quinta-feira, 26 de março de 2020

A retração global já começou


Semana de 17 a 22 de março de 2020

Nelson Rosas Ribeiro[i]

Fazer esta afirmação agora é muito fácil. Todos concordam. Jim O’Neil, o criador do temo BRICS, afirmou em entrevista ao jornal Valor: “Nós estamos quase definitivamente em recessão”. Claudia Safatle, colunista deste jornal, também afirmou: “A recessão é inevitável”. Para Kristalina Georgieva, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI) a crise será pior que a de 2008.
E a causa já foi identificada, para a felicidade dos economistas: é o coronavírus. O maldito vírus criado pelos chineses (segundo o filho do presidente) para conquistar o mundo. Consequentemente a culpa é do comunismo e o clã bolsominio está em festa.
Os economistas também comemoram. Há uma causa da crise. Esta é a crise do coronavírus como já havíamos batizado 2 semanas atrás em nossa Análise. Na verdade, já vínhamos acompanhando a aproximação da crise desde meados de 2019. Outros analistas também identificavam a marcha do fenômeno. No dia 13 de agosto do ano passado a colunista e editora do Financial Times, em Nova York, em um artigo publicado no Valor Econômico intitulado “A caminho da desaceleração global”, afirmava: “Não acho que seja uma questão de se veremos um “crash” – a questão é porque ainda não começou”. E concluia: “a retração global já começou”.
Todos se recusavam a ver a aproximação da tempestade apoiados pela ideologia econômica dominante. Como não conseguem encontrar uma explicação para o fenômeno tentam desesperadamente negar sua existência.
Segundo a teoria do ciclo econômico quando as tensões atingem um determinado nível, inevitavelmente a fase de crise começará. O problema é saber quando e qual o agente deflagrador. Deflagrador, repito, e não causador. Para dificultar as análises e prognósticos tivemos agora 2 agentes deflagradores: o preço do petróleo (preço de monopólio) e o coronavírus, um fator não econômico. Se a questão dos preços de monopólio já complica a análise, o fator não econômico, um vírus, absolutamente imprevisível e inusitado, não está considerado em nenhuma teoria e nem seria possível incluí-lo. Esta é a grande novidade que complica as análises e que exigirá muita criatividade dos analistas para fazer prognósticos.
O quadro atual é desolador quer no plano mundial como interno. A propagação do vírus, além dos mortos, enche os hospitais de enfermos e leva à ruptura dos sistemas hospitalares. Frequentemente os médicos são obrigados a definir a quem darão assistência e quem morrerá por falta de recursos. Os governos são obrigados a decretar quarentenas e confinar as populações às residências provocando a paralisação da produção e destruindo as cadeias de valor e de abastecimento.  Em um mundo globalizado caminhamos para a catástrofe econômica. As pessoas confinadas não trabalham. Sem trabalho não há produção nem salários. Sem salários não há demanda e as fábricas e comércio param. Instala-se o caos social e econômico.
Os dados enchem os jornais e seria cansativo citá-los. As fábricas fecham e demitem ou dão férias coletivas ou fazem layoff dos operários. O comércio fecha e age da mesma forma. Sem faturamento as empresas não pagam seus compromissos e a inadimplência se alastra. As ações perdem o valor e as bolsas despencam provocando o efeito manada e o caos financeiro. Para exemplificar, só 3 empresas, CVC, Gol e Azul perderam 81% de seu valor de mercado.
Os governos tomam medidas desesperadas para conter o caos. Socorro às empresas (quantitative easing – QE – novamente) ou mesmo nacionalizações. Fala-se em QE para os trabalhadores (jogar dinheiro de helicóptero) para as pessoas poderem consumir. Já há exemplos disso em Hong Kong, Macau, Singapura. Nos EUA programam pagar US$1.000 a cada pessoa. O FMI já prepara US$1 trilhão para injetar na economia e o Banco Mundial outros US$150 bilhões. Os Bancos Centrais preparam-se. E enquanto o mundo desaba, o presidente Bolsonaro, como um demente, chama a pandemia de gripezinha, desautoriza seu ministro da Saúde, convoca manifestações de rua contra a república e os demais poderes e namora com a ditadura. Até quando?


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com).

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