sendo negociados com
taxas de juros negativas. Isto significa que os emprestadores receberão no
final do prazo menos do que emprestaram aos governos de Suíça, Alemanha, Japão,
Dinamarca e outros países. Soma-se a isso o endividamento (público e privado)
no mundo, que totaliza US$ 246,5 tri ou 320% do PIB mundial.
A preocupação com a atual estrutura do capitalismo
se materializa no fato de que, neste último ciclo expansivo, de 2009 a 2019
(estimativa), os países mais avançados do mundo cresceram numa média de 1,5% ao
ano. A média no período de 1998 a 2008 foi de 2,5%, enquanto entre 1987 e 1997
o crescimento médio do PIB foi de 3,1%. Na esteira desse dado, segue o aumento
da desigualdade de renda em todo o mundo: em 2018 um total de 26 bilionários detinha
um patrimônio igual à soma do patrimônio das 3,8 bilhões de pessoas mais pobres
do mundo.
Até quando essa estrutura irá se sustentar?
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com;
lucasmilanez@hotmail.com)