quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O cenário econômico traduzido em números, não em vontades


Semana de 10 a 16 de fevereiro de 2020

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Caro leitor, o mundo continua lidando com as consequências do surto do coronavírus que ameaçam se estender também à economia. Empresas sediadas na China, onde o surto se iniciou, mesmo autorizadas a voltar a produzir, prorrogaram férias e adotaram o trabalho remoto. Escolas continuam fechadas e consultorias já começam a rever as projeções para o crescimento daquele país. A doença já custou mais de um bilhão de euros à Alemanha, por exemplo. O setor industrial alemão que vem apresentando dificuldades pode liderar uma recessão na economia. Lá, já se espera uma contração para o quarto trimestre de 2019 e o resultado do primeiro trimestre deste ano é incerto, segundo levantamento feito pelo Deutsche Bank.
Enquanto isso, no Brasil, o governo, seus apoiadores e alguns economistas, continuam surfando na onda de “otimismo” que eles mesmos criaram. O presidente já declarou várias vezes que a economia “vai muito bem”. Sendo assim, gasta seu tempo fazendo o que sabe efetivamente fazer: atacar de maneira vil e rasteira jornalistas, oposição, ambientalistas e todos os que considerar inimigos.
Os recentes números só respaldam a percepção defendida em nossas análises anteriores. O cenário rosa que alguns querem pintar mostra-se cinza, sua cor real. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgou uma queda do varejo de 0,1% em dezembro em relação a novembro, após sete meses seguidos de alta. O número retrata o recuo das vendas no mês de Natal e deu uma rasteira no mercado que previa alta de 0,2% nas vendas. Pelo segundo mês consecutivo, a realidade atropelou os “otimistas” e de novo já se cogita que a recuperação pode não ser “tão sólida”. Como consequência, o dólar bateu novo recorde e chegou a R$ 4,35. Só neste ano, o dólar acumula alta de 8,4%, tornando o real a moeda que mais se desvalorizou no período.
Como as coisas “estão indo muito bem”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reafirmou durante esta semana que o real desvalorizado é positivo para a economia e para as contas do governo. E de quebra, “ilustrou”: “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vamos exportar menos, substituição de importações, turismo, todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. (...)”. Pessoas de quinta, como os parasitas dos funcionários públicos e as atrevidas domésticas que se aventuram na Disney, incomodam o Posto Ipiranga. E para coroar seu ranço, lacrou (afinal está na moda): “Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu, vai passear o Brasil...”.
Com seu profundo conhecimento do poder de compra das domésticas brasileiras e sua grande sapiência em mercado cambial, o ministro contribuiu para que a moeda estrangeira alcançasse um novo recorde, fechando a R$ 4,38. O Banco Central, liberal que é, aplicou o liberalismo de Guedes e fez uma intervenção surpresa no mercado de câmbio para conter a alta.
Enquanto o ministro se diverte, assim como seu chefe, atacando pessoas, a divulgação do resultado do Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br), que funciona como uma prévia do PIB, confirma a fragilidade da economia brasileira. O IBC-Br registrou queda de 0,27% em dezembro quando comparado a novembro e crescimento de apenas 0,89% em 2019. Vale lembrar que a expectativa de crescimento oficial que estava prevista no orçamento, era de 2,5%.
E, pelo visto, a situação só está piorando. Levantamento feito pela Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, mostra que apenas 3 dos 15 estados investigados apresentaram produção industrial acima do nível registrado em 2013. Pará, com alta acumulada de 35,3% no período, Mato Grosso com 10,4% e Santa Catarina com 0,2%, se destacam num cenário de piora da produção industrial nacional que registrou queda de 1,1% em 2019, segundo o IBGE.
Gostando ou não, esta é a realidade conjuntural da economia brasileira, que sempre se impõe às grosserias, achismos e torcidas.

[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br

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