quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O pato mudou de mãos...


Semana de 11 a 17 de novembro de 2019

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Foi no começo de 2015 que surgiram as primeiras manifestações pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Ao longo daquele ano, as ruas foram tomadas por manifestantes e movimentos que se diziam apartidários (apesar de muitos deles terem se partidarizado e assumido cargos políticos em 2016 e 2018). Dentre aqueles que encabeçaram essas mobilizações, destaca-se a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Quem não se lembra daquele grande pato amarelo (e plagiado de um artista holandês) inflado em plena Avenida Paulista? O mote da campanha era: “Não vou pagar o pato”. Como todas as demais, essa “obra” da arte visual tinha seu conteúdo: não pagar mais impostos para financiar o funcionamento do Estado brasileiro.
Assim, o pato seria o aumento da carga tributária, seja pelo aumento dos impostos existentes ou, principalmente, pelo retorno da CPMF (o “imposto do cheque”). Esta foi a contribuição da Fiesp para o impeachment, que se concretizou em 2016.
A partir daí Michel Temer assumiu a presidência. Com sua “Ponte para o Futuro”, aprofundou ainda mais as políticas restritivas iniciadas por Dilma em 2015. Apontada como uma das principais vias para um futuro próspero, a Reforma Trabalhista foi aprovada em 2017.
A promessa, claro, era diminuir os custos de contratação e modernizar as relações de trabalho. Com isto, 2 milhões de empregos seriam criados em dois anos. Ledo engano (e enganação). O desemprego até caiu entre 2017 e 2019, mas, principalmente, porque os trabalhadores passaram a fazer “bico” sem carteira assinada ou passaram a se virar por conta própria. O outro resultado esperado da reforma era reativar a atividade econômica do país. Nem preciso dizer que isto também está longe de se concretizar.
Seguindo nossa linha temporal, chegamos ao segundo semestre de 2018. Na campanha presidencial, o então candidato (e então filiado) do PSL, Jair Bolsonaro, declarou: “O trabalhador terá que escolher entre mais direito e menos emprego, ou menos direito e mais emprego”. Desde o início do seu mandato ele vem cumprindo sua promessa.
A mais nova medida é o que deve ser chamado de “imposto sobre as grandes pobrezas”. A ideia é simples: reduzir a arrecadação dos tributos pagos pelos empresários e compensar a queda na receita por meio da tributação dos trabalhadores recém-desempregados.
O que parece piada é, na verdade, a Medida Provisória (MP) n° 905 de 2019. Com ela, fica instituído o “Contrato Verde e Amarelo”. Segundo a MP, os patrões que aderirem ao programa irão gozar de uma série de benefícios tributários, principalmente sobre a folha de pagamento dos funcionários que se enquadram no programa. As empresas não vão pagar suas contribuições do INSS, do salário-educação (que financia parte do ensino fundamental público) e do Sistema S (SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE, etc.).
Outras medidas também estão previstas. O empresário não pagará mais a multa rescisória de 10% sobre o valor do FGTS em caso de demissão sem justa causa. Essa mesma multa cai de 40% para 20%. Será ampliada a jornada dos trabalhadores do setor bancário de 6 para 8 horas semanais (incluindo os sábados). Será limitada a ação do Ministério Público do Trabalho na fiscalização e aplicação de multas a empresas infratoras. Além disso, segundo o DIEESE, a Medida revoga 86 itens da CLT.
Nos cálculos do ministro da Economia, Paulo Guedes, o custo aos cofres públicos da MP 905/2019 será de R$ 10 bilhões até 2022. Claro, para quem vive chorando a falta de dinheiro isto é um absurdo. Mais absurdo ainda é a saída para este problema: tributar em 7,5% (ou até 8,14%) os trabalhadores que recebem o seguro-desemprego (auxílio financeiro temporário dado a quem é demitido involuntariamente). Com isso, a nova receita vinda da ajuda de quem acabou de ser demitido seria de R$ 11,5 bilhões até 2022.
Agora, voltemos ao título e às primeiras linhas do presente texto. Se não foi a Fiesp quem pagou o pato, quem está a pagar?

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)

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