Semana de 24 de fevereiro a 01 de março de 2020
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
A causa da desaceleração da economia mundial não é o
Covid-19. Não estamos fazendo uma suposição, mas uma constatação. Já há algum
tempo que a presente coluna vem registrando o que ocorre no cenário global.
Como já foi dito anteriormente, o mundo passa por sua primeira desaceleração
cíclica desde a “Crise do subprime”. E isso começou bem antes do surto do novo
coronavírus assolar a cidade de Wuhan, na China.
Mas esta não é apenas uma constatação nossa. O
secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, afirmou que a economia mundial deveria
ser estimulada através dos países com maior capacidade de puxar a atividade
global. Segundo ele, em entrevista publicada na última semana de fevereiro,
“temos que ter estímulos não pelo coronavírus, mas porque já precisávamos
antes, porque há uma desaceleração muito clara da economia mundial”.
Na conta de Gurría, o principal elemento causador da
desaceleração global é a tensão comercial entre os países, em especial, entre
EUA e China. Antes do Covid-19, este era considerado pelos economistas o
elemento causador da crise econômica que estava se instalando no mundo. Agora,
todos apontam a epidemia como causa. Para nós, essa é uma crise cíclica típica
do capitalismo, sendo a guerra comercial apenas o elemento de deflagração dela.
O motivo da transformação da epidemia em causa é
que, obviamente, a preocupação dos países e da comunidade internacional com o
novo vírus levaram a uma série de medidas que restringiram a atividade
econômica nacional e as negociações internacionais. O resultado disso para a
China, por exemplo, é que a indústria passa por maus bocados. De acordo com um
indicador baseado nas compras industriais, a situação por lá é pior do que a
vivida na crise de 2008. Na verdade, o indicador foi o mais baixo desde que
começou a ser calculado, em 2004.
Diante disso tudo, devemos ter em mente que o
Covid-19 não é causa da crise econômica que já se instalou na economia mundial
desde 2019, mas vai aprofundar ainda mais os efeitos negativos dela. E, claro,
isso pode agravar a situação de países como o Brasil, que são grandes
exportadores de commodities. Se a atividade por lá e por outros países
consumidores desses produtos diminui, nossas exportações também diminuem. Na
Itália já há fábricas fechando e mais outras fecharão, devido à quarentena.
No Brasil, a especulação nas bolsas e no mercado de
câmbio já começou. Só o fato de o país ter confirmado o primeiro caso em nosso
território fez o índice Ibovespa cair 7% em um único dia. Isto não acontecia desde
maio de 2017.
Já foi registrado por essa coluna que a economia
brasileira patina desde 2017, ou seja, desde a crise 2014-2016, nosso
“crescimento” econômico mal passa de 1%. Já foi colocado, também, que a
política econômica iniciada em 2015 e aprofundada até os dias atuais tem uma
larga parcela de responsabilidade nisso tudo. Pois bem, não há qualquer
perspectiva de mudança “nisso daí”. Na verdade, fofocas palacianas até cravaram
a saída de Paulo Guedes da pasta da economia no fim de fevereiro... A pele da
maior parte dos brasileiros já sente há tempos que a situação não está nada boa
nesse quesito...
Caso o Brasil tivesse um cenário político e
econômico favorável, tecnologia e estrutura produtiva avançadas o suficiente,
talvez pudéssemos aproveitar a situação. Como? Como a produção de quase tudo
hoje em dia se dá em escala global, as empresas multinacionais serão obrigadas
a transferir parte da produção dos países atingidos pelo Covid-19 para outros
onde a epidemia ainda não chegou. Com isso, o desaquecimento em um local
tenderia a se transformar em aquecimento em outro. Infelizmente, o Brasil não
apresenta bons requisitos para isso. Pior será se a quarentena precisar ser
adotada.
Assim, com o espalhamento do coronavírus pelo mundo
e sua chegada aqui no país, a já fraquíssima economia tende a piorar ainda
mais. Não só pela especulação em torno do fato. Mas pelo cuidado quanto à
transmissão que o vírus requer. Isso tende a gerar o aprofundamento da crise
cíclica que já estava em curso. Do ponto de vista econômico, Brasil que se
cuide. Há tempos que o governo não cuida disso...
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com;
lucasmilanez@hotmail.com)
Interessante o conteúdo. Não tinha analisado o atual cenário desta forma, mas faz todo sentido
ResponderExcluir