terça-feira, 6 de agosto de 2019

E tem como falar de outra coisa?


Semana de 29 de julho a 04 de agosto de 2019

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

A coisa está cada vez pior. Os jornais trazem, dia após dia, como cavaleiros do apocalipse (esse apocalipse tem nome), notícias que angustiam uma parte significativa dos brasileiros. Se o caro leitor acha que estou me referindo aos despautérios bolsonarianos, está absolutamente correto. Seria inacreditável a qualquer brasileiro do passado pensar que viveria esta tormenta no presente, já se desesperando com um futuro ainda mais sombrio. Contudo, não destinarei esta análise àquilo que muitos estão, literalmente, cansados de ver e ouvir: à estupidez desmedida do atual presidente do Brasil.
Já respondendo à pergunta que intitula o presente texto, sim, tem como falar de outra coisa. Contudo, ela não é muito melhor do que as asneiras criminosas relinchadas por Bolsonaro (o que não é difícil). Estou falando da encruzilhada na qual se encontra a economia nacional. Não é de hoje que alertamos o nosso leitor para a situação econômica em que nos encontramos.
Crise mesmo não há para o setor financeiro. Por exemplo, o Itaú Unibanco lucrou R$ 7,034 bilhões nos meses de abril, maio e junho de 2019. Esse valor foi 10,2% maior do que o observado nos mesmos meses de 2018. Juntando com Bradesco e Santander, o lucro dessas três maiores instituições bancárias privadas que atuam no Brasil somou R$ 17,131 bilhões. E olhe, nem cabe aqui falar da nova reestruturação pela qual os bancos brasileiros estão a passar, com cada vez menos agências físicas e funcionários nos caixas, e cada vez mais aplicativos em celulares: nos três meses citados, só o Itaú Unibanco fechou 195 agências e demitiu 1,3 mil empregados.
No cenário mundial, cada vez mais os bancos centrais reagem contra o já manifestado desaquecimento da economia global. O Banco Central estadunidense (Fed) reduziu sua taxa básica de juros em 0,25 pontos percentuais. O Banco Central Europeu já anunciou que tomará medidas de reaquecimento da economia em setembro. A Comissão Econômica para América Latina e Caribe, da ONU, a Cepal, já reduziu a previsão de crescimento de toda região latino-americana. O único país que teve sua projeção melhorada foi a Colômbia. Para o Brasil, a estimativa saiu de 1,1% para 0,8% de crescimento do PIB, em 2019.
Voltando ao Brasil, os dados mais recentes da PNAD/IBGE sobre o desemprego mostram que no trimestre abril-maio-junho de 2019, dos 106,1 milhões de pessoas que compõem a força de trabalho brasileira (ocupada e desocupada), 28,4 milhões encontram-se em uma dessas condições: desempregados, desalentados (desempregado que desistiu de procurar emprego) ou subocupados (trabalha menos do que gostaria). Para piorar, o rendimento médio mensal que habitualmente a força de trabalho brasileira recebe vem caindo ao longo de 2019. O valor foi de R$ 2.290, média que não mudou muito desde 2013.
No caso da indústria, a situação não é melhor. No acumulado de janeiro a junho de 2019, a indústria brasileira recuou sua produção em 1,6%. Comparando só o mês de junho do presente ano com junho do ano passado, a queda na produção industrial foi de 5,9%. Nessa comparação anual, todas as categorias de bens apresentaram quedas significativas: capital (-3,5%), intermediários (-6,4%), consumo (5,3%). Não é à toa que as expectativas para julho sejam de piora. A única coisa que deu um alento à parte dos empresários foi a aprovação na câmara, em 1º turno, da “Deforma” da Previdência. Mas, segundo o FMI, essa “Deforma” causará redução na renda per capita brasileira, redução do consumo das famílias e estagnação dos investimentos até 2020 (estimativa que considero otimista). Segundo o relatório, dado o atual cenário nacional, a economia brasileira só retomaria seus grandes investimentos a partir de 2023.
A partir desses números, uma coisa não se pode deixar de falar: nessa crise que se arrasta desde 2014, uns ganham muito, outros só perdem e outros patinam. Diante da loucura em que nos encontramos, veremos até quando iremos agonizar, seja na política, seja na economia. Nesse meio tempo, podemos continuar lutando por dias melhores, pois o grosso das reformas até aqui propostas não o farão por nós, pelo contrário.

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)

Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog